Kit Gillet, da IPS
Pequim, China, 10/8/2010 – A China está longe de reconhecer os direitos das prostitutas, mas a decisão do governo de proibir que sejam humilhadas em público pela polícia mostra uma mudança de atitude. A decisão do Ministério da Segurança Pública, tomada no dia 27 de julho, significou uma alteração do costume de obrigar supostos delinquentes a desfilar, prática habitual neste país há anos. Os contrarrevolucionários eram obrigados a desfilar na época da Revolução Cultural, nas décadas de 60 a 80 do Século 20.
“Há quem aprove isso, não entendo”, disse He Weifang, professor de direito da Universidade de Pequim. “Por sorte, o governo não a manteve apenas para atender umas poucas pessoas. Com a humilhação só se consegue impedir que tenham uma vida normal, embora queiram”, afirmou. Nos últimos anos, surgiu uma reação violenta contra a medida porque a polícia permitiu que fossem fotografadas por jornalistas e as imagens envergonhando-as divulgadas ao público. O limite do tolerável para muitos chineses foi quando duas prostitutas, detidas em julho na cidade de Dongguan, foram obrigadas a desfilar descalças, algemadas e com uma corda ao redor da cintura em plena luz do dia, e fotografadas.
Milhares de mensagens na Internet denunciaram a situação. O policial que participou do caso foi suspenso por um mês. “São seres humanos. O que aconteceu com o respeito? O que resta dos direitos humanos?”, escreveu uma pessoa em um fórum na Internet, onde os chineses costumam se expressar com maior liberdade. “Não é bom manter isso. É preciso legalizar seu trabalho ou o governo arrumar outro para elas”, disse outra pessoa.
Após o episódio, o Ministério da Segurança Pública proibiu a prática e pediu à polícia para agir de “forma racional, tranquila e civilizada”. A prostituição é ilegal na China. As adultas estão obrigadas a pagar multa de US$ 740 e ficar 15 dias na prisão. Após várias passagens, devem fazer dois anos de reeducação pelo trabalho, explicou Gao Fuguo, advogado de direitos humanos em Shandong. “É costume serem agredidas na prisão”, afirmou.
Não há dados oficiais quanto ao número de prostitutas detidas por ano. Cerca de 1.100 suspeitas foram presas em Pequim em maio. O incidente em Dongguan e a resposta popular abriram espaço para a discussão sobre como abordar o assunto. Muitos reclamaram um enfoque social, não penal. Uma semana depois da proibição dos desfiles humilhantes, e talvez animadas por ela, numerosas mulheres saíram às ruas de Dongguan colhendo assinaturas para pedir a revogação das leis contra a prostituição.
“Não havia pensado em fazer uma reclamação especial. Só esperava que no contexto atual os direitos e interesses de nossas irmãs fossem melhor protegidos”, disse a fundadora do Painel para os Direitos das Mulheres, Ye Haiyan, à rede internacional Global Voices Online. “Mas a ofensiva deste ano é insensata e se superou”, acrescentou Ye, detida por organizar os protestos e logo libertada. “Todos os dias, prostitutas são criminalizadas nos noticiários. Quando veem a câmera cobrem o rosto enquanto são humilhadas”, acrescentou.
Às vezes também têm seus nomes, e de seus clientes, publicados. Na delegacia da cidade de Wuhan foi divulgada uma lista em junho. “Não é apropriado divulgar o nome das prostituas e pedimos à polícia que não publique informação desse tipo”, disse um funcionário local identificado pelo Diário do Povo como Senhor Wei. Mas não é ilegal, ressaltou.
“Claro que é ilegal”, disse Gao. “Os cidadãos estão protegidos pela lei. Não podemos tratar os suspeitos como animais. Vamos retroceder. Os direitos humanos básicos são pisoteados”, acrescentou. “As mulheres têm muitas razões para se prostituir. São pobres e costumam ter filhos para alimentar em suas aldeias”, disse Gao. “Como será possível atacar a raiz do problema com a humilhação? Vão continuar sem dinheiro quando soltas, e pior, podem ter perdido a última gota de autoestima que lhes restava”, acrescentou. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)