Por Helda Martinez, da IPS
Bogotá, 29/4/2010 – “A perda de liberdade de uma pessoa não limita seus direitos fundamentais. Mas na Colômbia existe a cultura do duplo castigo: prisão, com limitação de outros direitos”, destacou à IPS a advogada Diana Sánchez, do não governamental Comitê de Solidariedade com os Presos Políticos (CSPP).
Afastamento de onde vive sua família, superlotação, precária atenção médica, carência de higiene, vigilância masculina, assédio, limitações para intimidade de casal e repressão são algumas das agressões aos direitos humanos das mulheres colombianas encarceradas, segundo denúncias feitas aos órgãos de controle do Estado.
As críticas são similares entre presas por crimes políticos ou comuns, destacam organizações não governamentais.
A situação impulsionou uma campanha pelos Direitos e a Dignidade das Mulheres Detidas na Colômbia, que será lançada em junho e que parte de um fato: “a privação da liberdade não significa o mesmo para homens e mulheres pelos imaginários coletivos que recaem sobre uns e outras”, disseram os organizadores.
“Elas carregam o peso da sociedade moralista que as recrimina por quebrarem a ideia de mulher submissa, responsável pela ordem, pelos valores e pelo núcleo familiar”, asseguraram.
A campanha pretende chamar a atenção nacional e internacional para a situação das detentas colombianas. Nesse país de 45 milhões de habitantes, estima-se que há cerca de 76.500 pessoas presas, sendo 4.830 mulheres, 6,3% do total.
São cálculos aproximados, porque o governamental Instituto Nacional Penitenciário não fornece dados precisos, afirmou Sánchez.
O diretor do CSPP, Agustín Jiménez, destacou que, devido à política de “segurança democrática” do governo do direitista presidente Álvaro Uribe, nos “últimos seis anos cerca de duas mil mulheres entraram nas prisões por falsos julgamentos”.
Assim são chamadas as detenções arbitrárias com que o governo valoriza os êxitos de sua linha dura contra as guerrilhas esquerdistas.
María, que pediu para não ser identificada, é um destes casos. Em uma madrugada de abril de 2005 – contou à IPS – homens armados invadiram sua casa, reviraram tudo e a levaram com a única coisa suspeita que encontraram: os trabalhos de seus alunos.
María é professora, foi sindicalista e simpatizante do esquerdista Polo Democrático Alternativo. “Mas nunca fui guerrilheira”, disse decidida.
Esteve 13 dias detida nas celas do Departamento Administrativo de Segurança e depois foi enviada a uma prisão de Bogotá, onde permaneceu um ano, acusada de rebelião e terrorismo.
Depois, em meio a uma espetacular operação de blindados e sirenes foi levada a uma cidade que mal conhecia para ser julgada como “perigosa guerrilheira”.
“Sou professora, não guerrilheira”, respondia no tribunal. “Tudo foi um absurdo”, recordou, enquanto espera uma conciliação com o Estado antes de decidir se o processará.
María permaneceu 19 meses presa e depois foi libertada sem explicação nem desculpas.
Esteve presa como condenada, sem sentença, como 33,5% da população carcerária colombiana.
Enquanto isso, a superlotação “chega a números que superam os 100%” da capacidade carcerária, disse Jiménez.
“Em uma cela para duas pessoas acomodam-se sete, além de não haver espaços para estudo ou trabalho. Assim não há ressocialização, mas perda de tempo”, acrescentou Sánchez.
O Tribunal Constitucional declarou a superlotação inconstitucional em 1998, o que levou à construção de novos estabelecimentos, erguidos com projetos do Escritório Federal de Investigações dos Estados Unidos, o FBI.
“São construções com dificuldades de acesso à água nos andares altos, por exemplo. As mulheres têm de subir baldes pesados, prejudicando sua saúde ou promovendo um negócio dentro da prisão”, explicou Sánchez.
Além disso, multiplicou o traslado para centros distantes dos de detenção, onde estão seus filhos, “produzindo profundas depressões, com tentativas de suicídio, como se viveu no ano passado na prisão de Valledupar”, nordeste colombiano, disse Jiménez.
“Essa separação é a mais dolorosa”, reconheceu María. O mais novo de seus filhos tinha nove anos quando foi detida e ela ainda chora ao recordar o afastamento e a dureza das visitas.
“Era terrível. Não posso esquecer a cena de uma mulher de 24 anos de quem levavam seus pequeninos, que literalmente se agarravam às suas pernas, e a guarda tinha de arrancá-los quando a visita terminava”, contou.
Os filhos menores de três anos permanecem na prisão com as mães e depois são entregues às famílias, quando a têm, ou ao governamental Instituto de Bem-Estar Familiar, que pode dá-los em adoção.
“As crianças, as mais inocentes, são as mais pisoteadas pelo Estado. Por isso, não se concebe que muitas mulheres, por crimes menores, fiquem na prisão enquanto os criminosos de colarinho branco cumprem a pena em suas fazendas”, destacou María.
Outro problema é o “mandato de monogamia”. Quando iniciam a reclusão, as presas indicam com quem manterão encontros íntimos e, ao contrário do passado, não podem fazer mudanças enquanto estiverem presas. “Sofrem a pena adicional de manter relações sexuais com a pessoa inscrita ou ninguém mais”, disse Sánchez.
Porque as mulheres normalmente apoiam e visitam seus homens enquanto estão presos, mas em caso contrário os homens vão três ou quatro vezes e não voltam, explicou.
Quando as presas denunciam sua situação, sua vulnerabilidade aumenta com traslados para centros mais distantes e em piores condições, ou recebem um golpe se protestam pelas más condições.
Jiménez e Sánchez destacaram, entre outros problemas, que as presas suportam ainda o fim da medida que impedia a presença de guardas masculinos em prisões femininas, o que permite situações de assédio sexual e outros abusos.
Além disso, desde 2008, os cuidados com a saúde nas prisões estão nas mãos de uma empresa estatal em liquidação, com importantes consequências para as detentas.
Para impulsionar soluções, surge a campanha para recuperar a dignidade das presas colombianas. IPS/Envolverde
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Crédito: Helda Hernández/IPS
Legenda: Diana Sánchez e María, de perfil.
(IPS/Envolverde)