Do G1 SP
JUDICIÁRIO MACHISTA – Defensor da família de Sandra, morta em 2000, prevê solução neste ano. Procurados pelo G1, advogados do jornalista, que está livre, não falam.
Pimenta Neves (Foto: Reprodução/ TV Globo)
Uma década depois da morte de Sandra Gomide, a decisão sobre o destino do jornalista Marco Antônio Pimenta Neves, de 72 anos, ainda depende de dois recursos que tramitam no Supremo Tribunal Federal. A assessoria do tribunal informa que não há prazo para a análise dos processos, distribuídos para o ministro Celso de Mello. Em entrevista ao G1, o advogado da família da vítima, Sergei Cobra Arbex, diz, no entanto, que o processo está próximo do fim e deve ser decidido neste ano.
Com base na idade avançada dos pais de Sandra Gomide, João Florentino Gomide, de 71 anos, e Leonilda Paziam Gomide, de 72 anos, Arbex invocou a Lei do Idoso para garantir tramitação mais rápida para o processo. O G1 contatou o escritório da advogada de Pimenta Neves, Maria José da Costa Ferreira, mas ela não ligou de volta.
“Agora que estamos chegando à fase final, não podemos nos contaminar com visão pessimista. Embora o caso tenha demorado muito, avizinha-se a definição, porque está no último recurso. Vai se esgotar qualquer tipo de resignação dele (Pimenta Neves) e ele vai ter de começar a cumprir a pena. Estou confiante de que isso vai se resolver neste ano ainda. Só não se resolveu porque demorou muito a análise de outros recursos que ele teve”, afirma Arbex.
O advogado diz que, embora Pimenta Neves tenha idade avançada também, isso não o livra da prisão caso o STF entenda que as decisões anteriores não afrontaram a Constituição. “Não existe nada na lei que impeça a pessoa de cumprir a pena em razão da idade. Não existe nenhuma benevolência do legislador. Caso ele tivesse de ser julgado de novo e tivesse o juri, aí contaria uma prescrição que poderia beneficiá-lo. Para cumprir a pena, que eu tenho certeza que vai acontecer, a idade não importa.”
Como Pimenta tem mais de 70 anos, a Justiça brasileira poderia abrir mão de puní-lo em dez anos. Levando em conta que a decisão de levá-lo a julgamento pelo crime ocorreu em 2002, o crime prescreveria em 2012.
“Se tudo fosse anulado pelo STF, o que não vai acontecer em hipótese alguma, ele teria de ser julgado de novo e em tese estaria prescrito em 2012 esse processo”, diz Arbex. O advogado da família Gomide afirma que tem certeza que o crime não ficará impune. “Ficar livre da prisão é impossível. Só se o processo não acabar. Mas esses recursos são os últimos.”
Embora atue neste caso do lado da acusação, Arbex defende ardentemente o direito que todos os cidadãos têm de recorrer. Para ele, o problema está na gestão da Justiça e isso tem melhorado nos últimos anos.
“Excesso de recursos é uma expressão ventilada por setores do Judiciário, uma maneira paliativa de demonstrar um diagnóstico errado. Não são os recursos que atravancam a Justiça. Isso eu posso te afirmar e posso provar. Neste processo, de 2000 a 2006, não aconteceu nada a não ser um recurso da defesa de Pimenta Neves questionando o júri. E foram seis anos desperdiçados para julgar um recurso. Demorou o dele, porque demoram todos os recursos, porque a gestão da Justiça é deficiente.”
Os pais de Sandra Gomide também buscam indenização por danos morais contra Pimenta Neves. O processo começou um mês depois da morte da jornalista. O réu foi condenado na primeira instância a pagar cerca de R$ 140 mil para os pais da jornalista. Pimenta recorreu e a família Gomide também, aumentando o valor da causa para R$ 300 mil.
O processo tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo. Assim como Arbex fez na área criminal, o advogado da família na área cível, Fábio Barbalho Leite, invocou a Lei do Idoso para pedir agilidade na tramitação. Segundo Leite, a condenação em segunda instância deve bastar para que a Justiça determine o início da execução da pena. “O tempo está beneficiando o réu. A demora milita em favor da injustiça”, afirma. O advogado de Pimenta Neves na área cível, José Alves de Brito Filho, orientou sua secretária a dizer que não se manifestará sobre o assunto.
Histórico
O então diretor de redação de “O Estado de S.Paulo” matou Sandra Gomide, editora de economia do mesmo jornal, com dois tiros, em 20 de agosto de 2000, no Haras Setti, em Ibiúna, a 64 km de São Paulo. Ele tinha 63 anos e ela, 32. Os dois haviam rompido o namoro de quatro anos poucas semanas antes, quando Sandra confessou estar apaixonada por outra pessoa.
Em maio de 2006, Pimenta foi considerado culpado e condenado a 19 anos, dois meses e 12 dias de prisão pelo crime. Em dezembro do mesmo ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reduziu a pena do jornalista para 18 anos de prisão, mas rejeitou o recurso da defesa e determinou que fosse expedido um mandado de prisão contra ele. Agora, outros recursos impetrados precisam ser julgados.
