''Eu sou socialista. Serra, Dilma e Marina são capitalistas''

Entrevista especial com Plínio de Arruda Sampaio

Por Redação IHU

Aos 80 anos, Plínio de Arruda Sampaio mantém-se plenamente ativo na política brasileira. Atuou na Casa Civil paulista e foi deputado federal pelo Partido Democrata Cristão antes do regime militar, quando se exilou no Chile e, depois, nos EUA. Em 1976, voltou ao Brasil, onde fundou o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e engajou-se na campanha pela abertura do regime militar e pela anistia dos condenados políticos. Participou da fundação do MDB, mas, por divergências com o então amigo Fernando Henrique Cardoso, rompeu sua ligação com o partido e entrou para o recém fundado PT, onde se tornou um dos principais dirigentes. Porém, em 2005, decepcionado com os caminhos que o partido foi tomando com a eleição de Lula, vinculou-se ao PSOL. Agora, em 2009, Plínio tem um novo desafio a sua frente: as eleições presidenciais.

Em entrevista à IHU On-Line, realizada por email, o candidato à presidência apresenta suas ideias, avalia sua saída do PT e a política de esquerda atual no Brasil. Plínio fala ainda de temas que têm discutido ao longo da sua trajetória política: a atuação de estrangeiros no Brasil e a Reforma Agrária. “O agronegócio deve ser fortemente regulado com um zoneamento agrícola que proteja o pequeno agricultor, que não tem a menor condição de competir com a mecanização altíssima dos agroexportadores”, apontou.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor define a política de esquerda no Brasil hoje?

Plínio de Arruda Sampaio – Uma política verdadeiramente de esquerda hoje começa por romper com o modelo vigente em nosso país, defendendo a suspensão do pagamento dos juros e serviços da dívida pública, que consomem 36% do orçamento anual da União, o controle do câmbio, a reestatização de empresas como a Vale do Rio Doce, a Telebrás e outras de importância estratégica para o país que foram entregues ao setor privado no governo FHC.

Além disso, temos que defender uma verdadeira Reforma Agrária, com limite das propriedades rurais de até 500 hectares. Ninguém precisa de mais do que isso para viver muito bem e ganhar muito dinheiro. E nosso país não será um país de verdade enquanto não fizer a Reforma Agrária. A educação e a saúde têm que ser públicas e gratuitas, fora do comércio. E temos que dizer à população que não há saída para os seus problemas reais no capitalismo, que o socialismo é uma necessidade.

IHU On-Line – O que o motivou, neste momento da sua história, a oficializar a candidatura à presidência?

Plínio de Arruda Sampaio – A importância de romper com o script montado para essa eleição, que impede o debate dos verdadeiros problemas e soluções para o Brasil e limita a discussão sobre as medidas técnicas. Quero fazer esse debate, ajudar a construir consciência política e mobilização social.

IHU On-Line – Que momento marca a sua saída do PT?

Plínio de Arruda Sampaio – Bom, eu fui vendo com muita tristeza a “direitização” do partido. Primeiro, com o desmonte dos núcleos, depois, com a lógica de entrar nas campanhas eleitorais para ganhar a qualquer custo, com qualquer programa e quaisquer aliados. Em seguida, veio a defesa da autonomia do Banco Central, que, para mim, foi um baque muito forte porque o PT foi o primeiro partido que não foi construído no gabinete, foi construído pelo povo trabalhador. E um país que não tem domínio sobre a sua moeda não é um país. A gota d’água foi quando disputei o PED e vi que o esquema que havia sido montado no partido não permitia a renovação da direção e a reoxigenação do partido. Por isso eu costumo dizer que não fui eu que saí do PT, foi o PT que saiu de mim.

IHU On-Line – O que falta aos movimentos sociais de hoje para que retomem o protagonismo em relação às lutas no Brasil?

Plínio de Arruda Sampaio – Essa é outra tragédia do governo Lula. Os movimentos sociais estão anestesiados, divididos ou cooptados. É necessário recompor a unidade das forças de esquerda. Por isso, vejo com muito bons olhos a criação da nova central sindical que será fundada no Congresso da Classe Trabalhadora, o CONCLAT, agora, em junho. Aí vão se juntar a Conlutas, a Intersindical, o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto], o MTL [Movimento Terra, Trabalho e Liberdade], que também é um importante movimento de luta pela reforma agrária, e vários outros. Precisamos unir a esquerda para sair desse marasmo.

