Argentinas mobilizadas pela despenalização do aborto

Por Marcela Valente, da IPS

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Buenos Aires, Argentina, 29/9/2010 – Incentivadas pela sanção de uma lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo, organizações de mulheres da Argentina reclamaram a legalização do aborto, no dia latino-americano em favor da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Cerca de mil integrantes do Coletivo de Mulheres Juana Azurduy, mais conhecido com Las Juanas, apresentaram, em diferentes tribunais do país, um pedido de habeas corpus “coletivo e preventivo” para que a penalização do aborto seja declarada inconstitucional.

Também pediram que se exorte o Poder Legislativo a adequar a lei vigente que penaliza o aborto com a norma internacional que reconhece o direito das mulheres decidirem sobre seu corpo.

“Escolhemos o habeas corpus porque é a figura que protege a liberdade das pessoas e, de forma preventiva, pedimos que a justiça nos ampare se ficarmos grávidas e quisermos abortar”, explicou à IPS Gabriela Sosa, do Las Juanas.

Gabriela, que é coordenadora da organização na província de Santa Fé e uma das signatárias do pedido, explicou que o contexto político-social é muito adequado no momento para avançar em uma lei que despenalize o aborto.

“Há algum tempo não podíamos imaginar que a Argentina teria uma lei de casamento igualitário e este ano se conseguiu porque há uma preocupação social para debater estes temas e os políticos a reconhecem”, destacou.

Entretanto, admitiu um fator contrário. Em 2011 haverá eleições gerais e “nenhum candidato vai querer pegar a batata quente do aborto”, ironizou a ativista se referindo à reticência dos políticos em se pronunciarem sobre assuntos controvertidos durante as campanhas.

Na Argentina, o aborto é ilegal e punido com prisão, salvo quando a gravidez é fruto de uma violação, quando a mãe corre risco de morte ou se a gestante “é idiota ou demente”.

Apesar desta lei, anualmente acontecem entre 460 mil e 600 mil interrupções voluntárias da gravidez, segundo o informe “Estimativa da magnitude do aborto induzido na Argentina”, elaborado por especialistas da Universidade de Buenos Aires (UBA) e do Centro de Estudos de População.

Na América Latina apenas Cuba – além do Estado livre associado de Porto Rico e o Distrito Federal do México – não o penalizam. O restante se divide entre países que o criminalizam sem nenhuma exceção (Chile, El Salvador e Nicarágua) e os que o permitem de maneira muito restrita.

No entanto, na região são feitos quatro milhões de abortos por ano, segundo diversas fontes, e 13% das mortes maternas estão associadas a esta prática feita de maneira insegura. Na Argentina, o aborto clandestino e inseguro é a primeira causa de mortalidade materna, recordaram as ativistas do Las Juanas.

Diante dessa realidade, as organizações argentinas lançaram ontem, dia 28, sua iniciativa junto ao Poder Judiciário, dia que o movimento feminista da América Latina e do Caribe instituiu há 20 anos como Dia pela Despenalização do Aborto.

A Anistia Internacional uniu-se a esta campanha com um duro pronunciamento sobre as consequências da criminalização. “Devem ser revogadas as leis que punem ou permitem o encarceramento de mulheres e meninas que buscam ou têm um aborto sob qualquer circunstância”, pediu Guadalupe Marengo, diretora-adjunta da organização para a região.

Para a Anistia, a restrição às mulheres latino-americanas a um aborto legal e seguro faz com que “seus direitos humanos estejam em grave perigo”.

Na Argentina, as organizações de mulheres realizam, há vários anos, campanhas a favor de despenalizar esta prática, mas sempre encontram a resistência dos setores mais conservadores.

Este ano, o ambiente parece estar mais favorável. Desde março, a Câmara dos Deputados analisa um projeto de lei para a despenalização, apoiado por meia centena de legisladores de diferentes partidos.

A iniciativa, que poderá ser debatida em outubro, foi apresentada pela legisladora Cecilia Merchán, do movimento esquerdista Libres Del Sul, e propõe legalizar a interrupção voluntária da gravidez até 12 semanas de gestação, como já ocorre no Distrito Federal do México, que acolhe a maior parte da população da capital do país.

Os quase 20 projetos anteriores sobre aborto nunca passaram de sua apresentação ao longo dos anos, enquanto o atual já foi analisado em comissões, um passo prévio ao debate no plenário.

Cecilia recordou à IPS que seu projeto se fundamentou na alta quantidade de abortos realizados e principalmente nos mais de 70 mil casos de mulheres, em geral pobres, que acabam hospitalizadas por práticas inseguras.

“No ano passado, das mulheres que ingressaram em hospitais públicos com aborto iniciado e complicações derivadas, 120 morreram, isto é, a cada dois dias morreu na Argentina uma mulher por esta causa”, alertou.

A legisladora ponderou que “o clima atual é favorável” no sentido de se avançar neste tema, pois “a sociedade apresenta a necessidade de tratar no Congresso um assunto que tem severas consequências na vida de tantas mulheres”.

“Assim como ocorreu no debate sobre casamento homossexual, a sociedade em seu conjunto, mesmo os que são contra, não quer mais esconder uma realidade que envolve tantas pessoas”, disse.

“Para nós, o tema não é novo, mas notamos que agora a exigência da sociedade obriga os legisladores a discuti-lo”, ressaltou Cecilia.

Também houve pronunciamentos de setores em outra época contrários a se manifestar, como as universidades públicas. Os decanos da UBA, para citar um caso, apoiaram em agosto a despenalização por 23 votos a favor e um contra.

Houve, ainda, declarações a favor por parte de integrantes da Suprema Corte de Justiça, como a juíza Carmen Argibay, que afirmou, este mês, o momento de debater mudanças na lei sobre abortos “é agora”.

Além disso, e diante da ofensiva que preparam os deputados para despenalizar a prática, no Senado é levado adiante outro projeto, limitado a ampliar as causas para os abortos sem punição.

A ideia de algumas senadoras é que a interrupção da gravidez seja permitida quando estiver em risco a saúde da mãe, entendendo este conceito com um critério amplo que inclui sua saúde física e mental.

As organizações de mulheres não têm o apoio da presidente Cristina Fernández, que se manifestou contra a legalização do aborto. Entretanto, Cecilia acredita que seu pensamento não interferirá no debate legislativo. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
Cortesia Las Juanas
Legenda: Mulheres argentinas pela legalização do aborto.

 

(IPS/Envolverde)

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