Marcela Buscato – revista ÉPOCA
A socióloga americana Gail Dines é uma crítica feroz da indústria do entretenimento adulto. É uma das fundadoras do movimento Stop Porn Culture (algo como “Parem com a cultura pornô”), dá aulas de sociologia e gênero na Faculdade Wheelock, em Boston, nos Estados Unidos, e é figura fácil em programas da televisão americana para falar sobre a opressão sofrida pelas mulheres. Mas, em seu último livro, a discussão lançada por Gail vai além da imagem negativa que a pornografia constrói sobre as mulheres.
Em “Pornland” (Terra do Pornô), lançado no fim de junho nos Estados Unidos, Gail levanta uma hipótese perturbadora. Os filmes pornográficos, acessados pela internet por qualquer adolescente, seriam os responsáveis pelo aumento de casos de violência sexual contra a mulher e contra crianças. “Os estudos mostram que entre 40% e 80% dos homens que fazem download de pornografia infantil acabarão se envolvendo em algum tipo de abuso contra menores”, disse Gail ao Mulher 7×7. Para a autora, a única solução seria definir por lei a pornografia como uma “violação de direitos”.
Mulher 7×7 – Não é muito forte dizer que a pornografia pode incentivar abusos sexuais contra mulheres e crianças?
Gail Dines – As imagens têm um impacto profundo sobre nós. Isso não significa que um cara que se masturba vendo pornografia irá estuprar uma mulher. Mas os estudos mostram que no caso de homens inclinados a praticar violência sexual, quanto mais pornografia eles assistirem, maior é a chance de eles cometerem crimes. Já entrevistei muito desses agressores e tenho certeza absoluta de que o crescimento da divulgação de materiais pornográfico usando crianças – ou explorando o universo infantil – está aumentando a violência sexual contra crianças. Algumas pesquisas mostram que entre 40% e 80% dos homens que baixam da internet pornografia infantil acabarão se envolvendo em algum tipo de abuso contra menores. Os estudos definitivamente sugerem que há uma ligação.
Qualquer tipo de pornografia pode incitar a violência?
Esse efeito pode ser gerado pela principal forma de pornografia produzida pela indústria do entretenimento. É aquela em que a mulher é subjugada pelos homens, sofre penetrações múltiplas. É o tipo de pornografia mais lucrativa para a indústria do entretenimento, são eles mesmos que falam isso. O que a pornografia faz é relacionar a sexualidade ao menosprezo pelas mulheres. É uma combinação muito ruim, especialmente quando pensamos que os meninos veem pornografia pela primeira vez por volta dos 13 anos. O que significa para um menino que ainda está desenvolvendo sua sexualidade ver esse tipo de pornografia? Quanto mais erotizamos essas imagens, mais dizemos aos homens que é dessa maneira que eles devem tratar as mulheres, que eles devem achar isso excitante. E os garotos vão construir suas identidades sexuais em torno dessas imagens.
Mas isso não quer dizer que todos se transformarão em estupradores.
Nós tendemos a estereotipar a discussão com “se ele assistir isso, vai estuprar”. Essa é só uma pequena porcentagem dos homens. Eu estou preocupada com a maior parte dos homens e como isso os afeta. O efeito é mais sutil e se traduz na maneira como um garoto pensa sobre a namorada, sobre como ele quer o sexo com ela, como encara sua sexualidade.
Na sua opinião, a pornografia se tornou mais violenta do que a década de 1970, quando feministas promoveram campanhas para denunciar a imagem de mulher-objeto que esses filmes transmitiam?
Não há comparação. Antes, o que era considerado um tipo de pornografia muito pesado, que tinha de ser comprado em lugares especiais, hoje é tido como normal. Os adolescentes podem baixar pela internet. Esse aumento da violência aconteceu porque os homens se entendiaram com a pornografia disponível. O acesso a esses materiais é tão fácil que os homens se tornaram insensíveis aos apelos do pornô. Por causa disso, a pornografia precisa continuar aumentando o nível de humilhação das mulheres para manter o interesse dos homens.
Algumas mulheres se colocaram atrás das câmeras e começaram a gravar filmes pornôs chamados feministas. Elas dizem mostrar a visão das mulheres sobre o sexo, sobre o que elas querem na cama. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de produção?
Dei uma olhada em alguns vídeos e não vi nada criativo ou diferente da pornografia convencional. Eu concordo que não há violência, mas ainda há mulheres servindo como objeto para os homens, o corpo feminino ainda é um objeto sexual. O jeito como elas constroem as imagens e contam a história é muito similar. Isso não subverte a maneira como se vê o corpo feminino na pornografia.
Não há nenhum tipo de pornografia que seja saudável?
Se há, eu ainda não vi. Pornografia por definição são imagens baseadas na desigualdade, na humilhação, na desumanização. Eu não consigo aceitar que qualquer imagem desse tipo seja boa paras as pessoas.
Como controlar esses efeitos negativos da exposição à pornografia?
Eu acho que a legislação deveria definir pornografia como uma violação dos direitos civis das mulheres. Assim, elas poderiam processar os autores desses produtos por qualquer tipo de dano que físico que elas sofram. É claro que é difícil provar que esses danos foram estimulados pela pornografia. Mas, muitas vezes, é difícil provar violações de direitos previstos pela lei. Mas isso não os invalida.
Vocês concordam com Gail? Nenhum tipo de pornografia pode ser saudável – tanto para os homens quanto para as mulheres?