Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília – As gangues do Distrito Federal, que existem há mais de duas décadas, passaram a ter maior participação de meninas. A mudança de perfil é um dos resultados apontados no livro Gangues, Gênero e Juventude: Donas de Rocha e Sujeitos Cabulosos, baseado numa pesquisa feita durante dois anos com 13 gangues de jovens moradores do Plano Piloto e da periferia de Brasília.
O livro – que será lançado nesta segunda-feira (13) pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), pela Central Única das Favelas (Cufa) e pela Secretaria de Direitos Humanos – mostra que as gangues chegam a ter 800 pessoas e, agora, são formadas também pela “ala F”.
“Há 10 anos fiz uma pesquisa e as meninas tinham um papel subordinado. Hoje é como na sociedade: elas não têm o mesmo papel que os meninos, mas dentro da gangue podem liderar as meninas”, explica a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de pesquisa da Ritla.
Segundo a pesquisadora, mesmo sendo aceitas nas gangues as meninas sofrem alguma desconfiança. “As relações de gênero estão calcadas pelo negativo e pela negação de que as meninas podem ter os mesmos papéis dos meninos, porque efetivamente elas não têm”, analisa.
Miriam Abramovay coordenou a pesquisa que entrevistou mais de 70 pessoas – 150 horas de entrevistas gravadas – e verificou que o envolvimento de jovens com as gangues passa pelo desejo de visibilidade. “Uma gangue se reúne para adquirir fama, para ter espaço na cidade, para ser conhecida e reconhecida em uma sociedade, que é do espetáculo, e todo mundo quer aparecer.”
Os jovens apelam para a pichação de paredes e de locais públicos para ocupar espaço, “o que não conseguem de outros meios”, lembra a socióloga. Segundo ela, o reconhecimento é valorizado entre os jovens. “Eles picham o nome de guerra ou apelido e o nome da gangue. Eles não picham para nós. A questão é ter fama entre eles, é conseguir pichar no lugar mais alto, mais difícil, mais importante, sair na televisão, sair no jornal e ser contra determinadas regras”, enfatizou.
A socióloga ressalta que a sociedade, o Estado, a família e a mídia têm dificuldades para lidar com essa juventude. Em sua análise, a mesma sociedade que estimula o desejo de aparecer marginaliza e criminaliza quem participa das gangues.
O Estado não tem políticas preventivas. A escola, por exemplo, parece extremamente desinteressante para esses jovens. As famílias se sentem impotentes para lidar com o envolvimento dos filhos com as gangues, ainda que saibam dos riscos que correm. E a mídia, em geral, é pautada e alimenta os preconceitos sociais contra as gangues.
Para Miriam Abramovay, é preciso uma atuação que evite criminalizar as gangues. “Quanto mais punitiva a atuação, menos chegamos perto desse jovem e dessa jovem”, salientou. O estudo faz uma série de recomendações, como projetos de inclusão social, construção coletiva de regras, atenção às famílias e reconhecimento dos adolescentes como interlocutores de suas demandas.
Edição: Andréa Quintiere