Prática envolve injustiça social com as mulheres

MARILENA CORREA

Conhecer a realidade do aborto no Brasil é um enorme desafio, pois implica estudar uma prática criminalizada e cercada de tabus morais.

 

Dados sociodemográficos sintetizados das pesquisas empíricas traçam o perfil de quem precisa abortar no Brasil: mulheres entre 20 e 29 anos, em união, com média de até oito anos de estudo, trabalhadoras, que afirmam ser católicas e já tiveram pelo menos um filho.

O uso de medicamento à base de misoprostol com fins abortivos predomina, nos casos dos últimos 15 anos. Não são nem mulheres adolescentes nem profissionais do sexo, tampouco estavam em relações eventuais, predominantemente.

Seu perfil se identifica com o do contingente populacional feminino em idade reprodutiva, que precisaria ter acesso à contracepção adequadamente orientada para o exercício de uma sexualidade autônoma.

Os riscos à saúde impostos pela ilegalidade do aborto são majoritariamente vividos pelas mulheres pobres e/ou pelas que não têm acesso aos recursos médicos para realizar um aborto seguro. Como já comprovado no plano internacional, isso implica a indução do abortamento, com orientação de profissional ou agente de saúde, pelo uso de medicamento à base de misoprostol.

Aquilo que diferencia as mulheres confrontadas ao drama da necessidade do aborto é, antes de mais nada, a chance de passar de forma mais ou menos (in)segura pelo processo.

Se todas são criminalizadas e expostas a danos morais, do ponto de vista da saúde pública, podemos afirmar que, no Brasil, o aborto é a prática de saúde perpassada pelas maiores injustiças e desigualdades ligadas à situação socioeconômica das mulheres.

MARILENA CORREA , médica, psiquiatra, sanitarista, doutora em sociologia da saúde, é professora do Instituto de Medicina Social da Uerj.

 

artigo publicado em 22/5/2010 no jornal Folha  de São Paulo

 

encontramos este artigo em www.ccr.org.br – Comissão de Cidadania e Reprodução

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