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Dez anos após crime, lei garante liberdade de Pimenta Neves; compare com outros casos
Rosanne D’Agostino
Do UOL Notícias
Em
São Paulo
- PENA MENOR: STJ reduz pena do jornalista Pimenta Neves de 18 para 15 anos
- LIVRE: STJ confirma liminar que garantiu liberdade a Pimenta Neves
- FORAGIDO: Com prisão decretada, Pimenta Neves já é considerado foragido pela polícia
- JÚRI: Pimenta Neves é condenado a 19 anos de prisão, mas vai apelar em liberdade
Há exatos dez anos, a jornalista Sandra Gomide era assassinada pelo ex-namorado Antonio Marcos Pimenta Neves, então diretor de redação do jornal “O Estado de S.Paulo”. Com o autor do crime ainda em liberdade, mesmo condenado por um júri popular a quase 20 anos de prisão, e com a sentença mantida em segunda instância, o caso tornou-se um emblema da impunidade no Brasil (Veja quadro comparativo ao final da reportagem).
No dia 20 de agosto de 2000, Gomide morreu em um haras em Ibiúna (64 km a oeste de São Paulo), com dois tiros –um próximo ao ouvido, outro nas costas. Cinco anos, oito meses e 15 dias depois, o pai da vítima carregava as sequelas do que chamou de impunidade. Mancando e com a saúde debilitada, João Gomide ouviu a sentença contra o jornalista, que já respondia em liberdade pelo crime.
O que você acha de Pimenta Neves ainda estar solto?
Em 5 de maio de 2006, após mais de 34 horas de julgamento realizado no Tribunal do Júri de Ibiúna, Pimenta Neves foi condenado por homicídio duplamente qualificado, por dois agravantes: a motivação fútil para o crime, praticado por vingança, e a impossibilidade de defesa da vítima. Teve o carro apedrejado pelos que aguardavam sua saída do fórum, aos gritos de “assassino”. Até ali, tinha ficado sete meses preso pelo crime que confessara. Voltou para casa.
“Não existe mais Justiça. Que esse juiz não passe o que eu passei. Ele podia ter decretado a prisão, mas não quis. Só porque ele [Pimenta] tem dinheiro e eu não tenho?”, disse João Gomide, com o nariz pintado em batom vermelho, simbolizando um palhaço.
“Presunção de inocência”
A decisão que manteve Pimenta em liberdade foi proferida em 2001, pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal). Garantiu a ele o direito constitucional de todo cidadão, o de permanecer livre até o trânsito em julgado do processo (quando não há mais recursos possíveis).
Em dezembro de 2006, a 10ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), ao julgar a apelação contra o júri, voltou a decretar a prisão. Diminuiu a pena total (de 19 anos, dois meses e 12 dias de prisão, para 18 anos), mas entendeu que, como condenado por duas instâncias, o jornalista deveria passar a cumprir a pena em reclusão.
Pimenta não se entregou, e entrou para a lista dos procurados pela Polícia Civil. Três dias depois, garantiu no STJ (Superior Tribunal de Justiça) liminar para continuar solto. Desde então, a defesa tenta anular o julgamento. Conseguiu nova vitória no STJ em setembro de 2008, reduzindo a pena para 15 anos.
Hoje, no STF, os advo
gados aguardam decisão para tentar com que o júri popular seja refeito. Se conseguir, Pimenta Neves, com mais de 70 anos e praticamente protegido pela prescrição do processo que se avizinha, em 2012, nunca deve cumprir a pena pela qual foi condenado.
Grandes casos: como a Justiça aplicou o princípio da presunção de inocência
Réus | Situação atual | Confesso? | Obteve liberdade no decorrer do processo? |
Suzane von Richthofen – Condenada a mais de 39 anos pela morte dos pais, crime de outubro de 2002. Ré presa, com condenação em 1ª e 2ª instância | Sim | Sim, em 2005 no STJ, por demora no júri popular. Em 2006, é presa novamente após entrevista ao “Fantástico”. Obtém liberdade provisória no STJ, cassada dias antes de seu júri popular. Depois, permanece presa. Na apelação, consegue redução de pena. Em 2010, tem pedido de semiaberto negado pelo Supremo | |
Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni – Condenados pela morte de Isabella Nardoni, cinco anos, crime de março de 2008. Réus presos, com condenação em 1ª instância | Não | Sim, antes do júri popular que os condenou foram soltos por falta de provas. Desde a condenação, aguardam apelação presos | |
Lindemberg Alves – réu pela morte e cárcere privado de Eloá Cristina Pimentel, crime de outubro de 2008. Réu preso sem condenação | Flagrante | Não. Permanece preso aguardando decisão sobre se vai a júri popular | |
Bruno Souza – ex-goleiro réu pela morte, cárcere privado e ocultação de cadáver da ex-namorada Eliza Samudio, crime de junho de 2010. Réu preso sem condenação | Não | Não. Teve mais de um habeas corpus negado | |
Mizael Bispo de Souza – réu pela morte da ex-namorada Mércia Nakashima, crime de maio de 2010. Réu solto sem condenação | Não | Sim. Obteve dois habeas corpus na Justiça paulista para responder em liberdade | |
Antonio Marcos Pimenta Neves – condenado pela morte da ex-namorada Sandra Gomide, crime de agosto de 2000. Réu solto com condenações em 1ª e 2ª instância | Sim | Sim. Permanece em liberdade desde 2001 por decisão do STF, respeitada pelas instâncias inferiores. Teve a prisão decretada em sua apelação, revogada três dias depois pelo STJ |