Letícia Sorg – revista ÉPOCA
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assumiu o cargo pressionado a retirar o mais rápido possível as tropas do país do Afeganistão e do Iraque – e acabar com as mortes de militares americanos. Os documentos sigilosos revelados pelo site Wikileaks dão outras razões para os EUA baterem em retirada: evitar novas ações militares desastrosas, com vítimas civis, e, claro, os escândalos e a crítica internacional.
Na edição desta semana, porém, a revista Time defende que os Estados Unidos mantenham sua presença no Afeganistão. Se as tropas americanas saírem, as mulheres do país podem sofrer – ainda mais.
Para defender sua posição, a revista publica, em sua capa, uma foto chocante da afegã Aisha, de 18 anos. O Talibã extirpou o nariz e as orelhas da jovem como punição à sua tentativa de fugir de casa, de uma família que a maltratava. Aisha quer que todos vejam os possíveis efeitos da volta do Talibã ao poder.
A reportagem, escrita por Aryn Baker, mostra o avanço dos direitos das mulheres no Afeganistão depois da entrada dos Estados Unidos e o medo delas de perder esse espaço que, embora precário, é um progresso em relação aos tempos anteriores.
Richard Stengel, diretor de redação da Time, diz que ponderou antes de colocar a imagem na capa e pede desculpa aos leitores que a considerarem forte demais. “Mas coisas ruins acontecem com as pessoas, e é parte do nosso trabalho confrontar essa realidade e explicá-la. No fim, senti que essa imagem é uma janela para a realidade, para algo que está acontecendo – e que pode acontecer – em uma guerra que nos afeta. Eu preferi confrontar os leitores com o tratamento do Talibã às mulheres a ignorá-lo”, escreve Stengel no editorial que apresenta a capa.
Stengel também revela que temia pela segurança de Aisha, que ousou denunciar a repressão às mulheres no Afeganistão. Desde a publicação da revista, a jovem está em um lugar sigiloso, com escolta armada, paga pela ONG Mulheres pelas Mulheres Afegãs.
Em breve, Aisha se submeterá a uma cirurgia para a reconstrução de seu rosto. Espera-se, porém, que a imagem de sua face mutilada ajude a proteger outras mulheres do horror.
A Time divulga, em vídeo, a sessão de fotos com Aisha
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A jornalista e escritora americana Masha Hamilton tem na literatura uma de suas maiores paixões. Em meio ao trabalho como escritora de livros como 31 hours e The Camel BookMobile e como correspondente da agência de notícias Associated Press no Oriente Médio e na Rússia, ela atuou em dois projetos cujo foco é a literatura.
O primeiro é o Camel Book Drive (algo como Biblioteca Ambulante de Camelo). Em fevereiro de 2006, enquanto escrevia um livro sobre as pessoas que levam, de camelo, livros à população do Quênia, ela iniciou uma campanha de doações que fez chegar quase 7 mil livros para os responsáveis pelo projeto. Em maio de 2009, Masha apostou em uma iniciativa própria, o Projeto de Literatura de Mulheres Afegãs (AWWP, na sigla em inglês) – leia a reportagem A voz das afegãs.
O AWWP começou como um programa de dez semanas, mas devido ao interesse das mulheres afegãs, Masha recrutou outras escritoras, jornalistas e professoras para realizar workshops com as interessadas. O projeto cresceu e hoje é uma das poucas formas que as mulheres afegãs têm para se comunicar com o resto do mundo – leia a tradução de alguns textos publicados no site.
Em entrevista a ÉPOCA, Masha fala sobre o projeto e sobre a situação das mulheres no Afeganistão ocupado e sobre as perspectivas que elas têm após o fim da ocupação liderada pelos Estados Unidos.
ojeto?
Masha Hamilton – A ideia original nasceu em 1999, quando vi um vídeo divulgado pela agência de notícias Associated Press que mostrava uma mulher de burca ajoelhada em um campo de futebol em Cabul, sendo executada com três tiros de fuzil AK-47 na cabeça. Quando tentei ler mais sobre sua história, muito pouca coisa estava disponível. Entendi a partir disso que as vozes das mulheres estavam sendo silenciadas. Elas não estavam apenas sendo escondidas atrás das burcas, mas suas histórias não estavam sendo contadas. Depois, suas histórias passaram a ser contadas por homens, ou pela mídia, mas não diretamente por elas.
