LAURA LOPES – revista ÉPOCA
A diretora de “Sonhos Roubados” diz que, nas comunidades carentes, algumas garotas acabam fazendo programa com homens mais velhos e conhecidos para se sustentar e satisfazer desejos de consumo, mas não veem na prostituição uma profissão. Confira a entrevista de Sandra sobre seu novo filme
Sonhos Roubados, que estreia nesta sexta-feira (23), não é sobre garotas que vivem de prostituição. Mas sobre garotas que encontram nesse trabalho uma forma de ganhar dinheiro ou de se tornarem independentes financeiramente. Jéssica (Nanda Costa, conhecida por papéis em seriados e novelas da Globo), Daiane (Amanda Diniz, que fez Narizinho, no Sítio do Pica-Pau Amarelo) e Sabrina (Kika Farias) não são prostitutas profissionais, mas fazem programas com homens mais velhos de sua comunidade para conseguir dinheiro para pagar aluguel, comprar comida ou satisfazerem seus desejos de consumo, como roupas ou tocadores de mp3, como uma forma de inclusão social. O filme, dirgido por Sandra Werneck, é baseado no livro As meninas da esquina – Diário dos sonhos, dores e aventuras de seis adolescentes no Brasil, da jornalista Eliane Trindade e publicado em 2005 (leia entrevista com ela). Sandra leu a obra quando estava lançando o documentário As meninas, sobre a gravidez de adolescentes de baixa renda no Brasil. Desde então, desejava trazer suas histórias para as telas do cinema.
Jéssica (Nanda Costa), Sabrina (Kika Farias) e Daiane (Amanda Diniz) enfrentam graves problemas familiares e sociais, mas passam uma mensagem positiva
O longa, rodado em seis semanas em Ramos e Curicica, no subúrbio do Rio de Janeiro, conta a história dessas três garotas, sendo Jéssica a mais velha, de 17 anos. Ela vive com o avô, é órfã (a mãe morreu de Aids) e tem uma filha, Britney, cujo pai é filho de uma fanática religiosa evangélica. Daiane mora com a tia e o marido dela, um covarde que abusa da garota, que tem apenas 14 anos. Ela é a personagem mais complexa do filme: sua evolução é impressionante. Numa hora parece uma criança, na outra, uma adolescente tomando atitutes maduras de gente grande. Já Sabrina se envolve com um bandido, larga o emprego e se vê grávida, sozinha e sem onde cair morta.
Tanta tragédia, no entanto, não faz o filme naufragar num dramalhão, nem as personagens se transformarem em vítimas. Pelo contrário, elas são fortes e resignadas.Sonhos Roubados passa uma mensagem positiva e mostra como é a realidade da maioria das garotas que moram em periferias do Brasil, com famílias disfuncionais, gravidez precoce, violência doméstica e privação dos estudos. Não se trata de um filme de denúncia ou que julga a condição das personagens. Ele acompanha suas trajetórias, sem fazer julgamentos. Confira a entrevista com a diretora Sandra Werneck.
MV Bill ajudou a diretora no roteiro e acabou virando ator do filme. Ele vive Ricardo, um presidiário se envolve com Jéssica (Nanda Costa, com ele na foto)
ÉPOCA – O livro As meninas da esquina, de Eliane Trindade, conta a história de seis meninas e o filme fala sobre três. Você adaptou todas as personagens em três ou escolheu três do livro e foi fiel a elas?
Sandra Werneck – Eu peguei as três primeiras personagens do livro e nessas três eu misturei um pouco: o que era bom de uma eu coloquei na outra, fiz uma adaptação com as características das outras que não apareceram. É bem baseado no livro da Eliane. Quem ler o livro vai ver as histórias lá, mas nem todas elas são como estão lá.
ÉPOCA – E como foi a sua preparação?
Sandra – Eu já tinha feito o documentárioMeninas, sobre gravidez precoce, então eu já tinha muito material. Mas eu também pesquisei a locação, fui muito à comunidade. Eu chamei o MV Bill, que entende muito desse assunto, para ver o ponto de vista masculino e acabou virando ator do filme (no papel do presidiário Ricardo, que se envolve com Jéssica).
ÉPOCA – As personagens do filme passam por muito problemas, mas são extremamente fortes e decididas ao resolverem tais problemas. Você acha que esse é um perfil das garotas das comunidades pobres?
Sandra – Sem dúvida, elas não se vitimizam. “Eu não sou a pobre coitada. Eu sou uma menina que tem que sobreviver com a falta de possibilidades. E, mesmo nesse universo, eu consigo ter alegria, cumplicidade…”
ÉPOCA – Qual das personagens você acha que é mais forte, pela qual você tem mais carinho?
Sandra – Eu tenho muito carinho pela Amanda. Ela é, de todas as personagens, uma que tem uma evolução na trama. Ela comeca criança e muda o jogo à medida que o filme vai indo. Eu acho que é o personagem mais bem construído no filme. Ela amadurece, ela cresce, ela já sabe lidar com aquele tio. Ela não fica nessa posição só de abusada. Por isso eu acho que é o personagem mais bem delineado do filme.
ÉPOCA – E como as atrizes viram essas personagens?
Sandra – A Amanda tinha só 14 anos. A gente teve tanto cuidado nessa parte de explicar, de colocar… Para a Amanda era complicado, eu tive que ter muito cuidado com ela. Era uma equipe inteira de 60 pessoas lidando com tema difícil. Mas elas reagiram muito bem, entraram no clima, pesquisavam, traziam coisas. A Nanda principalmente, ela trazia coisas que ela via, a maneira de falar. A Kika, que tem um sotaque nordestino, me perguntou se eu queria que mudasse. Eu disse que não, porque dá uma cara de que aquelas coisas acontecem no Brasil inteiro.
ÉPOCA – Vocês fizeram alguma exibição para as comunidades envolvidas?
Sandra – Sim, no Cine Odeon. Toda a comundiade que estava fazendo o filme foi à sessão e se viu lá. E isso foi legal porque a gente tinha contratado uma agência de figuração, mas quando chegamos na comunidade vimos que poderíamos usar as pessoas dali, elas que entendem da realidade de Curicica e Ramos.
Sandra – A Marieta (Severo, que faz uma cabeleireira), por exemplo, conhecia uma cabeleireira de lá e “colou” nela, ficava vendo ela trabalhar, como era o jeito dela. As meninas também, elas faziam muito laboratório. Como Curicica era a casa das meninas e estava praticamente pronta, a gente podia ensair na comunidade. E tinha horas que a Marieta falava “gente, o que é filme e o que é realidade aqui?”. A gente se sentia tão à vontade, tão protegido…