Por Ségoléne Royal
O Brasil, disse Ségolène Royal, ex-candidata à presidência da França e dirigente do Partido Socialista, é sob muitos aspectos um exemplo para o mundo e uma das inspirações para a construção de uma agenda alternativa de esquerda para uma outra mundialização. Em uma aula inaugural na Universidade Cândido Mendes, Ségolène afirmou: “no Brasil de Lula, temos o laboratório da fusão entre a eficiência econômica e a justiça social. A prova disso é o muito ambicioso Programa de Aceleração do Crescimento” que Lula e Dilma – cuja trajetória, coragem e eficiência eu admiro -, acabam de lançar.
Ségolène Royal esteve no Brasil na semana passada. Presidente do Conselho Regional de Poitou-Charantes eleita em março deste ano pelo Partido Socialista francês, numa das vitórias nas eleições regionais em que o atual presidente, Nicolas Sarkozy sofreu uma importante derrota político-eleitoral, ela foi convidada para uma para dar uma “aula inaugural” na Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, no dia 8 de abril.
A possível pré-candidata do Partido Socialista à presidência da França teceu calorosos elogios ao presidente Lula e a Dilma. Sobretudo, demonstrou um conhecimento político fecundo das diretrizes e realizações do governo brasileiro. Por isso, Carta Maior decidiu tornar essa aula acessível ao leitor brasileiro. Este acontecimento não ocupou, na mídia das 6 famílias, o lugar que ocuparia atualmente Lula, numa eventual visita a França, na grande mídia francesa. O Brasil, disse a dirigente do PS Francês, é sob muitos aspectos um exemplo para o mundo e uma das inspirações para a construção do que ela chama de uma agenda alternativa de esquerda para uma outra mundialização.
A aula inaugural na Cândido Mendes
A alternativa de esquerda à mundialização: um outro mundo é possível e urgente
Rio de Janeiro, 8 de Abril de 2010
Meus queridos amigos, meus queridos camaradas, queridos estudantes
É antes a vocês, queridos estudantes, que quero me dirigir. Agradecer-lhes de virem aqui me escutar. Agradecer-lhe por este espírito de pesquisa. Vocês são a juventude estudante, são em parte o amanhã deste país. Vocês são esta geração da crise, que cresceu na mundialização da qual vou falar, aquela que escreverá as páginas dos próximos 50 anos. Vocês são a juventude que se desenvolve nesta encruzilhada de caminhos. Que direção tomaremos juntos? A da sabedoria e do acesso a uma verdadeira civilização humana, da garantia de direitos humanos? Ou a da barbárie?
É de nossa escolha de dirigentes, mas também do aprendizado de vocês, da ética, da moral de vocês que depende em parte o mundo que vem. Vocês, a juventude estudante brasileira, e mais largamente a juventude de todo o mundo, vocês são a fortuna das nações, de onde quer que venham, qualquer que seja o seu meio social de origem.
Cada vez que eu dialogo com os jovens tenho esse desejo de reproduzir estas lições encorajadoras dadas por Nelson Mandela à juventude da África do Sul, há uns anos atrás, na Universidade de Johannesburgo: “Sejam os autores de seu próprio destino e representem a si mesmos como estrelas que clareiam o caminho de um amanhã melhor”.
Gostaria de saudar muito particularmente a Cândido Mendes, o reitor dessa universidade, fundada por sua família. Cândido Mendes, quero dizer aqui, é um autêntico humanista. E o é nas palavras e nos atos.
Li com bastante entusiasmo o livro sobre Lula e o outro Brasil, sua obra de diálogo intitulada “O Desafio da Diferença” e “Conversas sobre a Latinidade”, prefaciado por Alain Touraine, com quem escrevi em 2008 um livro de diálogo “Se a esquerda quer as idéias” – isso é um ponto comum entre nós. Nesse livro você descreve o Brasil, e é muito convincente, como o laboratório de um amanhã possível para um antídoto a um mundo globalizado em benefício dos abastados. Você mostra de maneira muito original o Brasil de Lula como o despertar “de um longo sono austral”, de uma potência-continente preparada e receptiva à contra-hegemonia de um só mundo, de um só modelo.
