Meninas trabalhadoras, multitarefas como suas mães

Gonzalo Ortiz, da IPS

Quito, 1/7/2010 – No Equador, as meninas trabalhadoras confirmam a estatística universal: abandonam os estudos menos do que os meninos em igual situação, porque aprendem, desde pequenas, a combinar o ganho de uma renda com o cuidado de seus irmãos e o acompanhamento de sua educação.
“É que as meninas, como suas mães, são multitarefas. Trabalham, mas estudam”, disse à IPS María Cecília Pérez, especialista em trabalho informal urbano da capital do Equador, onde milhares de meninas e adolescentes trabalhadoras se esforçam para se manter no sistema educacional.

Nancy Caicho e Érika Almagro, ambas de 13 anos, assistem felizes à cerimônia de encerramento do ano escolar no não governamental Centro da Menina Trabalhadora (Cenit), na zona sul de Quito, onde convivem setores de classes média e baixa.

Nesta cidade de dois milhões de habitantes, 37% da população economicamente ativa trabalha no setor informal – por contra própria ou subempregada e sempre com renda menor do que o salário legal – enquanto 9% estão desempregadas.

As duas meninas, e outras companheiras que as cercam, cortam as palavras umas das outras para falar à IPS sobre a satisfação de concluírem a oitava série do ensino básico, embora todos os dias do ano trabalhem com suas mães como vendedoras ambulantes nas ruas vizinhas ao Mercado de Chiriyacu.

Seu trabalho de conclusão de curso foi fazer um vestido, que acabam de mostrar no desfile que encerra o ano escolar.

Enquanto isso, adolescentes da nona série criaram roupas para o dia a dia e de dormir e as da décima série, último grau obrigatório do ensino básico equatoriano, prepararam conjuntos de festa e gala, inclusive belos trajes de noiva.

Elas mesmas, com o nervosismo normal das grandes ocasiões, são as modelos de suas criações na improvisada passarela, enquanto os pais e outros parentes as olham com assombro e orgulho.

O Cenit mantém, entre outros programas, um Centro de Formação Artesanal que educa adolescentes de 12 a 18 anos que terminaram o ensino primário. Em três anos recebem o título de professoras em corte e costura.

Em 2009, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo, 85% das crianças e adolescentes do Equador apenas estudavam, um acentuado avanço de 10% na escolarização em apenas cinco anos.

Neste país sul-americano de 14,2 milhões de habitantes, a população infantil e adolescente – para fins estatísticos entre 5 e 17 anos – chegava, no ano passado, a 3.813.368 pessoas, dos quais 9,8% trabalhavam. Dos meninos e adolescentes, trabalhavam 12,2%, e das meninas e adolescentes 7,3%.

A maioria da população infantil e adolescente trabalhadora vive nas áreas rurais, onde 17,5% trabalha em atividade não remunerada, enquanto nas cidades a porcentagem cai para 5,1%. No Equador, a idade mínima legal para trabalhar é de 16 anos.

Um dado destacado pelas estatísticas de 2009 é que, da população infantil e adolescente masculina, 5,7% trabalhava e não estudava, enquanto apenas 2,9% das meninas e jovens estava nessa situação.

Gloria Camacho, especialista do não governamental Centro de Planejamento e Estudos Sociais, disse à IPS que, em períodos de crise e falta de emprego, as famílias lançam mão de duas estratégias: primeiro é a mãe que sai em busca de trabalho, depois um filho. “Os primeiros chamados a trabalhar são os filhos homens”, afirmou.

Pérez acredita que isso se deve a uma racionalidade econômica, de que “os meninos têm, desde pequenos, maiores chances de conseguir dinheiro e maior capacidade de se mover pela cidade”.

“Os pais privilegiam o trabalho dos meninos. É parte da construção da identidade masculina. As meninas estão mais controladas por suas famílias”, disse Camacho. Elena Sisa, mãe de três filhas, confirma isso à IPS: “as meninas correm mais perigo, por isso nos acompanham”.

Isso explica, em parte, que a deserção escolar seja marcadamente maior entre os meninos do que entre as meninas. Os filhos saem com seus pais em busca de trabalho, e com frequência se convertem em peões da construção civil ou de trabalhos semelhantes, que os ocupam o dia todo.

A freira Blanca Rosa, da ordem católica do Bom Pastor e diretora do Cenit, conta à IPS que entre suas alunas também há ajudantes de pedreiro, bem como empregadas no serviço doméstico, jardinagem e camareiras. “Não são apenas auxiliares de suas mães nas vendas informais”, acrescentou.

“Também há muitos casos em que ajudam seus país na construção, ou que saem para trabalhar sozinhas”, disse, lamentando os frequentes casos de maus-tratos familiares e de alcoolismo de seus pais ou padrastos.

“Há meninas, meninos e adolescentes na rua e da rua, e são diferentes”, disse Blanca Rosa. “Quem está na rua é o que teve de sair para trabalhar por necessidade de suas famílias ou, ainda, por desgosto ou violência em sua casa”.

“As crianças de rua são as que não estudam nem trabalham, foram expulsas de casa ou este foi destruído por completo”, explicou a religiosa.

O Cenit se dedica aos primeiros, isto é, “às meninas e aos meninos que ainda mantêm vínculos familiares”. O objetivo é “prevenir que caiam na rua e iniciem ou prossigam seu processo de educação formal”, disse a diretora. Para isso trabalham em vários mercados de Quito.

“Abordamos na rua meninas e adolescentes, sem descartar os meninos, e os motivamos a participar dos programas educativos e de formação e passar menos tempo nas ruas. Também fazemos muito trabalho de sensibilização com suas famílias”.

O centro de formação de costureiras do Cenit não é único, havendo também um de entalhador e outro de padeiro, bem como um centro para tarefas dirigidas e reforço pedagógico, uma unidade de nivelamento escolar e um curso supletivo, onde meninos, meninas e jovens de 9 a 18 anos fazem o primário em três anos. 

“O que buscamos é que sejam valorizadas, como pessoas, como mulheres”, disse a religiosa. Enquanto isso, o desfile continua. Para surpresa de todos, aparecem na passarela vários pais. Vestem calças e camisas feitas por suas filhas. IPS/Envolverde

FOTO
Crédito: 
Gonzalo Ortiz/IPS
Legenda: Nancy Caicho e Erika Almagro, à esquerda, e algumas companheiras na cerimônia de encerramento do ano escolar no Cenit.

 

(IPS/Envolverde)

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *