Paulo Duarte
Além da homofobia violenta e explicita, aquela que é ameaça imediata a vida e a direitos básicos, existe a homofobia cordial, que estamos pouco acostumados a perceber mas que nos fins das contas, é a responsável por manter as coisas como estão.
Graças a conquista de leis antiracismo e anos de trabalho, as manifestações explícitas de racismo no Brasil de hoje estão à margem social. Embora nosso racismo esteja infiltrado em diversos aspectos de nossa sociedade, é difícil encontramos uma pessoa que encarne, para si e para os outros, o estereótipo do racista. Por isso mesmo, estamos cada vez mais atentos aos mecanismos que sutilmente mantém e reafirmam o racismo num pais em que “ninguém é racista”. O mesmo não acontece com a homofobia.
Por mais que o quadro geral possa ter melhorado, ainda é socialmente comum encontrar pessoas proclamando em alto em bom som seu ódio aos homossexuais ou até mesmo dizendo “sou homofóbico mesmo”. Ora isso não é surpresa num pais onde 39,7% dos pais e mãe, segundo a pesquisa de UNESCO, adimitem que não gostariam que seus filhos tivessem colegas homossexuais nas escolas, ou que 45% dos brasileiros acha justo negar o direito à união civil a parte da população homossexual. Enfim, com esses números, não é difícil imaginar que todos devemos conhecer uma ou mais figuras que se aproximam da personificação do “homofóbico” ou “homofobo”.
O fato de direitos básicos se encontrarem ameaçados por inimigos tão explícitos e ferrenhos faz com que muitas vezes não tenhamos tempo para refletir sobre os mecanismos mais sutis da nossa cultura que no fim das contas, tal como funciona para o racismo, alimentam a lógica homofóbica. Mas basta pensar que este indivíduos raivosos não surgem do nada para começarmos a questionar onde está a homofobia na parte da sociedade que, como muito brasileiros dizem, “não tem nada contra” homossexuais. É um assunto muito amplo e vou deixar a responsabilidade com o leitor de refletir sobre toda a complexidade de atos que envolvem a reafirmação da homofobia em nosso cotidiano. Mas vou contar alguns episódios instantâneos de homofobia cordial a seguir:
Pedro “tem vários amigos gays”, simplesmente “os adora” e “não tem nada contra”. Mas quando o sangue sobe um pouco, qual o primeiro xingamento que lhe ocorre? Isso mesmo: bicha, veado.
Laura é amiga de infância de Suzanna, que é lésbica. As amigas de Laura decidem fazer um happy-hour e soltam algumas “brincadeiras sobre sapatão”, Laura dá um sorriso amarelo e decide não chamar Suzanna para a reuniãozinha, para “o próprio bem da amiga”.
Joana é amiga de Claudinho, que é gay. Diverte-se muito com ele e reclamava quando seu marido fazia referências homofóbicas ao seu amigo. Quando seu filho contou que era gay, Joana reagiu mal e pediu que ele mantivesse isso em absoluto segredo.
Quando Marcelo revelou que era gay, Augusto disse que não tinha problema algum e continuaram amigos. Um dia Marcelo não quis emprestar seu carro e Augusto ficou indignado, afirmando que Marcelo não era capaz de retribuir o “favor” que ele fez ao manter a amizade.
Leo é gay, mas acha o ambiente que trabalha machista demais para se revelar. Lá trabalha um rapaz de modos efeminados que todos costumam fazer brincadeiras pelas costas. Apesar de não ter nada contra o rapaz, Leo fica tão apavorado que também faz piadas sobre seu jeito feminino. No final do dia, sente-se culpado.
E você, reconhece ou até se reconhece em alguma dessas situações? Olhe ao redor e verá que não precisar andar com um cartaz “Morte aos Gays!” para alimentar a homofobia cotidiana.
(http://nucleounisex.org/colunas/onde-esta-a-homofobia.html)