Braços abertos para o aborto seguro

Por Daniela Pastrana, da IPS

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México, 17/6/2010 – Desde as cinco horas da manhã, dezenas de mulheres fazem fila ao lado de uma clínica da capital do México. Chegam acompanhadas de suas mães, irmãs, amigas, noivos ou maridos. Outras, em menor número, chegam sozinhas. Sentados na calçada, mulheres e acompanhantes tentam dormir, apesar do frio, enquanto amanhece e começa a distribuição de fichas para o atendimento. Apenas as 30 primeiras serão atendidas. O restante tem de voltar outro dia.

O sistema de saúde local conta com 15 hospitais para garantir o direito das mulheres a um aborto seguro, mas a Clínica de Saúde Reprodutiva Beatriz Velasco concentra um quarto das interrupções legais de gravidez registradas na capital mexicana desde abril de 2007.

Nessa época, a Assembleia Legislativa do Distrito Federal, base de boa parte da Cidade do México, aprovou uma lei que permite o aborto até 12 semanas.

“Os homens são excelentes para trazê-las aqui, mas não para assumir o encargo de manter os filhos”, disse à IPS uma mãe que acompanhava sua filha menor de idade na fila.

Mais atrás, uma auxiliar de escritório conta que é a terceira vez que tenta conseguir uma senha e que ninguém em sua família ou no trabalho sabe que está grávida. “Embora digam que não, ainda há muitos preconceitos”, assegurou a jovem. “Já temos dois filhos e este ano ficamos ambos desempregados, por isso não penso em outra coisa”, explicou secamente outra mulher abraçada pelo marido.

Em três anos, cerca de 65 mil mulheres consultaram sobre os procedimentos e 40 mil exerceram seu direito de decidir, informou este mês a Secretária de Saúde distrital. Destas, 9.500 vivem em outros Estados e se deslocaram à capital para poderem abortar em segurança e legalmente.

A grande maioria provém do Estado do México, onde fica esta megalópole latino-americana, com cerca de 20 milhões de habitantes. As outras, aproximadamente 1.200 mulheres, 3% dos casos, são dos outros 31 Estados do país.

Entre elas, 550 mulheres interromperam legalmente sua gravidez no último ano graças a um grupo de jovens que trabalha no Fundo de Aborto para a Justiça Social Maria.

O Maria (Mulheres, Aborto, Reprodução, Informação e Acompanhamento) foi criado em maio de 2009 para fornecer informação, apoio e recursos econômicos a quem quer abortar e não mora na capital.

“Trata-se de fazer com que a lei do Distrito Federal estenda seus braços”, disse à IPS Oriana López Uribe, diretora operacional do projeto, que já chega a 203 membros.

O Maria integra a Rede Nacional de Fundos de Aborto dos Estados Unidos e recebe financiamento de organizações mexicanas que trabalham em favor da saúde reprodutiva. Desde dezembro conta também com uma rede de doadores individuais para fortalecer a segurança econômica do projeto.

É um sistema novo, ao qual se pode ter acesso inclusive com cartões de presentes. Atualmente, o objetivo do grupo é capacitar os acompanhantes, que normalmente dão um apoio “mais logístico”.

“O conceito de que é um direito ainda é muito débil. Sentem isso, mas é preciso tê-lo claro, como se houvesse uma discrepância entre o que acreditam e o que é correto, e o que lhes é dito”, afirmou López.

O DF é governado desde 1997 pelo esquerdista e opositor Partido da Revolução Democrática.

Em abril de 2007, sua Assembleia reformou o Código Penal e aprovou a lei de Interrupção Legal da Gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação.

Segundo o governo distrital, 83% dos abortos são feitos com medicamentos, 12% por aspiração e 5% por raspagem.

A lei provocou uma contrarreforma dos setores mais conservadores do país, impulsionados pela hierarquia da Igreja Católica e agora em 18 Estados o aborto é crime, mesmo nas três situações em que está despenalizado no país: perigo de morte da mãe, incesto ou violação e má-formação do feto.

O Supremo Tribunal de Justiça teve de ratificar, no dia 27 de maio, a obrigação de todos os centros de saúde oferecerem às vítimas de violação a pílula anticoncepcional de emergência, como estabelece a Norma Oficial Mexicana 046, diante de uma demanda do direitista governador do Estado de Jalisco, Emilio González, contra sua aplicação.

A organização Católicas pelo Direito de Decidir lançou, em 31de maio, a campanha “Outro Olhar Católico sobre o Aborto”, com outdoors e anúncios no rádio.

Precisamente dos Estados de Jalisco, México, Puebla, Veracruz e Oaxaca, todos no centro e sul do país, procede a maioria das mulheres que procuram o Fundo Maria.

“Não podemos fazer divulgação direta nos Estados, porque por suas leis estaríamos incitando à violência. Mas criamos redes com organizações e buscamos meios aliados”, explicou López.

As mulheres fazem contatos por email, pelo formulário na página digital do fundo ou por uma linha telefônica gratuita.

“Para nós é melhor o telefone, porque podemos conversar”, disse.

“Não assumimos logo de cara que elas querem interromper a gravidez”’, disse a ativista, detalhando que dão às mulheres apoio psicológico e espiritual, junto com outras organizações, como a Católicas pelo Direito de Decidir.

Se a gestante decide que quer abortar, viaja para a capital um dia antes da intervenção e se hospeda em um hotel próximo à clinica.

Em casos especiais é oferecida a atenção privada. Por exemplo, quando a mulher foi violentada e exige apoio psicológico, ou quando é impossível que falte ao trabalho, já que os centros públicos só fazem o aborto voluntário nos dias úteis.

Segundo o governamental Conselho Nacional de População, o aborto é a terceira causa de morte entre grávidas no México. As mais afetadas são jovens e pobres, afirma o Grupo de Informação em Reprodução Escolhida.

Das mulheres que interromperam a gravidez no Distrito Federal, mais de duas mil eram crianças ou adolescentes, 5,5% do total, e cerca de 300 tinham menos de 14 anos.

O Maria apoiou cerca de 60 casos de menores de 18 anos, embora a média de idade das que buscam ajuda seja de 20 anos.

“É um trabalho difícil, porque ouvimos histórias nem sempre agradáveis e é preciso ter habilidade para não se envolver, porque não é possível ajudar se formos para o pântano junto com elas”, disse López.

“O objetivo do Fundo não é assistencialista, mas dar às mulheres as ferramentas para que assumam seu corpo e sua vida, e tenham consciência de que é um apoio para exercer um direito, não é um favor”, concluiu. IPS/Envolverde

FOTO
Crédito:
Daniela Pastrana/IPS
Legenda: Oriana López, de frente, na sede do Fundo Maria.

(IPS/Envolverde)

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