Izabelle Torres e Diego Abreu – Correio Braziliense
Sem quadros femininos para preencher a cota de 30% exigida por lei, partidos “convocam” mulheres sem qualquer pretensão de conquistar votos nas urnas apenas para atender a legislação eleitoral
Breno Fortes/CB/D.A Press |
Núbia Lima foi convencida por amigos do PSL a concorrer a uma vaga de distrital. “Decidi entrar de última hora. Se gostar, em 2014 posso entrar para valer” |
Na tentativa de cumprir a lei eleitoral e apresentar ao menos 30% de mulheres como candidatas, os partidos políticos fizeram um jogo intenso de cooptação nos meses que antecederam os registros de candidaturas. Para aumentar o número de pessoas do sexo feminino em seus quadros de pleiteantes a cargos eletivos, valeu apelar para amigas e parentes e convencê-las a entrar na disputa, nem que fosse somente para que seus nomes constassem nas listas partidárias, sem que tivessem qualquer compromisso com a campanha. O resultado dessas articulações são índices de candidaturas ainda distantes dos determinados pela lei eleitoral e que não refletem o número de mulheres realmente dispostas a enfrentar a guerra por votos. O Correio Braziliense localizou alguns desses casos. São mulheres que passaram a vida inteira distantes da política e, de repente, foram convencidas por partidos a preencherem fichas de filiação e lançarem os nomes nas disputas.
O resultado da cooptação e do registro de candidatas laranjas ou desinteressadas em enfrentar a campanha tem resultados numéricos. Na eleição de 2006, os votos obtidos por mulheres somaram pouco mais de 38,8 milhões. Enquanto isso, candidatos do sexo masculino obtiveram 468,9 milhões de votos. Os dados apurados pela reportagem com base no número total de votos recebidos pelos candidatos nos estados e no DF mostram que as mulheres obtiveram 7,6% do total nacional. “Isso é uma prova de que o mero recrutamento não funciona. Não adianta colocar uma candidata somente para constar na lista se não são oferecidos a ela incentivos para que se interesse pela política ou ajuda financeira para divulgar a campanha. Estamos longe do ideal e descumprindo a lei escancaradamente”, analisa a cientista política Fernanda Feitosa, que atua como consultora de poder e política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Um exemplo de mulher cooptada para a disputa eleitoral é a bombeira Núbia Lima. Tímida e ainda desconfortável na posição de quem pleiteia cargo público, foi convencida por amigos do PSL a se registrar entre os que disputam vaga na Câmara Legislativa, apesar de admitir nunca ter se interessado por política. Agora, mesmo candidata, demonstra distanciamento do cenário eleitoral. “Gosto da Marina Silva. Ela vai ser candidata à Presidência?”, questiona, durante a conversa sobre o perfil ideal de uma mulher na vida pública. “Decidi entrar nessa de última hora. Não tinha pensado nisso, apesar de muita gente dizer que tenho perfil para a política porque gosto de ajudar as pessoas. Se gostar da experiência deste ano, em 2014 posso entrar na campanha pra valer”, diz.
Na Estrutural, uma amostra de candidatura cooptada com dificuldade financeira. Helena Pereira concorrerá pela segunda vez. Recebeu a missão de convencer outras mulheres a se lançarem e conseguiu tornar viável o registro de outras três amigas. Em 2006, obteve apenas 49 votos para deputada distrital. Este ano, ao seguir o deputado Izalci do PSL para o PR, espera apoio e mais votos. “Convidam a gente, mas não dão estrutura. O problema é que o material de campanha demora a ficar pronto. Na eleição passada, entrei só para ver como era. Este ano mudei de partido e pode ser que eu consiga mais votos. É importante para o partido ter mulheres. Sempre se comenta isso”, diz.
Convencida a entrar na disputa por amigos dirigentes partidários, Marineusa Galindo engrossou a lista de mulheres candidatas para tentar dar uma força ao índice previsto em lei, mas depois de registrada desistiu. “Vi que entrar na política podia atrapalhar minha vida pessoal. Eu tinha aceitado colaborar, mas desisti. Não vou fazer campanha”, conta.
Folga
A possibilidade de funcionários públicos conseguirem três meses de licença para se dedicarem às campanhas também é um agravante para o número de mulheres que decidem se lançar apenas para contribuir com os partidos. O Correio conversou com duas candidatas, uma do PMDB e outra do PSDB, que admitiram ter se registrado apenas para atender a apelos de amigos e usufruir da folga remunerada. “Não sei nada de política, mas meu marido deu a ideia e o partido estava insistindo para eu oferecer o nome. Topei mais pela folga”, diz ela, que é funcionária do Legislativo. “A gente nem vai fazer campanha. Nada. Capaz de não aparecer nem o nosso próprio voto na urna. Isso acontece. Mas a gente não pode sair por aí falando para não perder o emprego. É um direito previsto em lei, mas os chefes podem não entender”, completa a peemedebista, ao justificar o pedido de não ser identificada.
