Daniela Pastrana, da IPS
México, 28/5/2010 – “Os companheiros têm de reconhecer que tem sido ombro a ombro”, disse Emilia Peña ao descrever o papel de “empurrão para a frente” das mulheres na batalha de milhares de trabalhadores contra o fechamento de uma empresa elétrica estatal no México.
Peña tem sete meses de desemprego e 27 anos como trabalhadora da Luz e Força do Centro (LFC), uma companhia extinta por um decreto presidencial em outubro de 2009. Mas isso não tira o ânimo de passar horas inclinada sobre um cartaz.
“As trabalhadoras e os trabalhadores eletricistas sofremos uma virada de 180 graus em nossas vidas, porque nos sentíamos intocáveis, ou tocados por Deus”, disse enquanto pintava de preto e vermelho o emblema do Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME), durante a jornada do grupo de trabalhadoras que a IPS acompanhou.
“Estamos entendendo o que nossos avós sempre nos disseram: que a luta era por uma transformação social. E a nossa é uma luta dupla, pelos direitos trabalhistas conquistados em mais de cem anos e para nos definirmos como mulheres trabalhadoras”, disse Peña no quartel-general do movimento, nesta capital.
O governo do conservador Felipe Calderón decretou a extinção da LFC, que fornecia energia a 20 milhões de pessoas na Cidade do México e em Estados do centro do país, e começou com a exoneração de seus 44 mil trabalhadores, filiados ao SME, um aguerrido sindicato independente.
Ali trabalhavam cinco mil mulheres, 11% do total de funcionários. Nove em cada dez delas são chefes de família, segundo dados sindicais.
As autoridades argumentaram deterioração do serviço, atraso no pagamento por parte de grandes usuários e uma dívida extensa para passar as operações da LFC para outra companhia estatal, em uma medida criticada pela oposição política e que deu lugar a uma luta pelo direito ao trabalho com poucos antecedentes no México.
Cerca de 51,3% dos mais de 107 milhões de habitantes deste país são mulheres e em 25% dos lares elas são chefes de família. Mais de 37% da força trabalhista mexicana é feminina, mas apenas metade trabalha na economia formal e, na média, ganha 37% menos do que os homens em funções semelhantes.
Sete meses depois da liquidação da LFC, 20 mil trabalhadores seguem sua luta para serem reconduzidos aos seus postos. As mulheres são 1.500.
Elas impulsionam sua causa em universidades e sindicatos, elaboram cartazes, fazem vigílias e jornadas de informação e lideram mobilizações. Em dezembro, se reuniram com a mulher do presidente, Margarita Zavala, e promoveram uma greve de fome de 17 dias, que levou a uma falida tentativa de negociação.
“São o sal e a pimenta do movimento”, definiu Octavio Arenas, ex-chefe de projeto da LFC, que tem guardados mais de 1.300 metros de cartazes feitos desde que começou o conflito. “Elas trabalham de igual para igual. Não é fácil, são horas de trabalho e dores fortes nos joelhos e nos pulsos”, contou.
Para Peña, participar do movimento custou a ela, ainda, um enorme esforço de conciliação com suas filhas. “Elas não percebiam a importância de minha contribuição econômica para a família, até que veio o golpe”, disse.
E conta que as economias duraram dois meses, e depois o jardim de infância particular que sua neta de quatro anos frequentava “deixou de ser prioritário” e tiveram de ir para restaurantes populares do governo do Distrito Federal, sede desta capital.
“No começo se enfureceram por causa das carências e pediam que eu aceitasse a exoneração. Minha neta abraçava minhas pernas e dizia: ‘Tita, já vão te dar trabalho? Já vai ter dinheiro para me levar à escola?’ São coisas que para as mulheres pesam muito e que me faziam pensar o quanto é desumano este sistema”, contou.
“Então conversamos e disse a elas que tínhamos de ficar unidas, porque a situação está muito difícil para as mulheres. Agora elas estão dependentes de mim”, disse.
A grande campanha do governo para justificar o fechamento teve um efeito colateral: poucos empregadores aceitam contratar ex-trabalhadores da empresa.
Por isso, as eletricistas tiveram de ser criativas para conseguir dinheiro. Como Blanca Velázquez, que prepara e vende “quesadillas” (tortas de milho com diferentes recheios) na porta de sua casa, em um humilde bairro da zona leste da cidade. Ou Elena Esquivel, que vende sorvetes caseiros próximo de um centro infantil.
“A participação das mulheres nesta luta tem muitos rostos: somos trabalhadoras, mães, esposas, filhas. Nossa reação não poderia ser diferente para defender o que nossos pais fizeram”, disse Cecilia Figueroa, responsável pela Rádio SME.
Sua improvisada cabine, na praça principal da Cidade do México, funciona a poucos metros de onde estão instaladas dez trabalhadoras que, no dia 3 deste mês, aderiram à greve de fome iniciada uma semana antes por 80 companheiros.
“Esta é uma nova geração de luta, em que homens e mulheres estão lado a lado”, assegurou Celia Jiménez, a mais jovem grevista.
Na barraca onde estão alojadas há flores, bonecos de pelúcia e algumas imagens religiosas. Destaca-se um grande coração feito de cartolina, onde está escrito: “Felicidades, Mamãe”, que receberam de um companheiro em 10 de maio, Dia das Mães neste país.
Para Rocio Higuera, a mais velha, a família é um tema doloroso. Seus quatro filhos não aprovam sua participação na greve de fome. Os dois homens aceitaram mais ou menos, mas suas filhas não, explica enquanto chora. “Devo defender o direito de tomar minhas decisões”, afirmou.
“Sempre tive de lutar por isso na Luz e Força, mas no sindicato é diferente. Quando começou esta luta, as mulheres não ficaram de um lado e os companheiros de outro, ficamos do mesmo lado. Eles mesmos dizem que somos mais arrojadas”, contou Higuera, que era chefe de oficina quando foi fechada a empresa, onde trabalhou por 20 anos.
Em seguida recupera o sorriso: “Temos um lema: quando uma mulher avança, não há homem que a detenha”, afirmou. IPS/Envolverde
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Crédito: Daniela Pastrana/IPS
Legenda: As dez trabalhadoras em greve de fome.
(IPS/Envolverde)