IHU On-Line – Em sua opinião, como é possível acabar com a atuação dos estrangeiros nas terras brasileiras?

Plínio de Arruda Sampaio – Cada vez mais, apesar do crescimento do país, nosso destino é decidido lá fora. Isso porque se optou por um modelo de crescimento baseado na exportação de quatro produtos em particular. A soja para alimentar o boi japonês, porque eles não têm território lá para isso. A celulose para fazer papel higiênico para os “granfinos” europeus, porque a fibra da nossa celulose é longa e dá um papel de altíssima qualidade. O etanol para sustentar o modelo do automóvel, poluindo o meio ambiente, paralisando as cidades e tornando nosso país um imenso canavial. E a carne bovina, que é caríssima lá fora porque é um gado mais saudável. Enquanto não rompermos com essa dependência, não adianta nada a balela de que agora somos nós que emprestamos dinheiro para o FMI.

Emprestamos, mas a nossa dívida pública ainda consome 36% do orçamento anual, como eu já disse, o Brasil está ocupando militarmente e violentamente o Haiti há quase seis anos porque os Estados Unidos nos mandaram para lá para continuar atuando no Iraque, e o Lula aceitou. Agora, com o pré-sal, não discutimos um modelo de exploração dessa riqueza que preserve o meio ambiente e sirva efetivamente ao futuro do país, mas apenas a exploração no afogadilho para atender aos interesses do mercado norte-americano e europeu, que consomem absurdamente, sem nenhuma política de proteção às nossas fronteiras e ao meio ambiente.

Para romper com essa dominação, temos que ter um projeto de independência real, de nação, de respeito ao nosso povo trabalhador. Mas isso só é possível numa perspectiva anticapitalista. É isso que vamos defender na campanha.

IHU On-Line – Como deve ser feita, hoje, a Reforma Agrária no Brasil?

Plínio de Arruda Sampaio – Qualquer propriedade acima de 500 hectares deve ser desapropriada. Tem que haver investimento para que o homem do campo consiga plantar e vender sua plantação, sustentar-se da terra. O agronegócio deve ser fortemente regulado com um zoneamento agrícola que proteja o pequeno agricultor, que não tem a menor condição de competir com a mecanização altíssima dos agroexportadores.

Os transgênicos devem ser proibidos para nos livrar da amarra com Cargill, Monsanto e Bunge da vida. Enfim, devemos ter um outro modelo agrícola no país. Não basta só distribuir terra, e nem isso o Lula fez, porque fez menos assentamentos que o FHC. Eu relatei o projeto de reforma agrária do governo João Goulart, que não foi aplicado porque os militares deram o golpe, e o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, que o Lula me chamou pra fazer e colocou na gaveta.

E sabe por que o Brasil não fez a Reforma Agrária até hoje? Porque nenhum governo teve coragem de enfrentar o latifúndio. Nossa proposta é
enfrentar a raiz do problema.

IHU On-Line – O senhor afirma que Dilma e Serra são muito parecidos. Como você se diferencia deles?

Plínio de Arruda Sampaio – Em primeiro lugar, eu sou socialista, e eles são capitalistas. Eles defendem a autonomia do Banco Central, e eu sou contra. Eles defendem Belo Monte, a transposição do São Francisco, os transgênicos, a manutenção do pagamento religioso da dívida pública enquanto milhares de famílias têm que depender do Bolsa Família para comer, e não para se alimentar, porque arroz e feijão não alimenta, não dá as proteínas e vitaminas necessárias. Engana a fome, mas não alimenta. Eu sou contra tudo isso.

Eu participei do conselho que instituiu o programa Bolsa Família, e com orgulho, mas dentro de uma proposta de dar uma solução para o problema imediato da fome numa perspectiva de garantir a dignidade do cidadão, com emprego, educação e saúde públicos. Nada disso foi feito, e, hoje, as pessoas se sentem amarradas a um governante porque têm a necessidade daquela bolsa. Mas o que os brasileiros querem é emprego com salários decentes, educação pública decente, saúde pública decente. E o Serra, a Dilma e mesmo a Marina não vão garantir isso porque não vão se enfrentar com o capital.

IHU On-Line – E como o senhor vê a presença de Marina nessa corrida eleitoral?

Plínio de Arruda Sampaio – Saudei a saída da Marina do PT na esperança de que ela se manifestasse claramente como socialista. Decepcionei-me com o fato de que ela foi para um partido capitalista e colocou como vice um dos empresários mais ricos do Brasil.

(Envolverde/IHU-OnLine)

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