“Esse tipo de candidatura vai continuar ocorrendo. Só vamos resolver isso quando os partidos entenderem que precisam incentivar a participação das mulheres como candidatas. Precisam ajudar na divulgação das campanhas e aceitar tirá-las do papel secundário”, conclui a cientista Fernanda Feitosa.
O NÚMERO
51,8 %
Percentual de mulheres no total de eleitores. São 70,3 milhões de votos em todo o país.
Prestes a virar letra morta
Líder do colégio de presidentes dos TREs reconhece que, se as cotas femininas fossem cobradas, quase todos os partidos seriam punidos
Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim do ano passado, a lei que tornou obrigatório que partidos e coligações tenham no mínimo 30% d
e mulheres entre os candidatos inscritos para as eleições de outubro está prestes a ser descumprida. Nos estados, a maioria das legendas não respeitou a regra (1)ao registrar as candidaturas e os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) entendem que a aplicação da norma não será viável, pois colocará em risco a participação dos partidos no pleito.
O descumprimento consentido da lei editada deve ocorrer porque a regra foi violada por praticamente todas as legendas. Na prática, isso quer dizer que, se a punição mais extrema fosse aplicada, a Justiça Eleitoral deveria indeferir o registro de todos os inscritos nas chapas que não tivessem atingido a cota. “Se não existe a quantidade de mulheres filiadas ao partido, nós não podemos impedir o partido de disputar as eleições”, adiantou o líder do colégio de presidentes dos TREs, desembargador Luiz Carlos Santini.
Atual presidente do TRE de Mato Grosso do Sul, Santini adiantou ao Correio que já há um entendimento de que as legendas não podem obrigar as mulheres a serem candidatas. Segundo ele, a lei prevê uma situação ideal, mas inviável na prática. “Seria um contrassenso cooptar mulheres só para cumprir a lei. Acho que todos os tribunais, esta é a notícia que tenho, estão se orientando no sentido de minimizar essa obrigatoriedade.”
No Distrito Federal, por exemplo, das 11 coligações ou partidos isolados que disputam cadeiras de deputado federal, apenas três obedeceram à nova lei: PV, PCO e PSTU. A chapa PT/PDT/PSB/PPS registrou duas mulheres, do total de 18 inscritos, ou 11%. Na disputa para a Câmara Legislativa, a média de cumprimento da norma também é baixa. Apenas seis dos 19 partidos alcançaram 30% de mulheres entre os candidatos. DEM, PDT, PV e PR estão entre os que respeitaram a lei. Já PT (17%), PSDB (19%) e PMDB (26%) ficaram abaixo da meta.
A realidade verificada na capital é um retrato do resto do país. Nos três maiores colégios eleitorais os partidos passaram longe de cumprir a regra. Somente seis das 17 chapas paulistas inscritas para concorrer à Câmara dos Deputados cumpriram a regra. Média um pouco melhor que a de Minas, onde só o PSTU seguiu a lei (veja abaixo). No Rio, a situação é um pouco melhor: oito dos 15 partidos respeitaram a norma.
Débito
No mês passado, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se debruçaram sobre a exigência fixada pela nova lei. Em plenário, cogitou-se bloquear os pedidos de candidatura de todos os filiados de partidos que não cumprissem a lei. No entanto, prevaleceu o entendimento de que os TREs poderiam aceitar as inscrições das legendas que registrassem menos de 30% de mulheres.
Ex-ministro do TSE, o advogado eleitoral Fernando Neves acredita que os partidos que descumprirem a lei não vão sofrer punições. Para ele, o caso inevitavelmente terá desfecho na corte superior eleitoral. “Certamente esse assunto chegará ao TSE no início de agosto. Basta um juiz eleitoral indeferir o registro de um partido ou uma legenda que tenha cumprido a lei recorrer de deferimento”, avaliou.
Até as eleições municipais de 2008, a legislação previa apenas a reserva de 30% de vagas para mulheres: quando a cota não era preenchida, as agremiações completavam as candidaturas com homens.
1 – Nas mãos dos TREs
A minirreforma eleitoral, aprovada no fim do ano passado, estabeleceu a obrigatoriedade de os partidos e coligações respeitarem a cota de 30% de mulheres entre os inscritos para os cargos de deputado federal e estadual/distrital. Em sessão administrativa em junho, o TSE definiu que o sistema de informática que recebe a relação de candidatos não iria bloquear automaticamente as listagens que não obedecessem a cota. Na ocasião, os ministros estabeleceram que as listas não seriam rejeitadas, mas que deveriam conter um aviso de que o percentual não foi observado. O TSE decidiu que caberá aos TREs definir como proceder nos casos de descumprimento da lei.
Artimanhas e “pescaria”
Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press – 26/8/08 |
A senadora Ideli Salvati, líder do governo, é defensora das cotas |
O recrutamento de mulheres independentemente do interesse que tenham na política é admitido por coordenadores de campanhas. Segundo eles, este ano, as dúvidas sobre possíveis punições acenderam a luz amarela e levaram as legendas a praticarem verdadeiras artimanhas em busca de candidatas. “O partido abre o espaço, mas a procura é pequena. Insistimos e convidamos, mas nem sempre elas aceitam. Não é culpa dos partidos”, avalia Adelson Cardoso, um dos coordenadores da campanha do PMDB no Distrito Federal e encarregado de viabilizar os registros de mulheres.
