Mulheres pegadoras

Adriana Prado – revista ISTOÉ
O comportamento da personagem Stela, da novela “Passione”, joga luz sobre a infidelidade compulsiva feminina

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“Só me importo mesmo de perder as oportunidades que me atraem”

J., bailarina carioca que traiu todos os namorados

 

Belle de jour é como os franceses chamam uma flor que só desabrocha de dia – e que deu nome ao livro de Joseph Kessel (1928) e depois ao clássico filme de Luis Buñuel (1967). Em “A Bela da Tarde”, Catherine Deneuve é uma mulher casada que, das 14h às 17h, trabalha num bordel para realizar suas fantasias sexuais. Quando o marido chega do serviço, ela já está em casa, fingindo ser uma esposa recatada e fiel. Não é à toa que a personagem de Maitê Proença na novela “Passione”, da Rede Globo, é comparada à de Deneuve. É de tarde, também, que Stela dá suas escapadas. Um mês após a estreia do folhetim, a personagem provoca polêmica e traz à tona o debate sobre a mudança do comportamento feminino. Stela sai de casa com seu objetivo reiteradamente definido – seduzir um belo rapaz e fazer sexo com ele. Sem culpa. A ficção, nesse caso, não reflete exatamente a verdade e tampouco está totalmente longe da realidade. Especialistas dizem que, sim, as “stelas” estão se multiplicando na sociedade atual e que uma grande parte delas, hoje, adota uma postura dita masculina: procura sexo apenas para ter prazer, e não romance.

Maitê acha que sua personagem se encaixa neste perfil, mas tem um álibi. “É uma forma de aguentar o tranco, quase uma droga de que ela faz uso para se aliviar e seguir sua rotina pela manutenção da família”, diz a atriz, lembrando que Stela tem um marido que a ignora e a trata mal. Coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) da Universidade de São Paulo (USP), a psiquiatra Carmita Abdo explica que a maioria das mulheres ainda justifica a traição com problemas no casamento. “A mulher, quando busca um amante, quer o sexo, mas também carinho, conversa, atenção. Ela tenta recuperar uma situação de parceria de forma mais ampla”, afirma. Mas muitas já admitem que “pulam a cerca” pelo sexo mesmo – como fazem os homens. “Também existem mulheres que têm uma hiperatividade erótica, frequentemente escondida”, salienta o psicólogo italiano Willy Pasini, autor do recém-lançado “Amores Infiéis – Psicologia da traição” (Rocco).

A bailarina carioca J., 27 anos, é pegadora convicta. Ela conta que traiu todos os namorados, inclusive o atual, com quem está há aproximadamente um ano. “Eu fico muito bem no dia seguinte. Não me sinto um monstro nem nada, apenas procuro investigar as motivações, para saber se é ou não uma insatisfação com o meu relacionamento. E nunca é”, afirma. Entre os casos mais recentes está um colega de trabalho e um amigo, com quem ela fez sexo em sua própria cama. “Espero que a pessoa com quem eu estou não descubra, mas só para não magoá-la. Não tenho medo de perder meu namorado por isso. Só me importo mesmo de perder as oportunidades que me atraem”, diz. J. só ataca homens conhecidos. Todos sabem que ela tem namorado e que a história acaba após o orgasmo.

“As pessoas estão começando a entender que a satisfação sexual não precisa estar ligada ao amor. Uma mulher pode gostar de sexo só pelo prazer que ele proporciona”, defende a sexóloga Regina Navarro Lins. Poucas, no entanto, conseguem assumir isso. A curitibana N.R, 36 anos, é uma delas. Casada, mãe de dois filhos, ela diz que ama o marido, mas se sente “mais viva” quando faz sexo com outros homens. “Tem mulheres que ligam pouco para a cama, mas eu não sou assim”, diz ela. “Sinceramente? Depois que vou ao motel com outro fico até ‘mais quente’ com meu marido.” N. diz que não sai de casa pensando em “pegar um homem” em dias ou horas específicas. “Mas estou sempre ligada. Se a oportunidade passar perto, invisto”, esclarece. “Já até corri risco uma vez, num churrasco de confraternização de fim de ano. Me interessei sexualmente por um cara, convidado de uma colega de trabalho, e acabei transando com ele atrás da sauna do sítio”, revela.

Para alguns, seu comportamento pode até ser chamado de compulsivo, uma vez que é repetitivo – mas a compulsão sexual é um transtorno psiquiátrico que, a princípio, mulheres reais como N. e J., e também a ficcional Stela, não têm. Quem sofre de compulsão sexual acaba perdendo o controle da vontade de ter relações. “Infidelidade e compulsão são coisas muito diferentes. O compulsivo tende a ser mais infiel, mas nem todo infiel é compulsivo”, esclarece o psiquiatra Marco Scanavini, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

No divã, a abordagem depende da maneira como a própria traidora lida com suas atitudes. “Não se pode recriminá-la só por estar pulando a cerca”, afirma a psicóloga Marion Arent, para quem isso seria fazer juízo de valor. “Só há conflito se a mulher estiver sofrendo por causa da traição, seja pela culpa, seja pela vida dupla ou por essa vontade frequente de fazer sexo com outros homens.” É nos consultórios psicanalíticos que esses conflitos têm aparecido de forma crescente. Embora não haja pesquisas quantitativas ainda, a experiência clínica sugere que há uma mudança em ritmo acelerado. E a personagem Stela incomoda exatamente por isso.

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