PAULO MOREIRA LEITE – Revista ÉPOCA
Em Brasília, a convenção do PT que vai oficializar o nome de Dilma Rousseff para disputar a presidência da República se apresenta assim: “Uma Celebração à mulher brasileira.”
Dilma diz que é hora de uma mulher governar
Nós sabemos a razão. Dilma está em desvantagem junto ao eleitorado feminino e precisa crescer nessa fatia da população para tentar chegar ao Planalto. Olho para o plenário da convenção, tímido e apertado para quem disputa o governo daquilo que a visão mais recente define como” potência emergente” e não páro de ver manifestações femininas e feministas. O maior contingente de cabos eleitorais que gritam pelo plenário é formado por mulheres.
A convenção não havia começado mas a veterana e conservada atriz Tassia Camargo, mestre de cerimonias do evento e que foi tres vezes capa da Playboy há quase duas décadas, puxava uma versão-mulher da mais antiga palavra de ordem do PT. O grito ficou assim: “Partido…Partido…é DAS trabalhadorAS. ” (Antes, é claro, se dizia dos trabalhadores).
Há mais: na primeira do Página 13, da corrente Articulação de Esquerda, Dilma é apresentada como PresidentA do Brasil. Coisas da língua portuguesa, me explica um dirigente da Articulação.
No telão, os organizadores oferecem um retrospecto histórico de mulheres que marcaram época, de Maria Quitéria, que lutou nas guerras da indpendencia, até Chiquinha Gonzaga. A última da lista? Dilma Rousseff, claro.
Eu acho que essa discussão do voto feminino é um diálogo entre dois fantasmas ideológicos que não tem correspondencia na realidade. São mitos que as pessoas imaginam que existem e passam a lidar com eles como se fossem problemas reais.
O primeiro: mulher vota em mulher. Claro que esse fator pode ajudar mas me parece longe de ser decisivo. Nunca vi isso, em parte alguma do mundo, nem em países onde as mulheres conquistaram direitos que estão longe de nosso horizonte concreto, como a legalização do aborto.
Nos Estados Unidos, Hillary Clinton pretendia ser a primeira presidente mulher. Não passou das primárias do Partido Democrata. Na França, os socialistas fizeram uma campanha feminista em torno de Segolène Royal. Deu Nicolas Sarkozy.
O segundo fantasma é: mulher DEVE votar em mulher? Descontando feministas dos anos 70 e 80, não consigo encontrar quem leve isso a sério. Tassia Camargo disse, a certa altura: “concordo com tudo o que as mulheres falam.”
Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, eu acho que o voto da maioria da população tem sempre um conteúdo político mais amplo e mostra que cada fatia do eleitorado procura candidatos (ou candidatas) que dêem resposta às prioridades de sua existência. Os eleitores julgam os candidatos a partir de questões concretas.
Existem vestígios de um voto feminino e de umvoto masculino, mas eles não tem a ver como feminismo nem machismo. Nem com o genero dos candidatos. Refletem a realidade concreta dos cidadãos.
A preferência que José Serra exibe junto ao eleitorado feminino não tem a ver com Dilma nem com sua imensa calvície. Tem a ver com seu desempenho como Ministro da Saúde, com alta aprovação popular, o que não acontece com o governo Lula, onde a saúde é vista como um ponto fraco.
O voto feminino é importantíssimo. No Brasil, as mulheres demoraram para conquistar o direito de votar e o fizeram, pela primeira vez, em 1934.
Como ensinam os calouros de marketing político, a prioridade de homens e mulheres na hora de votar reflete seus respectivos papéis na vida social.
Uma tarefa básica das mulheres das camadas médias e humildes — que formam o grosso do eleitorado — é cuidar da saúde da família, em especial dos filhos. Nada mais tradicional e anti-feminista, concorda? Mas é a pura realidade da vida. Basta visitar um posto de saúde para ver quem está lá para acompanhar o filho com dor de barriga ou a criança que precisa de uma vacina. As estatísticas ainda mostram que as mulheres são muito mais ocupadas com a própria saúde do que os homens.
Já os homens costumam dar prioridade a emprego e crescimento econômico e é por isso que, nessa faixa do eleitorado, as preferências se invertem: Dilma tem uma boa vantagem sobre Serra. Por que?
Porque os eleitores homens ainda se consideram — nada mais tradicional, não é mesmo? — os principais responsáveis pelo orçamento do lar, pelo dinheiro para a feira e assim por diante. A aprovação de Dilma nessa faixa envolve a alta aprovação do desempenho do governo na área econômica.
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Opção pelo lilás
Na oficialização da candidatura de Dilma à Presidência, PT “desbota” o vermelho das bandeiras e direciona o discurso para o público feminino, ainda resistente ao nome da ex-ministra de Lula
Ivan Iunes
Flávia Foreque e Vinícius Sassine – Correio Braziliense
Carlos Moura/CB/D.A Press
Dilma Rousseff é aclamada como o nome oficial do PT por um público estimado em 2.500 pessoas, reunidas em um auditório no Setor de Clubes Sul
Com olhos e discursos postados sobre o público feminino, o PT confirmou a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, no fechamento da convenção nacional do partido, ontem. O evento indicou o que deve ser a tônica da campanha para renovar a estadia no Palácio do Planalto por mais quatro anos. Para tentar avançar sobre o eleitorado feminino, que, segundo as estatísticas, pende para o lado de José Serra (PSDB), o marketing petista investiu em aproximar a candidata à imagem de personalidades que marcaram época, como Anita Garibaldi e Patrícia Galvão, a Pagú. Os discursos proferidos por Dilma e Lula também se concentraram nas mulheres. Maria da Penha, símbolo do combate à violência doméstica, foi a única pessoa de fora do meio político a participar da mesa principal. A convenção reuniu cerca de 2,5 mil pessoas e custou R$ 550 mil aos cofres do partido.