Eu quero saudar, querido Cândido Mendes, a indefectível esperança de sua ação de estabelecer uma verdadeira aliança de civilizações, baseada numa nova democracia planetária. Esse desafio da diferença, essa dinâmica entre a diversidade e a unidade, vivida como um enriquecimento mútuo. Cândido Mendes, você é também um grande conhecedor e amante da França. Eu quero lhe agradecer por ter lançado, já há tantos anos, os pontos de ligação entre nossos dois países, você que é ao mesmo tempo filósofo, jurista, sociólogo, pesquisador em ciência política. Eu tive a alegria de recebê-lo em Poitiers, a capital da região que presido, com nosso amigo comum, o grande sociólogo Edgar Morin, que criou em Poitiers seu laboratório de civilização.
A última vez que vim ao Brasil foi no Fórum Social Mundial de Belém, em janeiro de 2009. Os acasos de calendário fizeram com que se sucedessem em janeiro dois acontecimentos maiores que eu queria acompanhar de perto, e cujas lições, sob o pano de fundo da crise global, me tocam: a investidura de Barack Obama e o Fórum Social Mundial de Belém, no qual eu também encontrei o Presidente Lula, que me alegro de rever amanhã.
Eu vi, na capital dos EUA, a imensa mobilização popular e a esperança que os americanos de todas as origens, de todas as condições, de todas as idades se unissem; a confiança das pessoas de terem contribuído para alargar o universo dos possíveis. Eu vi, em Belém, a excepcional participação nesse Fórum Social Mundial: 130 mil cidadãos engajados, de 142 nações, 3 mil índios de todos os países que partilham da Amazônia, a forte presença das delegações francesas. Eu vi esses jovens tão numerosos, contrários às injustiças e conscientes de habitarem um mundo comum, ávidos de política, em dia com seu tempo. Eu via a riqueza dos testemunhos e das experiências iluminando três grandes temas transversais: justiça social, desenvolvimento sustentável e democracia participativa. Eu vi discutirem juntas todas as esquerdas, “utopistas, revolucionários e reformistas”, porque o que nos une é mais forte do que aquilo que nos separa.
Dessas experiências eu produzi um texto de umas sessenta páginas: “Obama, Lula, Fórum Social: Dez lições convergentes” (publicado pela Fundação Jean Jaurès e que vocês podem ler no site Désirs d’Avenir [Desejos do Amanhã]); e a primeira lição é uma frase do Presidente Lula, uma das primeiras observações que ele fez em nosso encontro em Belém: “Belém é muito mais sério que Davos!”. Aí está o coração de nosso tema. A crise global que sacode o planeta desqualifica aqueles que dão lições, que debocham das resistências dos altermundistas e nos vendem os charmes do Estado mínimo, do rebaixamento das proteções sociais, do produtivismo predador e das proezas dos mercados.
Sim, é verdade que em Davos contenta-se em constantar os estragos de uma crise gerada antes de tudo pela avidez do capitalismo financeiro selvagem, evitando a menor mea culpa, o mínimo questionamento do sistema, a menor reforma de comportamento; enquanto que, em Belém,
traça-se as pistas para as soluções. Um ano depois, os mercados operam de novo seus bônus, os bancos utilizaram o poder público para reconstituir sua capacidade nociva, e recomeçam, na maior cara de pau, as mesmas operações financeiras duvidosas, o mesmo espírito de enriquecimento frenético…Nada lhes parece servir de lição.
Esquecidas as imagens dos mortos de fome nas ruas de Bombay ou de Dakar ou do Cairo. Esquecido o afundamento de impérios financeiros, à imagem do Lehman Brothers, os rostos em pânico, as lágrimas dos salários-desemprego. Esquecidas as empresas que fecham, os empregos que desaparecem para milhares, na América, na Europa, na Ásia. Os assalariados esmagados pela mandíbula do capitalismo financeiro…como não fosse nada…
Esta é a lei de ferro do esquecimento, a desconexão do real, o retorno do virtual e da abstração.
Isso me faz pensar nesta observação de Gandhi, sempre de atualidade: “Há bens suficientes no mundo para satisfazer as necessidades de todos, mas não para satisfazer a avidez de todos”. Eu realmente acredito num outro mundo possível, numa alternativa à esquerda para impor o respeito do ser humano e do meio ambiente em todas as decisões políticas. Eu lhes proponho a consideração de cinco proposições, que se traduziriam em 5 leis da nova ordem mundial.