Masha – Eu estive em Cabul duas vezes e conheci pessoalmente muitas dessas mulheres. Outras eram amigas de amigas e comecei a ensiná-las a escrever sozinha, por meio de aulas online por cerca de dez semanas. Mas o interesse delas era muito grande, elas queriam continuar e foi assim que eu comecei a pedir a ajuda de outras pessoas.
Masha – As dificuldades aparecem em muitos dos textos. Uma das escritoras mora em uma província controlada pelo Talibã e precisa andar quatro horas por áreas controladas por eles para conseguir uma conexão com a internet. Nós demos a ela um laptop para escrever seus poemas e textos, mas a conexão fica muito longe. Ela conta com a ajuda do irmão, que faz a caminhada de quatro horas a seu lado. Geralmente ela fica na casa de uma amiga, passa a noite lá e volta para casa no outro dia.
Masha – O Afeganistão está mudando neste momento, e a vida das mulheres está ficando mais difícil. Nos últimos meses temos visto que o norte do país está caindo sob controle do Talibã. Mesmo em Cabul, onde há uma liberdade relativa, as mulheres geralmente não podem entrar em cafés com internet.
Masha – É indiscutivelmente um dos piores lugares para ser mulher hoje em dia.
Masha – O que eu acho não é tão importante, mas sim o que elas pensam sobre isso. E nos textos é possível ver que há grandes preocupações. Enquanto talvez, talvez eu repito, nós possamos falar sobre um Talibã moderado politicamente com o qual os Estados Unidos ou o governo Karzai possa negociar, essas mulheres não sentem que haverá um Talibã moderado que vai preservar seus direitos de estudar, trabalhar ou mesmo de sair de casa para ir ao médico.
Masha – Essa preocupação também aparece nos textos que elas escrevem. Há uma carta para o presidente [dos Estados Unidos, Barack] Obama pedindo que as tropas deixem o país, mas que um sistema educacional seja montado. Algum sistema que permita que as mulheres e homens sejam educados e que permita que a população afegã mude sua própria sociedade de uma forma que vai preservar seus direitos e sua fidelidade ao Islã. O que se ouve delas é que mudanças impostas por estrangeiros não serão nem efetivas nem apreciadas pela população.
Após nove anos de ocupação do Afeganistão pelos Estados Unidos e seus aliados, o fim do grupo radical islâmico Talibã não parece mais uma opção factível. Há um consenso entre os líderes da coalizão de que a administração americana e o presidente afegão, Hamid Karzai, terão que fazer acordos com os membros mais moderados da facção para estabilizar o país a ponto de permitir o fim da ocupação. A opção pela negociação é elogiada por analistas e generais, mas é encarada com enorme ceticismo por organizações ligadas aos direitos humanos e, principalmente, pelas mulheres afegãs. Se o grupo radical ganhar espaço político e influência oficial nos rumos do país, as poucas liberdades que as mulheres conseguiram conquistar nos últimos anos estarão em perigo.
Em quase todos os períodos da história do Afeganistão, antiga ou recente, as mulheres foram as mais afetadas pelas tragédias vividas pelo país. O governo progressista de Mohammad Daoud Khan (1973-78) foi um dos poucos no qual houve melhorias. Com ele no poder, as mulheres das maiores cidades começaram a entrar no mercado de trabalho e a desfrutar de algumas liberdades. O governo comunista que depôs Khan (em 1978) reprimia comportamentos e rituais tribais e também melhorou a situação das mulheres, tornando compulsória a educação feminina, proibindo casamentos de menores de 16 anos e abolindo o pagamento por noivas. As mulheres ganharam importância como médicas, professoras e até na política, mas a emancipação feminina parou por aí.
