Larissa Leite – Correio Braziliense
Levantamento aponta que o parlamento brasileiro é um dos que tem menos mulheres entre as nações da América Latina e do Caribe. País tem índices piores do que todos os vizinhos
Fotos: Alberto Ruy/Divulgação |
Alicia Bárcena: metas específicas poderiam mudar a representatividade das mulheres na política brasileira |
As mulheres brasileiras têm carga de trabalho maior, remuneração menor em comparação aos homens, e ainda contam com uma baixa representação política. Os dados nem parecem novidade, mas merecem visibilidade e ganham proporção ao serem comparados com a realidade dos vizinhos da América Latina e do Caribe.
Dados apresentados ontem, em Brasília, na abertura da Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, apontam que, em 2008, no Brasil, a remuneração das mulheres com mais de 13 anos de estudo equivalia a cerca de 60% do total recebido pelos homens. A taxa brasileira é a menor da América Latina, ao lado do Uruguai. A porcentagem é ainda mais acentuada quando se fala em tomada de decisões: a proporção de mulheres no Parlamento brasileiro é de apenas 9%. Essa representação só é maior do que a de países como Belize, São Cristóvão e Névis, Haiti e Colômbia (veja quadro). A maior representação da região é encontrada em Cuba (43%), seguida por Argentina (40%) e Costa Rica (37%).
O acesso das mulheres à tomada de decisões políticas e às políticas públicas é o principal desafio nacional, segundo avaliação da secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. “O Brasil foi um dos países pioneiros em relação à institucionalidade da equidade entre homens e mulheres, mas é preciso aumentar o tema na política. A participação política das mulheres, de praticamente 10%, não é suficiente. Uma forma de fazer funcionar é estabelecendo metas específicas de cotas para mulheres em diversos âmbitos. Essa foi a estratégia da Argentina”, exemplifica Alicia.
A legislação brasileira determina que cada partido ou coligação é obrigado a ter, entre seus candidatos, o mínimo de 30% de mulheres. Implementada por meio da Lei nº 12.034/09, a norma tenta reforçar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Espera-se que, a partir da obrigatoriedade, as mulheres tenham de fato essa representatividade mínima.
De acordo com o relatório da Cepal, a norma não obteve efeito. O documento Que tipo de Estado? Que tipo de igualdade?, que apresenta dados e análises sobre o progresso da igualdade de gênero, indica que a diferença da representação feminina no Brasil antes e depois da lei de cotas foi de apenas 2,4% (de 6,6% para 9%), a menor entre os países da região que aderiram à iniciativa. Na Argentina, a política foi efetiva: a participação parlamentar feminina saltou de 6% para 38,5%.
A baixa participação política das mulheres atinge não apenas o Legislativo. No Executivo, o Brasil está entre os grupos de países com a menor participação de mulheres (abaixo de 15%). Integram esse grupo Haiti, Ilhas Cayman, Jamaica, Porto Rico, República Dominicana e Venezuela. Ainda segundo a Cepal, a proporção de mulheres prefeitas no Brasil subiu de 1%, em 1998, para apenas 2%, em 2009.
Chile, um exemplo a ser seguido
Michelle Bachelet conta como ampliou a participação feminina no Chile |
Um dos maiores expoentes na questão da política de gênero é a ex-presidenta do Chile, Michelle Bachelet — que deixou o cargo com índices de aprovação na casa dos 80%. Presente da 11ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, ela destacou as ações implementadas em seu país e enfatizou a necessidade de aumentar a representatividade feminina nos Poderes do Brasil. “No meu governo, adotei uma medida simples, que incluiu as mulheres nas decisões: as reuniões decisivas só poderiam ser realizadas dentro do horário do expediente”, conta.
A ex-presidenta ainda indicou caminhos para o Brasil: “Aqui, deveria ser fortalecida uma rede de mulheres e da bancada governista feminina. Dessa forma, outras mulheres se sentiriam acolhidas para incrementar a participação política”, disse, acrescentando que é “maravilhoso” ter duas candidatas à Presidência da República este ano.
A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, destacou que o governo brasileiro se empenhará em cumprir medidas apontadas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), como a redistribuição do trabalho total e a divisão de responsabilidades entre Estado, sociedade e família. “O governo tem consciência de que, hoje, essa discussão não deve ser colocada apenas dentro de casa, discutindo-se quem vai lavar a louça depois do jantar. É uma questão do Estado. Queremos quebrar o paradigma de que a mulher é a cuidadora e o homem, o provedor”, afirmou.
Como bons exemplos de avanços recentes na legislação brasileira, Nilcéa destacou ações como a ampliação da licença- maternidade para seis meses e as leis sobre violência contra a mulher. A ministra citou ainda que o programa Bolsa Família também seria uma forma de ampliar a participação feminina nos processos de decisão no núcleo familiar, por dar às mulheres a verba e o poder de administração do dinheiro. (LL)
Ouça as entrevistas com a ex-presidenta do Chile, Michelle Bachelet
Mulheres no Legislativo