Primeira Proposição: “Fazer da eficiência econômica e da justiça social uma dupla inseparável”
Se começo por essa primeira lei, é porque aqui, no Brasil de Lula, temos o laboratório da fusão entre a eficiência econômica e a justiça social. A prova disso é o muito ambicioso “programa de aceleração do crescimento” que Lula e Dilma – cuja trajetória, coragem e eficiência eu admiro -, acabam de lançar, que põe privilegiadamente na energia e no social os serviços públicos de base: água, eletricidade, saneamento para todos, luz para todos, postos de saúde, creches, postos de política, em torno de 160 milhões de euros nas regiões desprovidas desses serviços.
O programa de casas populares, o “minha casa, minha vida” dobrou e passará a 2 milhões de imóveis daqui a 2014. “O plano não é uma cifra, um canteiro de obra ou uma lista, é a transformação do dinheiro público e privado em qualidade de vida e desenvolvimento”, como resumiu muito bem Dilma Roussef.
Segunda Proposição: “Reabilitar o papel do Estado”
Quem acreditaria que se discutiria hoje nos EUA a nacionalização temporária dos bancos? Quem poderia imaginar que os Estados Unidos chegaria ao ponto de intervir nas remunerações dos mais altos executivos das empresas resgatadas pelo poder público? Na aurora da revolução conservadora, Ronald Reagan designava o culpado: o Estado. Na aurora de um possível “pós-liberalismo”, que não se contenta em tapar as feridas e atenuar os choques (o que, visto da França, seria em todo caso apreciável!), é à vontade política que se retorna. Não é mais o Estado de emergência, mas o Estado antecipador, portador de uma visão de longo prazo do interesse geral, de que os países atingidos pela crise têm imperiosamente necessidade dela sair e sobretudo nela não cair de novo.
Essa é uma das significações maiores da vitória de Obama e de seu plano de recuperação energética, ao qual os EUA vão consagrar 5,6% de seu PIB – enquanto a França e a Europa penam para mobilizar 1,5% da riqueza que produzem. O que impressiona, nas propostas dos atos do presidente Obama é o papel daqui em diante estratégico do poder público. O importante, diz ele sempre, não é saber se o Estado é gordo ou magro demais, mas se ele cumpre corretamente suas obrigações. É por isso, acrescenta, que fecharemos o que não funciona e desenvolveremos o que funciona, incluindo nisso a contratação de funcionários qualificados, de que temos necessidade, para acompanhar e controlar os investimentos e os programas públicos que lançaremos. Enfraquecidos na França, os serviços públicos renascem no país em que a direita pretendia privatizá-los, em nome da luta contra “a burocracia federal” e do abandono do bem comum aos interesses particulares.
Aqui, o Brasil superou admiravelmente duas crises. Como o explica Alain Rouquié, ex-embaixador no Brasil e atual Presidente da Casa da América Latina, em seu livro intitulado
« le Brésil au 21ème siècle, naissance d’une nouveau grand » [O Brasil no Século XXI: o Nascimento de um novo Gigante”]: a crise de 2002, orquestrada por uma direita que predizia o caos se fosse Lula eleito, viveu o enlouquecimento dos mercados financeiros e conduziu o país à beira da bancarrota. Lula compreendeu que a prioridade era a restauração da confiança e seu Ministro das Finanças conseguiu uma recuperação espetacular.
Três anos mais tarde, o Brasil reembolsava por antecipação sua dívida com o FMI e anunciava que estava abrindo mão, dali em diante, dos altos custos de seus serviços; mais recentemente, emprestou dinheiro ao FMI. O país se orgulha hoje de que os empréstimos de seu Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) ultrapassam os do Banco Mundial. À crise de 2008, o país resistiu particularmente bem e rapidamente dela saiu, retomando o ritmo depois de uma breve recessão, com um crescimento da ordem de 5%.
As razões desse amortecimento do choque: um sistema bancário são, não contaminado pelos subprimes, dada a sua fraca internacionalização e à regras protetivas prudentes + políticas anticíclicas eficazes, conectando a sustentação ao consumo popular (aumento do salário mínimo e das aposentadorias, ampliação do Bolsa Família, abertura do crédito e do crédito imobiliário e para reformas nas famílias mais pobres) e um programa sustentável de investimentos públicos. Vê-se bem por esses exemplos que o Estado não é o problema mas, ao contrário, uma parte da solução.
