Fabiana Frayssinet, da IPS
Rio de Janeiro, 29/6/2010 – A cena é igual em muitas construções. Um vai-e-vem de carrinhos carregados de tijolos, madeira e ferro, com uma orquestra ao fundo de martelos, serras e furadeiras. Mas atualmente tem algo diferente. Por trás das máscaras, dos capacetes e uniformes, estão mulheres pedreiras. Em uma obra da cidade do Rio de Janeiro, aparece uma nova cara do mercado de trabalho do Brasil. São apenas sete entre 90 homens, mas lutaram muito para chegar aos andaimes mais altos da obra, um prédio de oito andares.
“Diziam que como pedreira não aguentaria, e aqui estou”, contou Daiana Aguiar, de 23 anos, casada e com um filho. Muitos de seus conhecidos duvidam que “reboque ou coloque tijolos de verdade”. Ela recorda, sem saudades, seu passado de caixa em supermercado. “Trabalhava de segunda-feira a segunda-feira, com apenas um descanso por semana. Em uma obra há uma diferença salarial muito grande. Descanso no sábado e no domingo. E agora tenho automóvel, estudo e construo minha casa”, conta Daiana.
Para dar esse passo, elas tiveram ajuda do Projeto Mão na Massa que, desde 2007, promove a inserção feminina no mercado de trabalho e o resgate de sua autoestima, em uma iniciativa da Federação de Instituições Beneficentes (FIB), com apoio das estatais Petrobras e Eletrobras. Estudaram 460 horas, mais 180 de prática e 120 de capacitação profissional em áreas como alvenaria, pintura, carpintaria e encanamento. Somaram 160 horas de formação social, com matérias como cidadania, gênero e saúde, e segurança do trabalho.
O projeto, dirigido a chefes de família, também ajuda a encontrar emprego em empresas públicas e privadas, com um índice de êxito de 70%. “Buscamos romper o paradigma de que a mulher não pode trabalhar em construção”, explicou Norma Sá, coordenadora do Mão na Massa. A ideia nasceu quando Deise Gravina, engenheira civil e presidente da FIB, viu que as trabalhadoras melhoravam a construção e que habitualmente as mulheres das favelas ajudam o pai ou o marido a construir ou reformar suas casas.
Um estudo confirmou que muitas queriam aprender o oficio, mas se autoexcluíam, achando que era profissão de homem. Sunilda dos Santos, de 36 anos, tinha que manter seus dois filhos e um neto. Lavava e passava roupa, mas decidiu ser carpinteira “para mostrar a mim mesma que podia”. A autoestima se reforça com a atividade profissional, a melhoria salarial e o emprego formal. “Agora tenho cartão de crédito e até talão de cheque”, contou, ainda surpresa. “Comprei uma geladeira com essas portas por onde sai água gelada”, acrescentou, festejada por suas colegas: “que chique!”.
Os homens têm de se acostumar, disse Sunilda. “Não aceitam totalmente mulheres como nós, porque estamos invadindo seu campo. Tentamos entender seu lado. Também é difícil para eles”, disse. “Alguns afirmam que se uma mulher já é perigosa com uma escova na mão, com um martelo é ainda mais”, contaram em tom de brincadeira. Norma destacou que “poucas empresas apostam na mão-de-obra feminina, mas quando o fazem pedem mais. De fato, não havia oferta feminina para trabalhos operacionais na construção civil. Quando começou a haver mulheres capacitadas, perguntamos ‘por que não?’”, explicou Denise Rodrigues, diretora administrativa e financeira da construtora Cofix, que emprega as sete trabalhadoras.
Elas foram ótimas em áreas onde é difícil encontrar bons profissionais, como a proteção nas obras. “As mulheres são mais detalhistas e delicadas”, desperdiçam menos material e com isso reduzem custos, assegurou Denise. “Ciúmes delas? Pelo contrário. Com sua presença os pedreiros aparecem mais asseados e perfumados, e dizem menos palavrões”, riu, acrescentando que o desenvolvimento tecnológico derrubou o mito de que a construção é um trabalho “pesado” para as mulheres.
Andréa Pereira, pedreira de 37 anos e com um filho, antes era cabeleireira. Com seu novo emprego superou uma depressão que atribui ao fato de não “se encaixar” em nada. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres destaca que a participação feminina na construção civil aumentou de maneira sustentada na última década no Brasil. Entre 2008 e 2009, cresceu 3%, com apoio do boom no setor, o aumento da renda familiar e os créditos para moradia. Outro fator é o maior investimento em obras públicas, que promove a contratação feminina com diferentes normas e estímulos para os construtores.
A Secretaria desenvolve, desde 2009, o Programa Mulheres Construindo Autonomia na Construção Civil, com a meta de formar, no biênio inicial, 2.670 trabalhadoras nos Estados de São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com apoio dos governos estaduais e municipais. As participantes são capacitadas como pedreiras, carpinteiras, pintoras, ceramistas ou encanadoras, em um curso de 236 horas, que inclui formação profissional, administração empresarial e cidadania.
Uma delas, Daniela da Rocha, de 35 anos, contou que muitas mulheres da favela onde mora, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, “têm filhos e não marido, e muita necessidade de trabalhar”. Também precisam melhorar o lugar onde moram e realizar obras em suas comunidades, acrescentou. Maria Rosa Lombardi, da não governamental Fundação Carlos Chagas, destacou que a presença feminina na construção não ainda se expressa em igualdade salarial nem acesso a cargos de poder.
Maria Rosa disse que no Brasil ainda existe um “mercado de trabalho muito machista”. A crescente oferta feminina em um mercado profissional restrito pode acentuar o desemprego das mulheres, tradicionalmente mais alto do que o masculino, afirmou. Daniela, que sonha ser engenheira, queixou-se de não encontrar emprego na construção civil porque o “preconceito ainda é grande”. Alguns empresários contratam por três meses, para simular que cumprem as medidas estatais a favor do emprego feminino, e “depois nos demitem”, denunciou Daniela. O governo, além de oferecer cursos, “deve fazer valer a lei junto às companhias privadas”, ressaltou. IPS/Envolverde
* Este artigo foi publicado originalmente pelo periódico independente da IPS TerraViva com apoio do Unifem e do Dutch MDG3Fund. A edição completa encontra-se no site http://www.ips.org/mdg3/tv-gender-amr1.pdf.
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Crédito: Fabiana Frayssinet/IPS
Legenda: Trabalhadoras da construção em uma obra no Rio de Janeiro.
(IPS/Envolverde)