O apetite petista sobre o público feminino provocou até uma mudança sutil na identidade da legenda. Comandada pelo marqueteiro João Santana, a estratégia vem inserindo, aos poucos, a cor lilás em bandeiras, antes norteada pelo vermelho tradicional. As imagens da convenção, gravadas para serem exibidas em propaganda partidárias, incluíram até a presença de diversas meninas, vestidas com réplicas da faixa presidencial. O avanço petista sobre o público feminino é pautado sobre as últimas pesquisas de intenção de voto. Segundo levantamento do instituto Vox Populi, realizado há um mês, a petista está bem colocada no voto masculino, com 41%, mas patina entre as mulheres, grupo em que 33% declararam apoio à candidata.
Por isso, até o discurso proferido por Dilma foi permeado por símbolos femininos. “Sei que esta festa não é para homenagear uma candidata. Aqui se celebra, em primeiro lugar, a mulher brasileira!”, anunciou. Ao citar exemplos dos progressos na distribuição de renda durante a gestão de Lula, em comparação com governos anteriores, a candidata recorreu a linguagens próximas do imaginário feminino. “Sempre diziam que tinha de melhorar a casa primeiro para depois melhorar a situação. Falavam, falavam e nunca melhoravam. É impossível arrumar a casa deixando dois terços dos filhos à margem, ao relento”, apontou. O discurso ficou quatro dias em gestação e teve pinceladas de assessores diretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Franklin Martins e Marco Aurélio Garcia, além dos coordenadores de campanha, Antônio Palocci e Fernando Pimentel, e de João Santana.
Garibaldi
O diálogo feminino foi reforçado na decoração. Banners colocavam Dilma ao lado de várias mulheres famosas. A lista tinha Mãe Aninha, Pagú, Iara Iavelberg, Princesa Isabel, Chiquinha Gonzaga, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Nísia Floresta, Ana Neri, Anita Garibaldi e Luíza Mahin. Versos do
jingle de campanha, repetido à exaustão, também levavam o debate de campanha para o campo do gênero: “É a mulher e sua força verdadeira. Eu tô com Dilma, uma grande brasileira”.
Escoltada por aliados, como o vice de chapa, Michel Temer (PMDB); o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP); o presidente do PT, José Eduardo Dutra; e Lula, Dilma listou em discurso de quase uma hora os principais pontos do programa de governo. A candidata passou por temas como saúde, educação, infraestrutura, democracia, planejamento urbano, segurança pública e inovação tecnológica. Voltou a defender a necessidade das reformas política e tributária, sempre com linguagem panfletária. “Lula mudou o Brasil e o Brasil quer seguir mudando. A continuidade é a continuidade da mudança. É seguir mudando, para melhor, o emprego, a saúde, a segurança, a educação”, discursou.
Durante a semana, a petista inicia um périplo pelo continente europeu. Dilma vai passar por França, Portugal, Espanha e Bélgica e volta ao Brasil apenas no domingo. Na semana que vem, a agenda de campanha terá dois eixos: vai às tradicionais festas de São João no Nordeste e focará visitas no Sudeste e Sul, regiões em que os índices de intenção de voto ainda não favorecem a campanha governista.
Lula mudou o Brasil e o Brasil quer seguir mudando. A continuidade é a continuidade da mudança”
Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência da República
O número
R$ 550 mil
Custo da convenção para os cofres do partido
Fim de um preconceito
As mulheres que integram as fileiras do PT chegaram à convenção do partido, ontem, prontas para captar votos para a primeira candidata da sigla à Presidência. Nos dois dias antecedentes à oficialização da candidatura, 300 delas participaram de uma plenária, em Brasília, que discutiu as melhores estratégias para derrubar a resistência do eleitorado feminino. Treze pontos genéricos foram discutidos na plenária, entre eles ampliar a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão.
“Em cada estado, devemos mobilizar as mulheres dentro e fora do partido. O objetivo é fortalecer o nome de Dilma”, afirma Socorro Pimentel, 55 anos, que veio da Paraíba para participar da plenária de mulheres e para reforçar o time feminino na convenção nacional do PT.
Filiada ao PT do Pará, Adelaide Brasileiro, 61, reclamava do machismo dentro do partido. “Muitas mulheres se candidatam apenas para cumprir a cota de 30% instituída no partido. Essas mulheres acabam fazendo campanha para os companheiros homens.” A militante acredita que a candidatura de Dilma vai quebrar resistências na legenda. “Ela vai inverter essa lógica.”
O deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT até fevereiro, reconhece que a candidatura de Dilma estava pouco cotada até há bem pouco tempo. “Muita gente não acreditava que Dilma seria uma boa candidata.” Agora, segundo ele, a candidatura ganhou corpo em razão da mobilização da militância e da aliança formada com PMDB, PDT, PR, PSB e PCdoB. (VS)