Editorial – Jornal Correio Braziliense – 7/9/2010
O Brasil se vangloria de três feitos cujo saldo acena para a melhora da qualidade de vida. Um deles: a redução da pobreza. Pobres ficaram menos pobres, o que engrossou a classe média. Outro: a diminuição da distância que separa o topo e a base da pirâmide social. Por fim, mas não menos importante, a queda da mortalidade infantil. São fatos alvissareiros que contrastam com os índices dos óbitos maternos. Apesar da ampliação do acesso a bens e serviços básicos, mulheres perdem a vida como na Idade Média — em decorrência da gravidez.
Dados do Ministério da Saúde revelam a dimensão do drama. Por ano, nada menos de 1,5 mil brasileiras morrem em razão de complicações anteriores ou posteriores ao parto. Há 14 anos, o governo não consegue estancar a mortalidade materna, apesar do compromisso assumido com a ONU. A meta estabelecida com a organização é reduzir em três quartos a razão da mortalidade materna até 2015 — proporção entre óbitos e 100 mil nascidos vivos. Em 1990, o número era 140. Em 2007, 75. Daqui a cinco anos, deve chegar a 35.
Setores do governo e da ONU consideram pouco provável que consigamos atingir o objetivo proposto. Há 13 anos, o Brasil mantém a média — 1.500 óbitos anuais. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) considera tolerável a taxa de 20 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos — quatro vezes menor que a nossa. Pior: profissionais da saúde afirmam que de 90% a 98% das mortes poderiam ter sido evitadas. Não o foram. As razões que levaram à tragédia têm um denominador comum. É atraso, que rima com descaso.
Países desenvolvidos apresentam nível baixo de mortalidade materna — 12 mortes por 100 mil nascidos vivos. Lá, investe-se maciçamente na prevenção. A elevação dos níveis socioeconômicos veio acompanhada de avanços na assistência obstétrica e anestesiológica, no diagnóstico precoce, no uso de remédios adequados. Aqui, nem os números são confiáveis.
As estatísticas oficiais, baseadas em atestados de óbito, longe estão de refletir a realidade. As autoridades ignoram a abrangência da subnotificação. Mas estimam que as cifras são vergonhosas. Impõe-se melhorar os indicadores. A receita passa, necessariamente, pela qualidade e abrangência da assistência obstétrica e neonatal oferecidas à população.