Emilio Godoy, da IPS
Puebla, México, 27/9/2010 – O terremoto que destruiu em janeiro boa parte do Haiti agravou a exposição de mulheres e meninas desse país caribenho ao tráfico de pessoas, alertam especialistas e ativistas. “O fenômeno ficou muito mais visível depois do terremoto, ao aumentar o deslocamento forçado de pessoas. Há grande potencial para o tráfico de pessoas“, disse à IPS a britânica Bridget Wooding, acadêmica da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), na vizinha República Dominicana.
Junto com os Estados Unidos, a República Dominicana é o principal destino dos emigrantes haitianos. Ali residem ou trabalham entre 200 mil e dois milhões de pessoas de origem ou ascendência haitiana, segundo diferentes pesquisas, entre elas as desenvolvidas por Bridget. As mulheres do Haiti “estão expostas à prostituição obrigatória, à violação, ao abandono, à pornografia e ao trabalho doméstico”, disse à IPS a especialista haitiana Messadieu Guylande, da Coalizão contra o Tráfico de Mulheres e Meninas na América Latina e no Caribe (CATWLAC).
A situação haitiana é um dos temas do Segundo Congresso Latino-Americano sobre Tráfico de Pessoas, convocado por organizações governamentais, independentes e acadêmicas da região, realizada na semana passada em Puebla, 129 quilômetros ao sul da capital mexicana. O terremoto de sete graus na escala Richter, que em 12 de janeiro atingiu a capital do país e áreas próximas, matou mais de 220 mil pessoas e obrigou dezenas de milhares a viverem em acampamentos provisórios.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações, o tráfico de pessoas é “a captação, o transporte, o traslado, a acolhida ou a recepção de pessoas” recorrendo a diversos métodos “para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, com fins de exploração”. Entre esses meios figuram ameaça, uso da força ou outras formas de coação, o rapto, a fraude, o engano, o abuso de poder, uma situação de vulnerabilidade ou a concessão ou recebimento de pagamento ou beneficio. Por outro lado, o tráfico de pessoas se circunscreve ao negócio de traslado e entrada ilegal de imigrantes.
Na América Latina, cerca de 250 mil pessoas são vítimas de tráfico, um crime que gera lucro de US$ 1,35 bilhão para os grupos criminosos, segundo estatísticas do Ministério da Segurança Pública do México, embora os números possam ser maiores, de acordo com organizações não governamentais dedicadas ao tema. Organizações como a CATWLAC estimam que mais de cinco milhões de mulheres na região caíram nessas redes criminosas e outros dez milhões estão em risco de cair nelas.
Depois do terremoto, as forças da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, presente desde 2004 e dirigida pelo diplomata guatemalteco Edmond Mulet, reforçaram a vigilância na fronteira com a República Dominicana, um limite poroso que possui muitas passagens cegas. As autoridades dominicanas deportaram cerca de 20 mil haitianos por ano entre 2003 e 2008, segundo estatísticas governamentais.
Após o desastre, o não governamental Sanctuary for Families de Nova York recebeu uma centena de haitianas. “Chegam ilegalmente, com documentos falsos ou vistos vencidos. Damos alojamento, assistência financeira ou assessoria legal”, explicou à IPS a diretora de Serviços Legais da entidade, Dorchen Leidholdt.
No dia 23, foi comemorado o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Pessoas, instaurado em 1999 pela Conferência Mundial da Coalizão contra o Tráfico de Pessoas. “Temos evidências de mais tráfico de pessoas, que se manifesta em mais crianças pedintes nas ruas de Santo Domingo, por exemplo”, disse Bridget, coautora do livro “Needed but not Wanted” (Necessários, mas não Desejados), de 2004, sobre a imigração haitiana na República Dominicana. A autora estava em Porto Príncipe no momento do terremoto.
Antes da tragédia, cerca de 500 meninas e meninos não iam à escola, disse Messadieu. Desde 2007, não é registrada nenhuma ação penal sob a nova legislação dominicana contra o tráfico. A lei 137-03, pela qual Washington colocou essa nação em uma lista de vigilância especial, por não “cumprir plenamente os padrões mínimos para eliminação” desse crime.
No Haiti as coisas não são diferentes. Embora o governo tenha ratificado o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em vigor desde 29 de setembro de 2003, não a homologou em leis internas.
“A cadeia penal é muito frágil. O Poder Judiciário não tem autonomia nem é confiável. Esta fragilidade da justiça beneficia os traficantes”, disse Messadieu. O único caso perseguido em solo haitiano foi o de dez missionários norte-americanos que tentaram tirar do país, após o terremoto, 33 crianças, e que foram absolvidos. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)