Filme vai falar da violência nos relacionamentos

Martha Mendonça – Revista Época

Diretor dos premiados Janela da Alma e Lixo Extraordinário, o documentarista João Jardim está em fase de finalização de mais um filme: Amor? – assim mesmo, com ponto de interrogação. A produção vai falar sobre as relações amorosas que envolvem violência. Nem sempre física. Nem sempre explícita. João e a jornalista Renée Castelo Branco fizeram pesquisa e coletaram depoimentos de pessoas que experimentaram a violência física ou moral com seus parceiros – sendo vítimas, agressores ou, às vezes, as duas coisas.

Julia-LemmertzComo a grande maioria dos entrevistados se recusava a mostrar o rosto, o diretor reuniu atores para interpretar seus depoimentos. Participaram as atrizes Julia Lemmertz (foto), Lília Cabral, Mariana Lima, Fabiula Nascimento, Silvia Lourenço, Leticia Colin, além dos atores Claudio Jaborandy e Angelo Antonio.

A maior parte das filmagens aconteceram em uma fazenda no interior do estado do Rio. As atrizes abriram mão de qualquer maquiagem para tratar do assunto. Os depoimentos são feitos como se fossem entrevistas reais. Quem viu o resultado garante que são emocionantes e convincentes. Amor? deve estrear em novembro deste ano. Abaixo, pequenos trechos dos depoimentos sobre situações extremas, provocadas por ciúmes, culpa, insegurança, poder…

Eu não sei o quanto é um processo consciente o que o outro faz. Mas é um processo onde o outro vai tolhendo tudo que é a vida  da outra pessoa… Vai te convencendo de que você é uma bosta, a sua auto-estima  não existe, então você passa a ser um não-ser do lado do outro, sabe assim?

Eu dei uma parada, ela falou: ‘eu te amo, por que você tá fazendo isso?’. Foi ali que eu joguei tudo pro alto, joguei faca…

…E o louco é que até a própria relação sexual foi ficando violenta, da gente começar a curtir se bater durante a transa, arranhar as costas, queimar as costas com cera de vela… mas isso era prazer, era bom. Quando a gente se batia, o sentimento não era de raiva, era de incompreensão. Tipo, ‘pelo amor de deus, eu quero me entender com você, mas você não tá entendendo o que eu tô falando.’ Era como se a gente fizesse isso pra se reaproximar.

Uma vez eu rasguei a roupa dela, não as roupas do armário, as roupas nela.  Era como se toda essa porradaria ficasse pequena perto do amor que a gente sentia, e de como as coisas eram gostosas quando a gente tava bem.

Não que eu achasse a violência atraente, o fato é que o meu pai me batia… Então, até que ponto eu poderia interpretar um tapa, um aperto forte no braço, um beliscão, um puxão de cabelo como um ‘não gostar’? ‘Oi, amor…’,  eu falei legal com ele, mas ele me olhou com muito ódio e me deu um caldo, me afundou e manteve a mão embaixo, e eu nem tava com os pés na areia nem nada, eu tentava subir e não conseguia, tentava e não conseguia.

O medo era tanto que eu não conseguia rebater mais nada o que ele falava. Eu fazia tudo o que ele mandava com medo da reação dele.

Jardim acredita que este tipo de violência acontece mais do que imaginamos, muitas vezes com pessoas bem próximas. Algo que não se conta nem para o melhor amigo. E que, para muita gente, não é dissociado do amor em si. Amor? – pergunta o título do filme. “Por que não? Talvez, sim”, responde o diretor, que falou com o Mulher 7×7:

Por que esse tema?
Sempre foi um assunto que me interessou, já lia muito sobre isso e tinha curiosidade de entender o aspecto subjetivo disso. Tentar compreender o processo. Como se chega a um ponto de violência, seja ela moral ou física. E o mais curioso: como muitas vezes o casamento se perpetua desse jeito. Achei que poderia realmente render um bom filme.

Como escolheram os entrevistados?

Procuramos instituições que tratam da violência física, mas tambem buscamos histórias dos mais diferentes aspectos entre amigos, amigos de amigos, indicações.

A maioria das vítimas é mulher?
Sim, especialmente da violência física. Mas entre os homens descobrimos muitos que sofriam agressões morais intensas – e que, num determinado momento, viravam agressores físicos. Ou não, apenas sofriam calados. Esses aspecto é importante, porque há uma tendência da vitimização feminina que, de fato, é maior, mas não é a única. No entanto, os homens não gostam de relatar os casos em que são vítimas. Os dois cujo depoimento aparece no filme são agressores. Homens não gostam do papel de vítima. Ao contrário, têm vergonha. Mas há também casais em que isso se alterna, fases da vida em que um foi algoz e o outro, vítima, e depois o jogo virou. Muito curioso.

Os entrevistados não quiseram mostrar a cara?
Não. Muito difícil. Muitos ainsa estão casados. Outros separados, mas querem preservar o outro. Optamos pela interpretação de atores porque os depoimentos são muito bons, ricos em detalhes, em intimidade. E o resultado parece mesmo de verdade. As histórias mostram como padrões se repetem e como, de certa forma, a violência equilibra determinados relacionamentos. E também como algumas pessoas vão de relacionamento a relacionamento com o mesmo comportamentos, seja agressor ou vítima. Em todos eles age igual, não conegue fugir de sua natureza. Parece que já busca o próximo parceiro com aquele potencial. Como um vício.

É amor ou não é?
Essa é a grande discussão. Eu penso, por que não? Amor é subjetivo, pode ser isso e não ser, depende da pessoa, de sua expectativa, de seu olhar. Nossa intenção não é julgar, mas investigar e tentar compreender.

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