Cristiane Segatto – revista Época
O que explica a pança que elas andam cultivando
Tenho um amigo jornalista daqueles que falam pouco e observam muito. Faz o tipo mal-humorado, mas tem um senso de humor notável. Cáustico e surpreendente. Sinto saudades do tempo em que trabalhávamos juntos no Estadão. Ria muito das bobagens que ele soltava a conta-gotas.
Há alguns meses o encontrei num domingão de manhã na escola onde a minha filha e as filhas dele fazem aula de dança. Estávamos lá cumprindo a função de pais babões numa mostra informal do que as crianças andam aprendendo nas aulas de balé clássico, jazz, hip-hop etc.
Fazia tempo que não via meu amigo, mas logo percebi que ele continua o mesmo. Enquanto as jovens professoras dançavam com as crianças, ele prestava atenção a cada detalhe. Soube, depois, que estava intrigadíssimo com o corpo das moças. Não exatamente no sentido que vocês devem estar imaginando. Na saída, perguntei o que ele tinha achado do evento. Com o poder de síntese e a franqueza de sempre, disparou:
— Nunca vi tanta bailarina pançuda.
Minha reação foi sair em defesa das professoras. Primeiro disse que dançar muitas horas por dia faz o corpo queimar uma grande quantidade de calorias. Como o organismo exige a reposição da energia gasta, a fome aumenta. Portanto, se as moças não tiverem tempo (ou dinheiro) para fazer refeições saudáveis podem exagerar nos sanduíches e acabar engordando.
Não o convenci. Por trás dos óculos dele, via o cenho franzido de quem acha que está ouvindo uma tremenda cascata. Antes que ele me esculhambasse, tentei uma segunda explicação. Disse que pessoas submetidas a uma rotina intensa de treinamento físico na infância e na adolescência (como é o caso das bailarinas) têm dificuldade de manter a forma na idade adulta. Nessa fase, gastam menos energia por duas razões: a intensidade da atividade física costuma diminuir e, além disso, o metabolismo muda.
Meu amigo continuou me encarando com o mesmo olhar de reprovação. Digamos que ele me respondeu com um “silêncio eloquente”. (Essa expressão não é genial? É obra do escritor Luís Fernando Veríssimo. Foi assim, com um silêncio eloquente, que ele diz ter conquistado a mulher.)
Quando é eloquente, o silêncio diz muito. No caso do meu amigo, o silêncio dele foi capaz de me fazer pensar no mistério das bailarinas pançudas três meses depois de nosso encontro. E cá estou eu dividindo uns pensamentos mirabolantes com vocês. É verdade que as moças de 20 (bailarinas ou não) estão mais barrigudas do que foram as mulheres das gerações anteriores?
Ontem, antes de escrever esse texto, fiz uma experiência. Nada científica — é claro. Entrei num ônibus e fiquei observando o corpo das meninas. A minha estatística (pra lá de inexpressiva, é verdade) não foi muito animadora. Das 12 moças que entraram no ônibus enquanto eu estava lá, oito (70%) tinham barrigas protuberantes. Não eram ligeiras barriguinhas. Eram panças. Das oito moças, apenas duas poderiam ser consideradas obesas. As outras seis tinham peso normal. Isso mesmo: não eram gordas, nem magras. Mas tinham uma barriga volumosa.
Na praia, há tempos observo esse padrão. As adolescentes têm pernas e braços enxutos. E uma barriga flácida que se acumula sobre a linha do biquíni. As moças de 20 desfilam com latinhas de cerveja na mão e pneus tala larga na linha da cintura.
Não pretendo, com essa coluna, estimular a anorexia ou o padrão de beleza inatingível exaltado pela mídia. Não estou fazendo um libelo a favor da magreza. Estou apenas tentando entender por que moças de peso normal (ou apenas um pouco acima do normal) andam cultivando barrigas volumosas. Alguém tem uma pista?
Se algum acadêmico constatasse que se trata de um movimento de libertação contra o padrão da barriga tanquinho, talvez essa fosse uma boa notícia. Se as meninas decidiram que bonito mesmo é o abdome das musas dos pintores renascentistas, essa pode ser uma novidade interessante. Não me parece que esse seja o caso.
Até onde minha visão alcança, as adolescentes e as jovens andam incomodadas com a barriga. Reclamam dela. Gostariam de perdê-la se isso não implicasse disciplina, organização e mudança de hábitos. É aí, no capítulo dos hábitos, que está a chave da questão.