Durante os dez anos de ocupação soviética (1979-89), algumas conseguiram manter seus status, mas a chegada ao poder dos mujahedin (“guerreiros santos”) e, depois, do Talibã (1996-2001), colocou fim a qualquer chance de as mulheres terem algum protagonismo na história do Afeganistão. O regime draconiano do Talibã proibiu que as mulheres estudassem e trabalhassem, deixando a prostituição e a mendicância como única alternativa para muitas médicas e professoras. Só após a chegada ao poder do atual presidente, Hamid Karzai (2004), as mulheres conseguiram reiniciar a busca por direitos iguais. Este processo, no entanto, ainda é incipiente. Ao mesmo tempo que é possível ver mulheres na política e no Exército afegão – ainda que lutando contra o preconceito – há garotas sendo atacadas com ácido apenas por insistirem em frequentar uma escola. Outras são mutiladas, como Bibi Aisha, que estampa a já histórica capa da revista Time (imagens fortes) que chegou às bancas dos Estados Unidos na quinta-feira (28). Atos bárbaros como esse, perpetrados pelo Talibã, fazem com que aumente a preocupação com os direitos das mulheres à medida que o governo afegão faz esforços para negociar a paz com indíviduos moderados do grupo.
A palavra de ONGs como Human Rights Watch e Women for Afghan Women é vastamente reproduzida pela mídia. As mulheres afegãs, no entanto, têm pouquíssimas possibilidades de se fazerem ouvir pelo resto do mundo. Uma iniciativa que tem ajudado a modificar esse quadro é o Projeto de Literatura de Mulheres Afegãs (AWWP, na sigla em inglês), fundado pela escritora americana Masha Hamilton em 2009. O AWWP reúne cerca de 45 afegãs, que participam de workshops online ministrados por Masha e outras escritoras, além de poetisas, jornalistas e professoras voluntárias. O contato se dá por meio de conexões seguras na internet, e novas participantes só chegam ao projeto se forem chamadas por amigas que já recebem orientação ou por membros do AWWP que estão no Afeganistão. Os cuidados são necessários para evitar a publicidade excessiva do programa em uma sociedade na qual a subserviência da mulher é parte central do ideário coletivo.
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O preconceito é uma das grandes barreiras que as escritoras do AWWP precisam superar para divulgar as histórias de seu cotidiano. “Escrevo em Farah, um província no oeste do Afeganistão com um baixo nível de educação, e muitos homens não gostam que eu escreva e não entendem por que eu faço isso”, escreveu no site uma mulher identificada apenas como Seeta. “Eles tentaram me fazer parar, mas eu nunca desisto”, diz. Tabasom, que também não usa seu sobrenome, caminha quatro horas até uma cidade grande para conseguir uma conexão com a internet. Ela recebeu um laptop do AWWP e conta com a ajuda do irmão, que caminha com ela sempre que Tabasom deseja publicar textos no site. Se andasse sozinha, ela provavelmente seria castigada pelo Talibã, que ainda controla a província em que ela mora e não permite que uma mulher saia sem a companhia de um homem.
O domínio que o Talibã tem nas duas maiores províncias do sul do Afeganistão – Helmand e Kandahar – é conhecido, mas nos últimos meses pelo menos oito províncias do norte do país estão sob pesado ataque de insurgentes. Na quarta-feira da semana passada (21), insurgentes tomaram um posto policial no distrito de Dahne Ghore, na província de Baghlan, e decapitaram seis policiais. A simples aproximação de integrantes do Talibã das cidades tem feito com que as mulheres das províncias do norte, antes a região mais segura do país, passem a usar a burca com mais frequência. É com os membros moderados deste grupo que os Estados Unidos e o governo do Afeganistão pretendem negociar. “Essas mulheres não sentem que haverá um Talibã moderado que vai preservar seus direitos de estudar, trabalhar ou mesmo de sair de casa para ir ao médico”, disse Masha Hamilton a ÉPOCA (confira a entrevista íntegra).
No site da AWWP, um dos depoimentos mais significativos é intitulado “Caro presidente Obama”. No texto, uma afegã chamada Shogofa faz um apelo para o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. “Aqui todos pensam em política, mas ninguém pensa na vida humana”, diz ela. Shogofa, em um t
exto que é também um protesto contra a ocupação americana – ainda mais exposta pelos escandalosos documentos divulgados pelo site Wikileaks nesta semana – segue dizendo que o Afeganistão está cansado de guerra e não precisa de armas, mas sim de educação. “Em vez de mandar um exército para matar, envie professores. Mostre ao meu povo como trabalhar unido”, diz.
