Sem medo da verdade

Iolanda Toshie Ide *
Adital – Era 9 de agosto e tomei conhecimento de grandes manifestações pela paz. Consolava-me com a certeza de que nunca mais uma arma nuclear seria construída, muito menos usada. Dias depois recebo a notícia da morte, em Paris, de Frei Tito de Alencar Lima (10 de agosto de 1974) preso e barbaramente torturado no Brasil. Os fatos mostraram que os seres humanos são capazes de atos sublimes, mas também de crueldades indescritíveis. Por isso sempre tive medo das guerras que poderiam eclodir, das armas cada vez mais mortais, da insensatez de quem as possui.

No entanto, há um medo de algo ainda mais terrível: a tortura. Frei Bartolomeu de Las Casas narrou ao rei da Espanha as torturas a que os espanhóis submetiam os índios que os recebiam com presentes e festas. Cortavam narizes, orelhas, lábios, mãos para que os demais índios soubessem de que eram capazes se não entregassem todo ouro, prata e pedras preciosas que possuíssem. Alguns chefes indígenas foram queimados lentamente para que revelassem possíveis esconderijos. Cães eram incitados a arrancar e devorar partes de corpos de índios. Bebês eram arrancados dos braços das mães e lançados a grande distância.

Durante as cruzadas sabemos das torturas a que foram submetidas muitas mulheres sob a legação de que praticavam bruxarias. O medo da ciência levava os cruzados a torturar quem pudesse por em risco a credibilidade da teologia vigente.

As torturas a que foram submetidos/as escravos/as negros no Brasil (e fora do Brasil), durante mais de três séculos, são indescritíveis. Separação de pais e filhos, marido e mulher, irmão de irmão, pelourinhos, gargantilhas de ferro, correntes, açoites, trabalhos extenuantes.

As ditaduras em grande parte da América do Sul e Central foram caracterizadas por métodos os mais aviltantes de tortura, aprendidos na escola de assassinos mantida pela Cia e que se chamava Escola das Américas. Para nossa vergonha, o Brasil exportou métodos de tortura.

As imagens de torturados por soldados estadunidenses no Iraque revoltam qualquer ser humano. As sevícias, inclusive sexuais, mostram bem a baixeza dos soldados, o tipo de formação (ou deseducação) que recebiam nas escolas militares.

Durantes as guerras, os regimes ditatoriais, as mulheres (e também crianças) têm sido os maiores alvos de atentados sexuais. Infelizmente, também em outros períodos chamados de paz, paz não para as mulheres, como mostram os dados sobre estupros, mutilação genitais,… A tortura constitui um excepcional desrespeito ao ser humano. Quem a pratica chega ao grau superlativo de desumanidade, transforma-se em subanimal.

Gostaríamos de poder tratar do tema como coisa do passado. No entanto, a impunidade dos torturadores tem garantido sua continuidade. No Brasil, se durante a ditadura os alvos eram os presos políticos, hoje, a tortura continua atingindo os presos comuns sem que provoque o necessário repúdio, talvez porque na nossa sociedade fraturada, os pobres (que são a quase totalidade dos presos) não sejam considerados cidadãos de direitos.

Querem-se paz, não podemos conviver com a tortura. E ela perdura entre nós provavelmente porque não tivemos coragem de enfrentar a verdade. É preciso que decididamente enfrentemos a violência. Não podemos ocultar a realidade da tortura se queremos uma sociedade de paz. Tenhamos coragem de desvendá-la. Neste dia 1º de julho, às 19 horas, estamos convidados/as a participar da abertura da Mostra de Fotos "Direito à Memória e à Verdade" seguida de palestra do Ministro Paulo Vannuchi, Secretário Nacional de Direitos Humanos. Será na Casa do Advogado da Cidadania, Avenida Nações Unidas, 30-30, Vila Universitária, em Bauru (SP).

Busquemos a paz enfrentando, com coragem, a verdade.


* Presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulheres de Lins (SP)

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