Nicholas D. Kristof – O Estado de S.Paulo
THE NEW YORK TIMES (4/8/2010)
Medicamento para prevenir úlceras pode ser usado para aborto médico com menos riscos para as mulheres
Será que o impasse global sobre o aborto, que dura décadas, poderá ser encerrado graças a pequenas pílulas brancas que custam menos de US$ 1 cada uma? Talvez sim, porque essas pílulas já começaram a revolucionar o aborto em todo o mundo, principalmente nos países pobres, permitindo salvar a vida de dezenas de milhares de mulheres a cada ano.
Cerca de 80% dos abortos ocorre nos países em desenvolvimento, onde a falta de uma esterilização adequada torna o procedimento muito perigoso. Segundo a Organização Mundial da Saúde, morrem anualmente cerca de 70 mil mulheres em consequência de complicações.
Pesquisadores, porém, estão encontrando uma alternativa segura e barata que dificilmente os governos poderão restringir – o misoprostol, um medicamento originalmente prescrito para prevenir úlceras do estômago.
Estou me sentindo como as pessoas devem ter se sentido quando descobriram a bomba nuclear, afirmou a doutora Beverly Winikoff, presidente da Gynuity Health Projects, uma instituição de pesquisa sem fins lucrativos para a saúde da reprodução. A estratégia farmacológica é chamada aborto médico. Nos EUA e na Europa, ela consiste basicamente na ingestão de duas pílulas M. A primeira é o mifepristone, anteriormente conhecido como RU-486, e a segunda, um dia ou dois mais tarde, o misoprostol.
A utilização destes produtos combinados produz o aborto em mais de 95% dos casos, no início da gestação. Mas o mifepristone é difícil de obter em grande parte do mundo, porque é usado somente para induzir abortos. No entanto, o misoprostol é de amplo acesso e não poderá ser facilmente proibido porque é usado também contra úlceras. Segundo os pesquisadores, o uso do misoprostol sozinho fará sua eficácia cair para 80 a 85%.
O aborto médico representa uma revolução para a saúde reprodutiva das mulheres, disse Dana Hovig, da Marie Stopes International, um grupo de ajuda que oferece serviços de saúde da reprodução em 43 países em todo o mundo. Salva a vida de mulheres e tem um enorme potencial para permitir a realização de abortos seguros a um custo mínimo.
O aborto médico por este processo não se distingue do espontâneo. Isto é importante para as mulheres nos países nos quais correm o risco de ser presas se procurarem a ajuda de um hospital depois de um aborto mal feito. Um risco mais grave é a suspeita de que o misoprostol cause malformações, talvez em 1% dos nascimentos, mas somente se falhar e a gravidez continuar até o fim.
Não se sabe ao certo até que ponto da gravidez o aborto médico é viável. De certa forma, parece funcionar desde o primeiro dia da gravidez até o final, afirmou a dra. Beverly, mas a eficácia e a segurança dos abortos praticados em estágios mais avançados ainda precisam ser investigadas.
O Brasil e alguns outros países tentaram restringir a venda do misoprostol por sua utilização como abortivo. Enquanto a novidade espalha-se entre as mulheres de todo o mundo, é difícil saber se os políticos conseguirão frear esta revolução ginecológica. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
É COLUNISTA E GANHADOR DE DOIS PRÊMIOS PULITZER
fonte: CCR (www.ccr.org.br)