Florence Thomas | Cofundadora del grupo Mujer y Sociedad
FACULTAD DE CIENCIAS HUMANAS | UNIVERSIDAD NACIONAL DE COLOMBIA Marzo, 2008.
Traduzido por Claudina Ramirez
Nunca declarei guerra aos homens; não declaro guerra a ninguém, mudo a vida: sou feminista. Não sou nem amargurada nem insatisfeita: gosto do humor, do riso, porém também sei compartilhar a dor das milhares de mulheres vítimas de violência: sou feminista. Gosto com loucura da liberdade, mas não da libertinagem: sou feminista. Eu não sou pró-aborto, sou pró-escolha porque conheço as mulheres e creio em sua enorme responsabilização: sou feminista. Eu não sou lésbica, e se fosse, qual seria o problema? Sou feminista. Sim, eu sou feminista porque não quero morrer indignada. Sou feminista e defenderei até onde eu puder o direito de as mulheres viverem livres da violência. Sou feminista, porque eu acredito que o feminismo é hoje um dos últimos humanismos nesta terra desolada e porque eu aposto num mundo misturado, feito para homens e mulheres que não têm a mesma forma de habitar o mesmo mundo, de interpretá-lo e agir sobre ele.
Sou feminista, porque eu gosto de provocar debates nos lugares onde posso fazê-los. Sou feminista para movimentar idéias e colocar a circular conceitos; para desconstruir velhos discursos e narrativas, para destruir mitos e estereótipos derrubar papéis prescritos e imaginários emprestados. Eu também sou feminista para defender os sujeitos inesperados e seu reconhecimento como sujeitos de direito como gays, lésbicas e transexuais, como idosos, como crianças, como descendentes indígenas e afro descendentes e como todas as mulheres que não desejam dar à luz mais nenhuma criança que possa ir para a guerra. Eu sou feminista e escrevo para as mulheres que não têm voz, para todas as mulheres, por suas inegáveis semelhanças e suas evidentes diferenças. Eu sou feminista, porque o feminismo é um movimento que me permite pensar também em nossas irmãs do Afeganistão, Ruanda, Croatas, Iranianas, que me permite pensar nas meninas africanas cujo clitóris foi arrancado e em todas as mulheres que são obrigadas a cobrir-se com véus, em todas as mulheres maltratadas pelo mundo, abusadas, estupradas e em todas as que pagaram com suas vidas por esta peste mundial chamada misoginia.
Sim, eu sou feminista, para que possamos ouvir outras vozes, para aprender a escrever o roteiro da humanidade, com sua complexidade, diversidade e pluralidade. Eu sou feminista para mover a razão e impedir que ela se fossilize num discurso estéril para o amor. Eu sou feminista para reconciliar razão e emoção e, humildemente, participar na construção de sujeitos “sentipensantes” como chamou Eduardo Galeano. Eu sou feminista e defensora de uma epistemologia que aceite a complexidade, ambigüidade, incerteza e desconfiança. Sei agora que não existe uma verdade única, uma História com H maiúsculo, ou um sujeito universal. Há verdades, histórias e contingências que coexistem com a história oficial tradicionalmente escrita por homens, as histórias não oficiais, histórias de vidas particulares, histórias de vida que nos ensinam muito sobre o outro lado do mundo, talvez seu lado mais humano. Por fim, sou feminista por tentar atravessar uma moral patriarcal das exclusões, dos exílios, dos órfantos e guerras, uma moralidade que nos governa há séculos. Eu tento ser uma feminista no contexto de uma modernidade que, finalmente, cumpre sua promessa para todos e todas.
Como diz Gilles Deleuze “sempre se escreve para dar vida, para liberá-la quando ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga”. Sim, vou tentar traçar para as mulheres deste país linhas de fuga que passem pela utopia. Porque acredito que um dia existirá no mundo um lugar para as mulheres, para suas palavras, suas vozes, suas demandas, seus desequilíbrios, seus transtornos, suas afirmações como seres iguais politicamente aos homens e diferentes existencialmente. Um dia, num futuro não muito distante, eu espero que deixemos de atrair e perturbar os homens, deixemos de nos dividir em mães ou putas, em Marias ou Evas, imagens que alimentaram durante séculos o imaginário patriarcal, teremos então aprendido a fazer alianças entre o que representa Maria e o que significa Eva. Teremos aprendido a ser mulheres, apenas mulheres.
Nem santas, nem bruxas ou nem putas nem virgens, nem submissas, ou histéricas, mas mulheres, resignificando este conceito, preenchendo-o com vários conteúdos capazes de refletir novas práticas de si que nossa revolução nos entregou, mulheres que não mais precisem de amos nem maridos, mas de novos companheiros dispostos a tentar reconcilar-se com elas a partir do reconhecimento imprescindível da solidão e da necessidade imperativa do amor. Por isso repito tantas vezes que ser mulher hoje é quebrar os velhos padrões do esperados para nós, é não reconhecer-se como o que foi pensado para nós, é “extraviar-se”, como tão bem expressa a feminista italiana Alessandra Bocchetti. Sim, não reconhecer-se como o que foi pensado para nós. Por isso sou uma extraviada, sou uma feminista. E o sou, com o direito também de errar.