Por Mona Alami, da IPS
Beirute, Líbano, 26/7/2010 – O Maryam, navio com ajuda humanitária cuja tripulação é integrada completamente por mulheres, se prepara para zarpar do porto libanês de Trípoli com destino a Gaza nas próximas semanas. O barco, que tentará romper o cerco israelense a esse território costeiro palestino, levará cerca de 50 trabalhadoras humanitárias, incluindo algumas freiras. “Todas fomos atraídas pelo projeto, unidas por um sentimento de indignação contra a descarada injustiça”, disse Samar Hajj, uma das organizadoras do Maryam (Maria, mãe de Jesus, em árabe).
O sítio começou em 2006, quando o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) venceu as eleições legislativas palestinas e após combatentes islâmicos sequestrarem na fronteira o soldado israelense Giladi Shalit. O hermético bloqueio se mantém com ajuda do Egito e priva muitos moradores de Gaza de produtos básicos. A viagem do Maryam, sem dúvida, aumentará a tensão na região, sobretudo depois que, em 31 de maio, forças israelenses detiveram e abordaram em águas internacionais a flotilha Gaza Livre, liderada pelo barco Mavi Marmara, de bandeira turca, matando nove ativistas.
“Depois desse ataque, uma das mulheres invocou a Virgem Maria em uma de nossas reuniões semanais. Sua exclamação foi como uma revelação, por isso decidimos dar ao nosso barco o nome de Maryam”, explicou Samar. “O nome é perfeito para um navio que leva apenas mulheres. Quem poderia menosprezar a Virgem Maria, reconhecida santa pela maioria das religiões?”, perguntou.
A previsão é que o navio faça uma escala em um porto estrangeiro antes de se aproximar de Israel, devido à hostilidade entre esse país e o Líbano. No mês passado, o governo de Chipre proibiu que qualquer embarcação com destino a Gaza parta de seus portos. O entanto, os ativistas ainda podem zarpar de algum terminal marítimo da parte da ilha ocupada pela Turquia. “Temos a opção de partir de vários portos amigos, e somos completamente conscientes de nossa obrigação de fazer uma escala no estrangeiro para que nossa viagem não seja considerada um ato de guerra”, disse Samar.
A ativista afirma que recebeu cerca de 500 solicitações de pessoas que desejam aderir à viagem, mas o Maryam só pode transportar cerca de 50 mulheres, metade delas libanesas e as demais europeias, norte-americanas e de outros países árabes. “No navio serão levados medicamentos contra o câncer e outros artigos necessários para mulheres e crianças. Não vamos levar armas nem terroristas, independente do que possa dizer o exército israelense”, ressaltou Samar.
Enquanto se preparam, a base central do Maryam continua em plena atividade. Mulheres de diferentes contextos, orientações políticas, nacionalidades e religiões conversam, discutem e brincam. “Todas as mulheres que viajarão assumiram o nome Maryam, e se distinguem como Maryam 1, Maryam 2, e assim por diante. Preferimos manter em segredo nossas identidades para evitar pressão das respectivas embaixadas”, explicou Samar.
“Maryam 1” é uma advogada indiana de idade média, mulher de um almirante. “Sou seguidora dos ensinamentos de Mahatma Gandhi, que lutou de forma pacífica contra toda forma de opressão ao longo de sua vida e também se opôs à ocupação da Palestina”, afirmou. A advogada explicou que, antes de decidir seguir viagem, estudou as implicações legais do ataque israelense à flotilha Gaza Livre. “O que esse ataque revelou foi que são aplicadas classes de regras à humanidade, dependendo da cor da pele, da raça e da religião do povo”, afirmou.
Sentada diante delas estava Maryam 2, ex-bióloga de descendência libanesa-armênia “Acompanhei de perto a questão palestina e me comove a flagrante injustiça que sofrem os palestinos por parte dos israelenses”, contou. Nas reuniões diárias, Maryam 2 fez amizade com mulheres de diferentes contextos, especialmente com uma jornalista turca. Algo incomum, considerando que Turquia e Armênia são rivais nacionais desde o massacre de um número indeterminado de armênios sob o Império Otomano, entre 1915 e 1917.
“A jornalista, que fala apenas inglês, me disse ter sentido que eu era enviada por Deus quando descobriu que podia falar alguma coisa de turco. Aqui na base de operações do Maryam, a nacionalidade e a religião se esfumaçam por trás da causa comum de romper o cerco a Gaza”, afirmou.
Em Israel, o chefe do Exército, Gabi Ashkenazi, disse, no dia 6, no Comitê de Assuntos Exteriores e Defesa do parlamento, que deveriam ser realizados os esforços necessários para impedir a partida de mais flotilhas humanitárias rumo a Gaza. “Agora está sendo organizada uma flotilha libanesa com mulheres e parlamentares. Israel tenta impedir isso de forma aberta e encoberta”, afirmou. IPS/Envolverde
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Crédito: Mona Alami/IPS
Legenda: Samar Hajj, uma das organizadoras da viagem no Maryam, navio com ajuda humanitária cuja tripulação é integrada completamente por mulheres.
(IPS/Envolverde)