O tráfico de pessoas na Declaração de Salvador

Débora Aranha *

Adital – Durante a semana terceira semana de abril, o Centro de Convenções de Salvador se tornou território das Nações Unidas, recebendo em torno de 3.000 autoridades e técnicos das delegações de 103 países para o 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. A Declaração de Salvador, homologada na segunda-feira, 19 de abril, contém a síntese das recomendações e reconhecimentos das delegações. O documento contém 55 tópicos relacionados à justiça criminal e a garantia de direitos humanos.


No centro das discussões sobre o tráfico de pessoas durante o Congresso esteve o monitoramento da Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional e do Protocolo Adicional para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo), que completa dez anos de adoção pela Assembléia da ONU. Embora vários avanços sejam percebidos, ainda existem lacunas na implementação do Protocolo de Palermo em todo o mundo. Assim sendo, torna-se fundamental monitorar a sua implementação de forma mais efetiva. Através de sessões temáticas e consulta pública durante o encontro, as ONGs chamaram atenção para os Estados Membros para a declaração, feita na 4ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, de que uma abordagem centrada na vítima seria essencial para ter uma estratégia efetiva para proteger e atender vítimas do tráfico, tanto na implementação do Protocolo quanto no seu monitoramento. As ONGs pediram urgência na implementação de mecanismos de monitoramento em que sejam dados voz e poder de participação para a sociedade civil e as vítimas.

Na agenda oficial e paralela, experiências dos diversos países e da sociedade civil foram apresentadas e discutidas, como a experiência global do Instituto Winrock no enfrentamento ao tráfico de pessoas, o plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas, pesquisas realizadas junto a vítimas e exploradores e uma análise do impacto da internet sobre o tráfico de pessoas. O tema foi alvo ainda de vídeos e documentários exibidos durante o Congresso e de um espetáculo teatral protagonizado por jovens do Centro de Referência Integral de Adolescentes, apresentado no Teatro Iemanjá.
A Declaração de Salvador, através do item que trata do tráfico de pessoas, conclama os Estados Membros à adoção de legislação, estratégias e políticas para a prevenção do tráfico de pessoas, o indiciamento dos infratores e a proteção das vítimas do tráfico, de acordo com as diretrizes do Protocolo de Palermo. Solicita ainda que os Estados adotem uma abordagem centrada na vítima com total respeito aos direitos humanos das vítimas de tráfico, em cooperação com a sociedade civil e organizações não-governamentais.

A Declaração também dispensou atenção especial aos crimes contra crianças e adolescentes, os quais constituem quase metade das vítimas globais do tráfico humano. Esses crimes foram destacados no item 22, que conclama os Estados para que desenvolvam e fortaleçam, legislação, políticas e práticas para a punição de todas as modalidades de crime que tenham como alvo esse público, bem como para a proteção de vítimas e testemunhas infantis. Também encoraja os Estados a fornecer treinamento específico e de abordagem interdisciplinar a todos os envolvidos na administração da justiça da criança e do adolescente. A Declaração convida ainda a imprensa e sociedade civil a apoiar esforços para a proteção da criança e do adolescente contra a exposição a conteúdos que possam incitar a violência contra a mulher e a criança. Com relação à violência sexual contra crianças, a declaração reconhece que o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e o crescente uso da Internet abrem novas oportunidades para os criminosos e facilitam o crescimento de certos crimes, chama atenção para a vulnerabilidade das crianças e conclama a iniciativa privada a promover e apoiar esforços para prevenir o abuso sexual e a exploração de crianças através da internet. Para os Estados Membros, a Declaração recomenda o aperfeiçoamento as legislações nacionais e a capacitação das autoridades para combater o crime digital, em todas as suas formas, e o aperfeiçoamento da segurança das redes de computadores. Em vários pontos, foi recomendado que o UNODC forneça assistência técnica para atingir esses objetivos.

Em maio deste ano, a Declaração será submetida à 19ª sessão da Comissão das Nações Unidas, em Viena, para que seja posta em prática. Enquanto isso, para milhões de vítimas em todo o mundo desse crime bárbaro e vergonhoso, que têm esperado há mais de dez anos para que o Protocolo de Palermo se torne realidade, resta a esperança de terem suas vozes escutadas.

* Coordenadora do Projeto CATCH – Combatendo o Abuso e o Tráfico de Crianças na Bahia. Instituto Winrock Internacional

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