Susan Anyangu-Amu, da IPS
Nairóbi, Quênia, 10/9/2010 – Quando a sede, a fome, o Sol e a solidão causam agonia, criar cabras é absurdo. E “pode durar para sempre”, já que a tarefa começa “quando menina, depois como esposa, grávida, mãe e inclusive avó”, disse a queniana Rukia Ibrahim, cuja irmã de 13 anos casou com um pastor. Rukia vem de uma família nômade da Província Noroeste do Quênia, onde escasseiam os profissionais qualificados e onde, entre 1991 e 2005, apenas duas moças estudaram em universidades públicas.
Nesta província, os pais e as mães também demonstram grande apatia com a educação feminina. Mas Rukia não quer passar a vida toda cuidando de cabras. Para que ela e outras crianças do mundo tenham um futuro melhor, é preciso que os governos e as agências de assistência invistam primeiro nas crianças mais pobres e em suas comunidades.
Assim afirmam os informes mundiais apresentados no dia 7 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), indicando que dessa forma os países poderão cumprir mais rapidamente os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Os dois estudos, intitulados “Reduzir as diferenças para alcançar os objetivos” e “Progresso para a infância: alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) com igualdade”, revelaram flagrantes desigualdades entre as crianças nascidas em famílias pobres e as que são de famílias mais ricas da África subsaariana e Ásia meridional.
Os informes estabelecem que essas desigualdades atentarão contra o sucesso dos ODM, e os governos vão precisar redefinir suas prioridades de investimento, para centrar em quem mais necessita, a fim de favorecer as crianças mais pobres. Rukia é uma das que poderiam se beneficiar de tais investimentos, que a tirariam do ciclo da pobreza. Ela é beneficiária de um programa de bolsas para meninas pobres com alta capacidade intelectual.
O programa, que o Unicef e o Ministério da Educação iniciaram em 2006, pretende abordar o baixo desempenho das meninas nas escolas da Província Noroeste. Desde sua criação, admitiu 300 meninas, aumentando a quantidade das que passam do primário para o secundário. Enquanto entre 1991 e 2005 apenas duas meninas da Província Noroeste se matricularam em cursos regulares de universidades do Estado, das que prestaram os exames do ano escolar de 2009, 59% atingiram a nota C+ e superior, que é a exigida para a universidade.
Para Rukia, a oportunidade de receber educação faz uma grande diferença. Quando viu que sua irmã se casava tão jovem, teve claro como seria seu próprio destino, se não tivesse essa educação, afirmou. “A educação pode levar a um sustento melhor, assim, decidi dar o melhor de mim aos livros, para mudar meu futuro”, afirmou esta aluna da décima série.
Contudo, é preciso um compromisso mais forte dos governos para concretizar a mudança. Hellen Tombo, assessora pan-africana da Plano Internacional, uma organização que trabalha pelas crianças em 48 países em desenvolvimento, disse que na África subsaariana a falta de vontade política e a má governança conspiram contra o êxito dos ODM sobre a infância.
Estas metas, definidas em 2000 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, incluem reduzir pela metade o número de pessoas que sofrem pobreza e fome, com relação a 1990, garantir a educação primária universal, promover a igualdade de gênero e reduzir a mortalidade infantil e a materna, combater a aids, a malária e outras enfermidades, assegurar a sustentabilidade ambiental e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento. Tudo isto até 2015.
“As atitudes tradicionais, fortemente arraigadas e tendenciosas sobre a idade e o gênero, estão atrasando a emancipação de meninos, meninas e mulheres, e nossos governos não estão respondendo bem”, disse Hellen. Edward Ouma, presidente da não governamental Children’s Legal Action Network, concorda. Os governos da África subsaariana estão centrados em prioridades equivocadas, como um forte gasto em questões militares, em detrimento da saúde, educação e infraestrutura, como estradas e hospitais, afirmou.
“Os países da África subsaariana têm de investir fortemente no setor educacional, para aumentar o acesso de todas as crianças, especialmente das mais pobres. Também é necessário que invistam na redução da pobreza e apresentem iniciativas como transferências diretas de dinheiro para famílias vulneráveis”, sugeriu Edward.
Hellen, por sua vez, disse que orçamentos, planos e políticas nacionais têm de existir em função dos ODM, cujo cumprimento está atrasado, como o da saúde materna. “Precisamos de escolas amigáveis com as meninas, com entornos de aprendizagem seguros e programas sensíveis ao gênero. Países como Ruanda e Gana são muito estratégicos e priorizam o poder das mulheres e a igualdade de gênero. Ilegalizaram os casamentos infantis e implementaram a obrigatoriedade de ir à escola”, destacou.
Por exemplo, em escolas desses dois países são servidas refeições adicionais, afirmou Hellen. Também foi eliminado o custo dos uniformes e as taxas de exames. Foram criados centros educacionais especiais para crianças marginalizadas, como as escolas móveis para comunidades de pastores do norte do Quênia e de Uganda. A Etiópia também foca em seu setor de saúde, aumentando a quantidade de trabalhadores comunitários para 30 mil, disse Michael Klaus, chefe regional de comunicações do Unicef Quênia. Envolverde/IPS