Por Daniela Estrada, da IPS
Santiago, 15/6/2010 – “No Chile, a carga da maternidade fica toda para a mulher”, diz a professora Fabiola Quiñones, que saúda a proposta do governo de estender para seis meses a licença pré e pós-natal das trabalhadoras, mas apenas se “todas” puderem optar pelo beneficio.
Quando seu filho Vicente tinha apenas quatro meses, Quiñones foi demitida por não contar com o foro maternal que protege por um ano as trabalhadoras com contrato indefinido, após o término da licença maternidade pós-parto remunerada de 12 semanas.
Até então, esta professora de ensino básico de 29 anos não sabia que seu contrato temporário não lhe dava tal proteção. O estresse “secou seu leite” e Vicente, agora com seis meses, tem de se alimentar com caros substitutos do leite materno.
“Para meu empregador não convinha assumir todos os benefícios aos quais tinha direito como mãe. Me processou e os tribunais me retiraram o foro”, disse Quiñones à IPS. Ao buscar trabalho em outras escolas privadas, viu que não era aceita justamente por causa de sua recente maternidade.
O presidente direitista Sebastián Piñera criou, em 29 de abril, a Comissão Mulher, Trabalho e Maternidade, integrada por 14 especialistas, homens e mulheres, que em 90 dias deverão entregar ao mandatário suas recomendações para modernizar a legislação trabalhista de proteção à maternidade no país.
Piñera, um multimilionário que começou seu mandato em 11 de março, prometeu estender e flexibilizar a licença maternidade, considerando os benefícios do apego e da amamentação para o desenvolvimento das crianças, além de reverter outros obstáculos que atualmente impedem o ingresso das mulheres no mercado de trabalho.
A taxa de fecundidade no Chile é de apenas 1,9 filho por mulher, insuficiente para a substituição de geração e, apesar dos avanços das últimas décadas, a porcentagem de mulheres ocupadas está em 50% do total, em um país com uma população de 17 milhões, sendo pouco mais da metade de mulheres.
A licença maternidade no Chile é paga integralmente pelo Estado e é de 18 semanas: seis antes do parto e 12 após o nascimento.
“A licença maternidade no Chile não é um direito de todas as mulheres. Nem mesmo de todas as trabalhadoras. É só daquelas que têm um contrato indefinido. Isso é pouco menos de 50% das mulheres ocupadas”, assegurou à IPS Teresa Valdés, coordenadora do não governamental Observatório de Gênero e Equidade.
“Por isso, mais do que discutir a prorrogação da licença maternidade para seis meses, a preocupação do movimento de mulheres é que toda mãe trabalhadora tenha esse direito assegurado”, ressaltou.
Para Silvia Aguilar, vice-presidente nacional da Central Única de Trabalhadores, a principal organização sindical do país, “a licença maternidade de seis meses seria de grande ajuda para os bebês e as famílias”, e também alertou para que não seja esquecido o problema principal.
Muitas trabalhadoras, como as temporárias agrícolas, não podem cuidar de seus filhos recém-nascidos com segurança de renda, disse a dirigente à IPS. E as mulheres que trabalham por conta própria só podem ter acesso a esses benefícios se suas contribuições para a previdência estiverem em dia.
Os empregadores, por seu lado, se queixam dos numerosos “custos” associados à contratação de mulheres em idade fértil.
Como exemplo, citam a impossibilidade de demiti-las durante a licença maternidade, a necessidade de contratar substitutas quando “abusam” das licenças médicas por doenças de seus filhos menores de um ano, e a perda de produtividade pela permissão de uma hora diária para alimentar os menores de dois anos.
Alguns especialistas da Comissão pensam que, com a extensão da licença maternidade, muitos desses custos seriam atenuados, mas algumas organizações de mulheres temem que com isso se acabe inibindo ainda mais a contratação de mulheres e freando sua ascensão profissional, se não forem estabelecidas reformas baseadas no princípio da “corresponsabilidade”.
Até agora, Piñera se mostra partidário da reforma da legislação que obriga os empregadores a financiar berçários se têm 20 ou mais mulheres contratadas, para que esta “carga” seja compartilhada pelos pais trabalhadores.
Desde 2005, os pais chilenos têm direito a cinco dias de folga remunerada depois do nascimento do filho. Outros países, sobretudo europeus, implementaram fórmulas mais avançadas de permissões maternais e paternais compartilhados e de licenças parentais, que beneficiam ambos uma vez terminada a licença pós-natal.
Nas atas das sessões da comissão presidencial, que deve entregar seus resultados em 11 de julho, fica evidente a complexidade do tema.
Por exemplo, Francisca Dussaillant, da Faculdade de Governo da privada Universidade de Desenvolvimento, propôs que a licença maternidade estendida seja obrigatória para as mulheres de baixa renda e voluntário para as que têm renda maior, o que foi considerado discriminatório por outra integrante da Comissão.
Tampouco há clareza sobre o financiamento da prorrogação deste beneficio.
Além disso, para aumentar a participação trabalhista feminina são necessárias outras políticas públicas e mudanças culturais, afirmam os especialistas. Entre elas, a ampliação dos serviços de cuidados infantis e de outras pessoas dependentes, como idosos ou doentes, já que este trabalho não remunerado recai majoritariamente sobre as mulheres.
A isto se soma a distribuição equitativa das tarefas domésticas.
O Convênio 183 sobre Proteção da Maternidade da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entrou em vigor em 2002 e já foi ratificado por 18 países, estabelece um mínimo de 14 semanas de licença maternidade, paga pela assistência social ou por fundos públicos.
No entanto, a recomendação da OIT é que a licença seja de 18 semanas ou mais, o que na América Latina só é cumprido por Chile, Cuba e Venezuela, enquanto no Brasil e na Costa Rica é de 16 semanas. Na região, 72% dos países oferecem entre 12 e 13 semanas de licença maternidade, de acordo com um informe deste ano da organização. IPS/Envolverde
FOTO
Crédito: Presidência do Chile
Legenda: Sebastián Piñera e três grávidas durante a instalação da comissão presidencial.
(IPS/Envolverde)