O desafio dos Estados Unidos, e do resto do mundo, é gigantesco. É preciso conter as pressões para tirar as tropas do Afeganistão, e ao mesmo tempo, fazer florescer no país uma sociedade que não transforme o Afeganistão, novamente, em um buraco negro dos direitos humanos, principalmente das mulheres. Por enquanto, o país claramente não está pronto para ser abandonado. A explicação está nas palavras de Roya, uma das escritoras afegãs do AWWP. “A democracia é uma noiva azarada no nosso país, porque não há bons exemplos. É nossa amiga estranha, pois não sabemos o que ela é de verdade”.
O Projeto de Literatura de Mulheres Afegãs (AWWP, na sigla em inglês) é uma iniciativa da escritora americana Masha Hamilton. Com a ajuda de jornalistas, poetisas, professoras e outras escritoras, ela realiza workshops na internet com um grupo de cerca de 45 mulheres afegãs e publica seus textos no site oficial do AWWP. É uma forma de fazer uma ligação direta entre essas mulheres, que vivem em uma cultura opressiva, e o resto do mundo.
Confira abaixo a tradução de alguns textos e de um poema publicados recentemente no site:
A vida em uma província dominada pelo Talibã
Texto anônimo, publicado em 19 de julho de 2010
“Você diz que quer me ajudar, mas estou vivendo em uma situação na qual você não pode me ajudar. Toda a minha província está cheia de Talibãs. Dois dias atrás, dois irmãos foram mortos porque o Talibã disse que eles trabalhavam com o governo. Eles eram nossos parentes. Um tinha duas crianças e o outro deixou uma mulher grávida. Ninguém pode falar, todos os homens têm barba.
Os casamentos são silenciosos porque ninguém pode tocar música. Eu vou para o meu escritório, e adoro trabalhar todo dia, mas quando a segurança não está boa, meu pai me xinga e diz para eu não ir. Minha mãe odeia minha profissão. Apenas meu irmão apoia meu trabalho, mas ele não está conosco. O Talibã avisou meu irmão para não vir mais para cá e ele não pode ousar fazer isso. Quando ele vem para casa, é tarde da noite, e é difícil.
Você diz que quer me ajudar, mas eu digo que você não pode me ajudar. Eu venho a Kabul para usar a internet, mas minha família não gosta que eu venha. Eu adoraria fazer uma faculdade, mas minha família não concorda.
Eu vejo que as vacas podem sair de casa, mas eu sou uma menina e não posso sair. Se eu for, os Talibãs vão me matar, e ninguém vai perguntar a razão”.
Sorvete: a senha secreta
Trecho de texto publicado por Roya, em maio de 2010
O momento mais difícil para eu tomar sorvete foi durante o governo do Talibã. Havia lojas que vendiam o sorvete, mas apenas para os homens. Meu gentil pai comprava sorvete para mim e trazia para casa de bicicleta. Muitas vezes o sorvete chegava apenas como água, derretido por causa do calor. Ele ficava com dó de mim. Até que um dia ele disse: “filha, coloque sua burca e venha comigo”. Foi estranho para mim. Por cinco anos, eu só podia sair de casa para casamentos ou quando estava doente, para ir ao médico. Se não tivesse esses motivos, eu temia que membros do Talibã me agredissem.
Eu fiquei pensando onde estávamos indo. Eu achei que meu pai iria comprar artigos em uma papelaria para mim, ou um vestido. Quando chegamos à loja de sorvete, ele riu e me disse. “Filha, eu sou seu segurança. Aqui você pode tomar seu sorvete”. Era uma loja pequena com cortinas cor de laranja e uma máquina de sorvete controlada por um garoto com uma longa barba, um turbante, mãos e unhas imundas e nariz vermelho. Parecia que ele estava resfriado e eu conseguia ouvir o barulho de seu nariz entupido.
Quando olhei para suas mãos sujas, fiquei com medo, mas não podia dizer não para o sorvete. Não consigo esquecer o momento em que disse ao garoto em voz baixa: “um sorvete, por favor”. Ele pareceu surpreso. Eu tentei comer embaixo da minha burca, mas era difícil. Minhas mãos estavam ocupadas, estava muito calor, a maior parte do sorvete caiu na burca e tinha gosto de pano com leite, açúcar e seja lá qual fosse o vírus que o garoto tinha. Eu olhei para o meu pai e ele estava rindo. Ele era meu guardião, para evitar que eu fosse flagrada tomando o sorvete, e disse. “Não se preocupe, não se preocupe, apenas coma seu sorvete. Eu tinha 15 anos na época, mas vestindo a burca parecia ter 96. Em todos aqueles dias duros e amedrontadores do período Talibã, eu quebrei a lei apenas uma vez. E foi divertido! Depois disso, sempre que eu estava triste ou brava, meu pai sabia a senha para me fazer sorrir. Ele dizia: “Roya, Aqui está seu sorvete”.
