JAQUELINE JESUS – Psicóloga social e do trabalho, doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB)
Têm-se intensificado os questionamentos acerca da transexualidade, pautados por muita desinformação, senão por enfoque voltado ao “estranho”, mais do que ao comum e às necessidades das pessoas transexuais de ambos os sexos. Esse tipo de abordagem, felizmente, abre portas para uma discussão mais séria e humanista, tal é a proposta deste artigo.
Senti que era necessário esclarecer o que essa experiência significa, e como ela afeta tanto à pessoa transexual quanto à própria sociedade. Entendendo essas questões, podem-se evitar situações indesejáveis.
A definição mais completa, porém sintética, que posso encontrar para definir uma pessoa como transexual é a da socióloga Berenice Bento, para quem toda pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal para o gênero feminino é uma mulher transexual, enquanto aqueles que reivindicam esse reconhecimento para o masculino são homens transexuais. Por exemplo, o sexo biológico de uma mulher transexual é masculino, porém o seu gênero é feminino. A transexualidade tem mais a ver com a forma como a pessoa se percebe e quer ser percebida no dia a dia do que com o seu sexo.
Sexo é biológico, gênero é social. A grande diferença que percebemos entre homens e mulheres é construída socialmente, desde o nascimento, quando meninos e meninas são ensinados a agir de determinadas formas. Como as influências sociais não são totalmente visíveis, parece que as diferenças entre homens e mulheres são naturais, totalmente biológicas, quando parte delas é influenciada pelo convívio social.
A transexualidade é uma questão de identidade, não é uma doença mental, não é uma perversão sexual, não é uma doença debilitante ou contagiosa, não tem nada a ver com orientação sexual, como geralmente se pensa, não é uma escolha nem é um capricho. Ela é identificada ao longo de toda a história e no mundo inteiro. A novidade foi que os atuais avanços médicos permitiram que mulheres e homens transexuais pudessem adquirir uma fisiologia quase idêntica à de mulheres e homens genéticos/biológicos.
Há várias definições clínicas que descrevem a condição. Seria exaustivo citá-las. Se eu puder simplificar bastante para você, eu diria que as pessoas transexuais lidam de formas diferentes, e em diferentes graus, com o gênero ao qual se identificam. Uma parte das pessoas transexuais reconhece essa condição desde pequenas, outras tardiamente, pelas mais diferentes razões, em especial as sociais, como a repressão.
A verdade é que ninguém sabe por que alguém é transexual, apesar das várias teorias. Umas dizem que a causa é biológica, outras que é social, outras que mistura questões biológicas e sociais. O que importa é que a transexualidade não é uma benção nem uma maldição, é apenas uma condição.
Não confunda as transexuais com outros grupos, como drag queens, artistas que fazem uso de feminilidade estereotipada e exacerbada em suas apresentações; os crossdressers, homens, quase todos heterossexuais, geralmente casados, que têm satisfação emocional ou sexual em se vestirem como mulheres; ou os homossexuais. Transexuais são diferentes de gays e lésbicas, apesar de enfrentarem obstáculos semelhantes. Homossexuais se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo, não têm nenhum problema com sua identidade, ao contrário das pessoas transexuais.
Transexuais sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam e se sentem, e querem corrigir isso adequando seu corpo ao seu estado psíquico. Isso pode se dar de várias formas, desde tratamentos hormonais até procedimentos cirúrgicos.
Para a pessoa transexual, é imprescindível viver integralmente como ela é por dentro, seja na aceitação social e profissional do nome pelo qual ela se identifica, seja no uso do banheiro correspondente à sua identidade, entre outros aspectos. Isso ajuda na consolidação da sua identidade e para avaliar se ela pode fazer a cirurgia de redesignação sexual (troca do órgão genital). Algumas pessoas transexuais decidem não fazer a cirurgia.
Referindo-me às palavras da bióloga Joan Roughgarden, torço para que amadureçamos e que, um dia, o fato de uma pessoa se assumir transexual não mais seja razão de luto para ela e para a família e amigos, mas de enorme alegria, quem sabe com direito a uma festa, visto a pessoa estar se encontrando, em uma espécie de segundo nascimento.
artigo publicado em 13 de setembro de 2010 no jornal Correio Braziliense