Estatuto do Nascituro: grave retrocesso aos direitos reprodutivos

CFEMEA

Após muita luta e resistência dos movimentos feministas, foi aprovado, no dia 19 de maio de 2010, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, um dos maiores retrocessos aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras: o chamado Estatuto do Nascituro – PL 478/2007, de autoria dos deputados Luiz Bassuma (PV/BA) e Miguel Martini (PHS/MG).


texto do substitutivo aprovado foi apresentado pela relatora da proposta, deputada Solange Almeida (PMDB/RJ), e define que a vida humana começa já na concepção, o que a princípio eliminaria a hipótese de aborto em qualquer caso. A afirmação de ser o nascituro pessoa humana só é possível a partir de determinada concepção moral e de determinada crença. No momento que o projeto de lei impõe uma determinada concepção, que não permite ser compartilhada pelos diversos sujeitos morais e de direitos, ele fere os princípios, direitos e garantias fundamentais que garantem a liberdade de crença e pensamento e a igualdade dos sujeitos. Por acordo entre deputados da comissão, a relatora elaborou uma complementação de voto para ressaltar que o texto aprovado não altera o Artigo 128 do Código Penal, que autoriza o aborto praticado por médico em casos de estupro e de risco de vida para a mãe. Para os movimentos feministas, isso não resolve nenhum dos problemas éticos e jurídicos contidos no PL, já que não foram esclarecidas as dúvidas e os problemas levantados com relação ao Art. 12 do texto do substitutivo aprovado que prevê “É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores.”

 

Além disso, o substitutivo aprovado prevê a criação da bolsa-estupro: identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, este será responsável por pensão alimentícia e, caso ele não seja identificado, o Estado será responsável pela pensão, tornando-se cúmplice de um crime hediondo e legitimando a violência. Sem falar na desconsideração dos efeitos físicos e psicológicos de um estupro na vida de uma mulher. 

Como argumento para justificar a tortura que o projeto submete a mulher quando a obriga a ficar com o fruto de um estupro durante nove meses de gestação,deputadas/os fundamentalistas afirmam que: “A criança não pode pagar pelo erro dos pais”. Entretanto, a questão é: que erro cometeu uma mulher que foi estuprada? E a mulher que tem uma gravidez com risco de vida? Qual foi seu erro?
Na avaliação do CFEMEA e dos movimentos feministas, esse projeto institui a tortura, e dá ao estuprador “direitos” de pai, o que configura um verdadeiro retrocesso jurídico e desrespeito aos direitos humanos das mulheres. 

Além disso, concede direitos ao não-nascido em detrimento da vida plena das mulheres, modificando toda a concepção da doutrina jurídica pátria de que os não-nascidos têm expectativas de direitos. 
Vale lembrar também que esse debate foi vencido durante a Assembléia Nacional Constituinte, que decidiu não incluir na Constituição Federal de 1988 que a vida começa na concepção.
Durante a votação do Estatuto do Nascituro na CSSF foi possível observar inúmeras demonstrações de posições retrógadas, misóginas, autoritárias, lesbofóbicas/homofóbicas. Segundo a assessora do CFEMEA Kauara Rodrigues, “Isso demonstra o crescimento do conservadorismo político e do fundamentalismo religioso no Parlamento e o total descumprimento do princípio constitucional da laicidade do Estado brasileiro”. Em uma tentativa de evitar a aprovação de tamanho retrocesso, o deputado Darcísio Perondi (PMDB/RS) apresentou um voto em separado com importantes argumentos para a rejeição do PL.

O PL tramitará agora na CFT, que analisará a adequação orçamentária e financeira, já que prevê o pagamento de bolsa estupro pelo Estado. Sendo rejeitado ou aprovado, segue para CCJC que analisará o mérito, a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Somente depois seguirá para o Plenário.

Rogéria Peixinho, da coordenação da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, afirma que haverá uma mobilização nacional para impedir que este PL avance. E esclarece: “o Estatuto do Nascituro é apenas uma ‘peça no tabuleiro’ da ofensiva fundamentalista. Existem hoje em tramitação no Congresso Nacional inúmeros PLs que retrocedem os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Essa ofensiva conservadora não terá fim e as perspectivas para a próxima legislatura são muito negativas. Precisamos fortalecer a luta pelo fim da criminalização das mulheres e pela legalização do aborto”.

Para mais informações, análises e contrapontos ao PL, ver nota  elaborada pelas professoras de Direito e Bioética, Samantha Buglione e Miriam Ventura, integrantes das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro.

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