Alguém me disse
Por Shogofa, publicado em julho de 2010
Eu serei sua sombra quando estiver sozinha.
Eu serei o seu navio, quando descer, no profundo
rio de dor.
Eu serei o seu sorriso quando estiver triste.
Eu serei suas lágrimas quando chorar.
Eu serei suas asas quando quiser voar.
Eu vou segurar sua mão quando você precisa correr,
ser a caneta quando você quiser escrever,
e as nuvens que a alimentam com a chuva.
Eu estarei com você,
sempre que você estiver sozinha,
no momento em que você precisa falar,
quando desejar
apenas ficar comigo.
Eu ouço de tudo isso,
meu coração.
Mas ninguém está aqui.
Eu estarei com você quando você precisar de mim.
Sou seu amigo, eu sou a tua alma.
Você é a melhor amiga de si mesma.
Não me cumprimente, por favor!
Publicado por Freshta, em março de 2010
(…)
“Pegamos nosso currículos e enviamos à pessoa responsável, como havíamos sido instruídas a fazer. (…) Alguns de meus colegas, homens e mulheres, passaram de fase. Das mulheres, uma era uma amiga que eu vou manter o nome em segredo, mas que aqui chamarei apenas de A. Ela era a primeira da classe e tinha grande chance de conseguir a vaga. A me pediu para acompanhá-la à entrevista, e eu estava feliz em fazer isso, pois era minha melhor amiga.
Quando chegamos ao prédio, fomos informadas de que a maioria dos garotos já havia estado lá. O representante da organização pediu para que nós esperássemos pois seríamos chamadas pelo
s sobrenomes. Quando chamaram A, ela me deu seus livros e foi para a entrevista. Dez minutos depois, ela retornou com um olhar infeliz.
“Como foi”, eu perguntei.
“Foi bom, mas…”, ela pausou a fala.
“Mas o quê”
“Eu não fui bem”. Ela estava quase chorando.
“O que você quer dizer?”, eu disse. “Me diga, eu não sou sua melhor amiga? Me diga. Olhe, eu vim para apoiar você. Você está escondendo algo de mim.”
“Eu fiz algo que não deveria”, disse, abaixando os olhos. “Havia um homem estrangeiro na entrevista. Ele estendeu a mão, e eu o cumprimentei! Eu pensei que se não fizesse, ele ficaria ofendido e achando que eu não estava mostrando respeito. Eu não queria que ele pensasse que eu sou retrógrada, como o Talibã. Ele não sabe que cumprimentar um homem com a mão, para mim, uma mulher, é proibido por nossa religião e cultura. Eu fiquei com medo, Freshta, que se não o cumprimentasse ele poderia me tirar da vaga”. Ela então olhou para mim. “Se ele soubesse, tenho certeza que não teria feito isso”.
Eu disse para ela esquecer imediatamente, mas ela respondeu. “Não é simples assim. Alguns de nossos colegas estavam lá. Eles riram e eu ouvi alguém sussurrar: “Olhe para ela, por causa de um trabalho ela faz o que quer”. E outro disse: “Muitos dos nossos esquecem sua religião e cultura”.
(…)
No Afeganistão, as pessoas são muito sensíveis sobre as mulheres. Temos que usar véus, não podemos usar roupas apertadas. As mulheres que não observam as práticas religiosas não têm apoio, especialmente se estiverem disputando eleições. Elas não receberão votos dos homens e de algumas mulheres. As pessoas falam mal dessas mulheres e elas se tornam “uma mulher ruim”.
A ganhou o estágio, e as mulheres da classe ficaram muito orgulhosas. O dia que foi anunciado na classe, no entanto, um dos palhaços da classe, um homem, disse: “Claro, se eu fosse mulher e cumprimentasse um homem com as mãos, eu também conseguiria”. De novo, todos os homens riram.