“A gente não sabia qual a interpretação que seria dada à lei. Saímos recrutando as mulheres. Algumas toparam, outras não. É difícil cumprir uma lei que impõe um limite mínimo de candidaturas para quem não se interessa em se candidatar. É absurdo termos de apelar e sair pescando candidatas para evitar punições”, completa o tesoureiro do pequeno PSL, Cristovam Cabral.
Presidente do DEM em Minas, o deputado Carlos Melles reclamou da lei. “Toda imposição que tenta corrigir desigualdade fica forçada”, criticou. O DEM apresentou o segundo pior índice de participação feminina na disputa para a Câmara dos Deputados. Foram registrados 188 homens e 29 mulheres, percentual de 13,3%. Pior do que o Democratas apenas o PCB, que registrou 28 homens e uma mulher .
Defensora das cotas para mulheres nos partidos, a líder do governo no Senado, Ideli Salvati (PT-SC), reconhece a dificuldade das legendas para preencher o percentual definido por lei e diz que algumas cooptações feitas no passado surtiram efeito. Segundo ela, já houve casos em que mulheres foram cooptadas e acabaram eleitas. “Entraram para cumprir tabela e acabaram se elegendo”, afirmou, sem citar os casos. (IT e DA)
O NÚMERO
3
Número de coligações, entre as 11 registradas no DF para disputar vaga na Câmara dos Deputados, que cumpriram as
cotas femininas
Mineiras não fogem à regra
Em Minas, os partidos apelaram para todo tipo de estratégia para cumprir a reserva de 30% das vagas para mulheres. Nem todos conseguiram atingir o feito. O PPS registrou 23 candidatas a deputada estadual em uma chapa de 75, meta cumprida graças ao apelo feito para que várias se registrassem mesmo sem o objetivo de disputar as eleições.
A direção do PSC pediu às 188 vereadoras para se candidatarem. Boa parte delas atendeu, totalizando 62 mulheres concorrendo à Assembleia Legislativa e à Câmara, em um total de 193 candidatos. O PV não teve a mesma sorte. Faz parte daqueles em que a candidatura masculina predomina. Entre os 105 candidatos ao Legislativo, 18 são mulheres. Proporção pior é vivida pelo PHS: entre os 130 candidatos à Assembleia ou Câmara, quatro são mulheres.
A união entre PMN, PSL e PSDC de pouco adiantou. As três legendas têm 204 candidatos inscritos, dos quais 30 são do sexo feminino. Na coligação formada por PRTB, PT do B, PRP e PTN, a história não foi diferente. São 19 candidatas entre os 93 inscritos para deputado federal.
Entre as legendas que podem se gabar está o PSTU, da única candidata a governadora em Minas — Vanessa Portugal. Entre os 15 candidatos a deputado estadual ou federal, cinco são mulheres. O PDT também pode comemorar, pois, entre os 112 candidatos ao Legislativo, 34 são mulheres. O PMDB não tem do que se queixar: na chapa para deputados estaduais, dos 80 inscritos, 24 são mulheres.
Mulheres são pouco mais de 21% dos pedidos de candidaturas no TSE
Priscilla Mazenotti
Repórter da Agência Brasil
Brasília – As mulheres são 21,3% dos 21,672 pedidos de candidaturas registrados na Justiça Eleitoral. Elas vão concorrer a cargos de deputada estadual (2,9 mil), deputada federal (1,2 mil), senadora (35), governadora (18) e presidente da República (2). Os homens continuam como maioria em todos os níveis de disputa, de acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O TSE também registra o nível de escolaridade dos candidatos. Mais da metade – 53,73% – têm curso superior completo ou está cursando. Cinco candidatos que se declararam analfabetos fizeram o pedido de registro: dois para deputado estadual em Roraima, um em Mato Grosso, um no Ceará e um para deputado federal no Rio de Janeiro.
A Constituição proíbe pessoas que não sabem ler nem escrever de concorrerem a cargos eletivos. O pedido de registro dessas cinco candidaturas também passarão por julgamento da Justiça Eleitoral. Dependendo da situação, o juiz poderá pedir que o candidato faça uma espécie de prova, ou declaração de próprio punho, para atestar o grau de compreensão das palavras.
Entre as candidaturas cadastradas, 86,2% aguardam deferimento, 13,6% têm algum pedido de impugnação e 0,1% recebeu algum pedido de inelegibilidade. Os julgamentos das candidaturas começarão em agosto, depois do recesso do Judiciário. Entre as candidaturas já consideradas inaptas, 46% foram canceladas. Em 51,9% delas houve renúncia do próprio candidato. E do total de pedidos recebidos pelo TSE, até agora, 3% já foram deferidas.
Edição: Aécio Amado