Anencefalia Hora da decisão no STF

Supremo prepara um dos julgamentos mais polêmicos do ano, o direito à interrupção da gravidez em casos de bebês gerados sem cérebro. Relator adiantou que manterá decisão favorável

  • Luiza Seixas – Correio Braziliense
  • Carlos Moura/CB/D.A Press
    Michele e Aílton viveram o drama: “Sofrimento que não desejo a ninguém”

    Após a autorização do uso das células-tronco em pesquisas, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ainda este ano outro polêmico tema: o direito de a mulher escolher interromper a gravidez quando a anencefalia for diagnosticada. Em 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF com o pedido, e o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, concedeu liminar favorável. Porém, em julho do mesmo ano, o plenário do STF, por acreditar que a decisão precisava ser tomada por todo o colegiado, cassou a decisão. Mello já confirmou que deverá manter sua decisão e informou que o ato não pode ser considerado aborto, sob o argumento de que, se não há cérebro, não se pode dizer que se estaria tirando a vida do bebê.

    Para fornecer parâmetros para o julgamento da ação, o Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA) e a CNTS reuniram ontem, em Brasília, especialistas e autoridades para apresentarem aspectos científicos, médicos e jurídicos sobre a questão. Segundo a confederação, 65% dos fetos sem cérebro morrem ainda no útero. E, mesmo com esses dados, o Código Penal só permite o aborto quando não há forma de salvar a vida da gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. Em outros casos, é preciso entrar na Justiça, caso contrário o ato pode ser punido com pena de um a três anos de cadeia para a mulher e de um a quatro anos para o médico.

    Prazo
    Todos os participantes do encontro, incluindo o Ministério da Saúde, se disseram favoráveis à ADPF. De acordo com o assessor especial do ministro José Gomes Temporão, Adson França, o sistema de saúde brasileiro tem todas as condições necessárias para realizar um pré-natal e diagnosticar precocemente possíveis problemas na gestação. “Hoje, 96% das mulheres realizam pré-natal. Com isso, a gestante consegue ter um exame confiável e, caso diagnosticada a anencefalia, um período coerente para tomar a sua decisão, se aborta ou não. Não é possível falar em vida sem falar em direitos”, afirmou França.

    Para o obstetra e representante do GEA, Thomaz Gollop, o STF precisa entender que obrigar uma mulher a manter uma gestação nessas condições é tortura. Ele explicou que a ação não vai obrigar o aborto, mas facilitar o procedimento. “Hoje, quando a mãe decide antecipar ou interromper a gravidez de um anencéfalo, precisa recorrer à Justiça para obter a autorização. Sou a favor de que elas possam decidir de maneira autônoma. Além de ser uma notícia triste para os pais, a gravidez tem riscos para a saúde da mulher”, disse.

    Os riscos foram destacados pela coordenadora da ONG Ipas, que promove os direitos reprodutivos das mulheres, Leila Adesse. Segundo Adesse, os problemas são tanto físicos quanto mentais. “Entre eles, hemorragia e hipertensão. Além disso, imagina a cabeça de uma mulher que, de antemão, sabe que vai gerar um filho que vai nascer morto ou morrer instantes depois. É chocante”, disse Leila, que destacou ainda que, esperando a decisão da Justiça, as mulheres estendem o prazo da gravidez, o que aumenta ainda mais o risco. Além disso, o aborto após 20 semanas de gestação não é recomendado.

    Infértil
    A auxiliar de vendas Michele Gomes de Almeida, 29 anos, que passou pelo problema, afirma que até hoje chora ao lembrar da gravidez e que o sofrimento só não foi maior porque o diagnóstico aconteceu quando a decisão do ministro Marco Aurélio ainda valia. Ela decidiu interromper a gravidez quando o médico explicou que ela corria sérios riscos, como ficar infértil. “É um sofrimento que eu não desejo a ninguém. E não vejo motivo para estender esse sentimento. Nós, mães, temos que ter o direito de decisão e não ficar nas mãos da Justiça. Ainda mais nesse caso, que a gente sabe que o bebê não vai viver”, disse.

    O país tem hoje mais de 5 mil sentenças favoráveis a essas mulheres. Um número positivo segundo a coordenadora do grupo Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Jaqueline Pitanguy. Porém, ela, que fez parte do debate entre os juristas, defendeu que essa estatística não deve aumentar, e sim a lei que deveria terminar. “A legislação obriga manter a gravidez até os 9 meses, mesmo sabendo que não está sendo gerada uma vida. Eu defendo o direito de escolha, que é liberada em vários países”, afirmou.

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