Nos últimos 25 anos, nossos momentos de lazer foram invadidos pelo consumo de tranqueiras. Americanóides, em sua maioria. Em 1985, eu comprava pipoca para comer no cinema. Mas era um saquinho pequeno, comum, aquele de papel branco fininho. Hoje as meninas consomem baldes gigantes de pipoca amanteigada vendidos em terríveis combos que incluem litros de Coca-cola e alguma outra bugiganga que precisa ser desovada.
Quando era adolescente e saía com os amigos, comíamos pizza ou esfiha – coisas gordurosas, é verdade, mas que são assadas. Hoje a moda em alguns lugares de São Paulo é comer pastéis gigantes, com recheios de meter medo. McDonald’s não existia. Cachorro-quente era um simples sanduíche de pão, salsicha e purê de batata que podia ser incrementado com mostarda e ketchup. Hoje virou uma mistureba. Além de todos os ingredientes tradicionais contém também batata-frita e queijo provolone (frito, é claro).
Doce, bem melado, também existia na minha adolescência. Era maçã do amor, algodão doce, bolacha recheada de doce de leite. Eram coisas tão enjoativas que comíamos só de vez em quando. Hoje é difícil ir ao shopping e escapar de alguma guloseima. A moda em alguns lugares de São Paulo é se reunir nos sofazinhos confortáveis de uma rede americana de café. O lugar é aconchegante. As bebidas são bombas calóricas. São misturas de café, leite, caramelo, chantilly, acondicionadas em copos grandes. É difícil entender o prazer contido ali. Um dia desses convidei meu marido para tomar um café numa dessas lojas. Ele, que é fã de um bom e velho expresso curto bem tirado, respondeu:
— Tá brincando? Vou pegar uma fila dessas para tomar café em copo de papelão?
Pois a moçada adora. Consome aquilo várias vezes por semana. Esquece-se de que, no frio dos Estados Unidos, aquela bebida desce pela garganta como uma benção. As calorias extras são logo consumidas pelo organismo que precisa se manter aquecido. Aqui, no calor do Brasil, as calorias extras viram depósitos de gordura. Na barriga, principalmente.
Há outro fator que ajuda a explicar a pança que as meninas estão cultivando. Jovens sempre consumiram bebidas alcoólicas. Mas as jovens desta geração parecem fazer isso com mais frequência e entusiasmo. Pesquisas recentes apontam que as meninas estão bebendo mais. Não preciso dizer qual é o destino das calorias da cerveja, né?
Mais do que uma preocupação estética, essa deveria ser uma questão de saúde. OK. Sei que aos 20 anos nos preocupamos com tudo – menos com a saúde. Mas vou falar do mesmo jeito. A pior gordura que existe é aquela que se acumula na regiã
o abdominal. Ela pode dar origem ao que os médicos chamam de síndrome metabólica. Quem sofre disso costuma ter hipertensão, colesterol alto, níveis elevados de açúcar no sangue e os graves problemas decorrentes disso (como diabetes e doenças cardiovasculares).
O combate à gordura abdominal deveria começar na juventude, enquanto é mais fácil se livrar do pneu. Mulheres que têm uma pança enorme e não se esforçam para perdê-la em geral chegam aos 30, aos 40, aos 50 com um volume ainda maior na região abdominal.
Não existe fórmula mágica para perder barriga. Não inventaram nada mais eficaz do que uma alimentação equilibrada (rica em proteínas, carboidratos, frutas, legumes etc) e atividade física. Esse é outro ponto importante. Noto que a maioria das moças que têm abdomes volumosos tem também uma postura desleixada, com ombros projetados à frente.
Tenho a impressão de que tudo isso são sinais de falta de consciência corporal. As garotas não estão sendo educadas fisicamente como deveriam. Ou não estão se convencendo dos benefícios da atividade física. Quem começa a se exercitar cedo, na infância, cresce com consciência corporal. Aprende a manter o abdome contraído, a pelve encaixada, a coluna ereta, os ombros abertos. Não só na hora do exercício, mas o dia todo, a vida inteira.
Se você, menina, está incomodada com a barriga pense nisso e procure um bom professor de educação física. Como diz o meu, “eduque seu abdome”. Garanto que vale a pena. Se você está feliz com a barriguinha que anda cultivando, desculpe-me pela intromissão. Não está mais aqui quem falou.
E você? Acha que hoje as meninas de 20 têm mais barriga? Isso é bom ou ruim? Qual é a melhor forma de perdê-la?
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Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo.com.br