Quando quem julga é a mídia

Thássia Alves – Da Secretaria de Comunicação da UnB

Especialistas da Universidade de Brasília analisam como o assassinato da ex-namorada do goleiro Bruno é tratado pela imprensa

 

Eliza Samúdio, de 25 anos, foi ameaçada, sequestrada, espancada e estrangulada. Partes do corpo dela foram dadas a cães da raça rottweiller. Tudo orquestrado sob a orientação de Bruno, ex-goleiro do Flamengo, segundo concluiu investigação da Polícia Civil de Minas Gerais. Ainda assim, os veículos de informação conduzem um julgamento público do comportamento da ex-namorada do jogador. Especialistas da UnB contam porque isso acontece.

lia_zanotta“A opinião pública virou-se contra ela pois julgava que Eliza era uma maria-chuteira, que participou de orgia e tinha interesses financeiros”, declara Lia Zanotta, professora do Departamento de Antropologia da UnB. “Somente agora, que a polícia divulgou que ela foi esquartejada e teve partes do corpo entregue a cachorros, é que o goleiro começou a ser visto como culpado. A desumanização da morte, a monstruosidade é que levou o foco para ele”, completa.

O passado amoroso de Eliza foi assunto em todas as publicações. Em entrevista à revista Veja, o goleiro conta que a conheceu em uma orgia. E afirma que esse tipo de festa é comum entre jogadores de futebol. A revista IstoÉ publicou um quadro, com o título “Bola Cheia”, em que Eliza aparece ao lado de cinco jogadores que, supostamente, teriam tido relações com ela. A capa da mesma publicação traz uma foto de Eliza em primeiro plano, em pose sensual, sob uma imagem do goleiro.

A revista Época, ao contar como o casal se conheceu, afirma “Não era a primeira vez que Eliza saía com jogadores. Em seu currículo estavam outros craques”. No Orkut, perfis falsos usam a foto dela para inocentar Bruno e divulgar links de filmes pornôs protagonizados por ela.

A professora Lia Zanotta comenta que abordagem repete padrões antigos de preconceito contra as mulheres. “Somente a mulher deve ser fiel e honesta. A orgia pega mal para ela, mas não para o Bruno. O comportamento sexual dele pouco importa. Não foi ele, junto com os amigos, que proporcionou a orgia? É uma moral dupla. Eles se tornam as vítimas dessas mulheres”, afirma Lia Zanotta. “A repercussão nas redes sociais é de que ela merecia. As mulheres são as atentadoras do moral e os homens são os inocentes segundo esta visão tradicional.”

Segundo Lia, Eliza foi transformada em vilã porque desejava que Bruno reconhecesse a paternidade do filho e, consequentemente, arcasse com as responsabilidades implícitas a um pai. “As pessoas esquecem que ele teve participação efetiva na concepção dessa criança. Ela não fez sexo sozinha. E também não foi só ela que não tomou cuidado para não gerar uma criança”, alerta. “Ela só queria o reconhecimento da paternidade. É muito assustador que isso termine em um assassinato”.

Celia_Ladeira4MÍDIA – Célia Ladeira, professora do Departamento de Jornalismo, acredita que a imprensa está transformando o crime em um escândalo. “A imprensa está fazendo um escândalo para atrair audiência. É um fato sério. Mas é preciso que se dê a exata noção do que é: um crime que envolve um jogador de futebol”, afirma. Na opinião dela, a imprensa deve evitar transformar a violência em espetáculo.

Para Célia, o caso ainda é obscuro. Isso se deve às informações divulgadas pela polícia. “O próprio delegado parece estar confuso. A polícia tem que separar a verdade da ficção antes de divulgar alguma coisa. Além disso, fatos escabrosos do crime têm sido publicados”, argumenta. “A imprensa está pior do que revista de fofoca. É um tipo de jornalismo que beira o marrom”.

De acordo com a professora, o caso de Eliza mostra que a polícia ainda é omissa quando se trata de violência contra a mulher. “Parece que eles ainda veem como frescura de mulher. Se a denúncia que Eliza fez sobre ter sido obrigada a tomar abortivos tivesse sido levada a sério, talvez esse crime não tivesse acontecido”, afirma Célia Ladeira.

tania_montoroTânia Montoro, professora da Faculdade Comunicação da UnB, afirma que a mídia julga quem são os mocinhos e os vilões. “Chegamos a um ponto no Brasil em que tudo é distorcido”, acredita. Para ela, existe um fenômeno em que a imprensa escolhe e decide a quem cabe o papel de vítima. “Temos que fazer uma reflexão de como esses assuntos são tratados. Esses temas acabam virando um evento midiático. Houve uma época em que foi Geisy Arruda; agora a história da vez é essa”, avalia.

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