Kátia Mello – revista ÉPOCA
Penelope Machipi, 23 anos, é uma mulher de gestos delicados e quando fala, parece sussurrar. Quem a vê pela primeira vez não imagina a trajetória e força dessa mulher nascida na zona rural da Zâmbia. Penolope veio ao Brasil como convidada do Antítodo – Mostra Internacional de Ações Culturais em Zona de conflito, que acontece nesta semana no ItaúCultural, em São Paulo. Nesta quarta-feira, ela contará como deixou as ruas onde chegou a trabalhar como prostituta para voltar aos bancos da escola e se tornar uma referência de direitos das crianças e mulheres em seu país.
Hoje essa moça é gestora do Centro de Comunicação e Tecnologia da Informação em sua cidade Samfya e membro da organização não governamental Camfed que promove a educação. No ano passado, Penelope entrou na lista da revista Fortune e do banco Godlman Sachs como uma das mulheres mais poderosas do mundo, ao lado de celebridades da política internacional, como a ex-chanceler americana Condolezza Rice e recebeu US$ 25.000 pelo prêmio de Liderança Feminina. Com essa verba Penolepe está produzindo um documentário sobre violência contra a mulher. Esse é seu segundo filme. O primeiro, Nasange inshila (em português, Eu encontrei meu caminho) foi realizado com outras 22 mulheres e aplaudido no Festival de Cinema de Burkina Faso, uma referência cinematográfica na África.
Conversei com Penelope e ela me contou um pouco mais sobre sua vida. Aos oito anos, ficou órfã de pai e mãe. Ela , então, saiu do campo para ir morar com o irmão Bruno na casa de uma tia na cidade de Samfya, na zona norte do país. Com os oito filhos da tia, ao todo eram dez crianças e assim Penelope teve que abandonar os estudos. “Minha tia não tinha como pagar nossas despesas escolares”( na Zâmbia, escola pública é paga). Aos 10 anos, ela começou a trabalhar no mercado de peixe para ajudar nas despesas da casa. Com cerca de 13 anos, ingressou na prostituição. Sobre esse período, ela preferiu não falar. Foi nessa época que conheceu a organização Camfed que apóia meninas que querem estudar. Para recuperar o tempo perdido, Penelope diz que teve que se esforçar muito mais que as outras crianças. “Estudava até meia-noite”.
Hoje, além trabalhar como professora de tecnologia em um centro que abriga cerca de 200 crianças e de seguir com a carreira de cineasta, Penelope é uma importante ativista em sua comunidade e dá palestras por toda Zâmbia. Ela afirma que se uma menina frequenta a escola, as chances de sua família inteira progredir são muito maiores, porque, segundo ela, “as mães são diretamente responsáveis pelo estudo de seus filhos”. Para produzir seu segundo documentário que aborda a violência contra a mulher, ela reuniu relatos de mulheres que foram estupradas, apanharam e receberam outros tipos de maus tratos dos companheiros. Ela me disse que em nenhum momento de seu documentário se sentiu ameaçada por contar essas atrocidades. Penelope também afirmou estar feliz por poder compartilhar seu trabalho com outras pessoas e que pretende conhecer outros cineastas aqui no Brasil que dividam suas experiências com ela.
Ao conhecer histórias como a de Penelope, penso que o que muitas pessoas precisam é apenas de uma oportunidade. Você não acha?
fotografia: Penelope Machipi, foto de Filipe Redondo/ÉPOCA