Terceira Proposição: “Acelerar o crescimento verde”
É o potencial de emprego e de qualidade de vida do amanhã. Minha convicção sobre esse ponto não data de hoje. Em 1992, eu estava no Rio, há 18 anos, quando era Ministra do Meio Ambiente; e que cúpula da Terra foi! Eu sou uma ecologista convicta e ativa pela prioridade da excelência ambiental. Em seis anos, eu também fiz da região que presido a primeira região da Europa com planejamento do uso da energia solar, apoiando a produção do carro elétrico da empresa Heuliez, fazendo com que a empresa – caso único na França – invista seu capital na Região, no forte desenvolvimento da agricultura biológica, na construção do primeiro lyceu [centro educacional de ensino médio] com energia 100% própria, no experimento dos biocarburetos nos trens, etc.
Tudo isso para dizer a vocês que, em Copenhague, onde estive como convidada como presidente de uma Região ecologicamente exemplar (70% das ações concretas contra o aquecimento global são feitas em nível local), eu posso dizer-lhes, que Lula apareceu como um grande líder…
Lula apareceu no momento em que o Brasil é o quarto maior emissor de gases que promovem o efeito estufa, como um grande líder do século XXI, conclamando o mundo a assumir sua responsabilidade, dando o exemplo com as políticas ambientais em que o Brasil está engajado.
Rompendo com o tradicional discurso de jogar a culpa nos países ricos, sublinhando sua responsabilidade particular, o Brasil foi, em dezembro de 2009, o primeiro país emergente (ou recentemente emergido)
a se engajar também resolutamente na luta contra a mudança climática e, em seguida, a passar ao ato, impondo unilateralmente a si mesmo objetivos ambiciosos, a despeito dos resultados decepcionantes da Cúpula.
Brilhante, voluntarista, sem discurso escrito, o discurso de Lula em Copenhague foi inúmeras vezes interrompido por aplausos. Ele denunciou vivamente o G2 americanochinês, acusando-os de se imporem aos 190 outros países participantes e de “não tomarem por base senão realidades econômicas só de seus países, sem levarem em conta as responsabilidades que devemos assumir com o conjunto da humanidade”.
Ele propôs:
– redução das emissões de gases que promovem o efeito estufa em 50% daqui a 2050 (com início em 1990)
– criação de uma Organização Mundial Ambiental
– criação de um fundo para a sustentabilidade “novo e substancial” para os países pobres (com a África como prioridade) e mais vulneráveis aos efeitos da mudança climática (pequenos estados insulares, destacadamente), pois “cabe aos mais ricos financiarem os esforços desses que não o são.
Ele também disse que, se cada país deve se mobilizar, é preciso todavia estabelecer a diferença entre “os países que têm uma política industrial há 150 anos” e aqueles que ainda estão na aurora de seu desenvolvimento. Ele anunciou que o Brasil estava pronto para contribuir financeiramente com esse novo fundo de ajuda à participação dos países menos ricos na luta contra a mudança climática. Juntando o gesto à palavra, o Brasil adotou em dezembro de 2009 uma lei pela qual se obriga a reduzir suas emissões de gases promotores do efeito estufa em 36 a 39%, até 2020. Muitos outros temas concernentes ao meio ambiente poderiam ser abordados…
Quarta Proposição: “Definir e proteger os bens públicos mundiais”
A privatização desenfreada dos serviços públicos e a mercantilização crescente de todos os domínios da existência não tiveram em parte alguma os efeitos virtuosos prometidos por seus apoiadores. Há vários anos, Ricardo Petrella, um dos pensadores estimulantes do altermundismo, teorizou a noção de “bens públicos mundiais”, aplicável por exemplo à água potável, à saúde, à educação, ao meio ambiente; todos domínios submetidos a outra lógica que não a da apropriação privada.
A direita nos diz que é melhor que o mercado possa valorizar esses domínios e torná-los muito lucrativos? Vimos bem como o fizeram! Enquanto os bens fundamentais deveriam ser patrimônio comum da humanidade, vimos o encarecimento, os acordos tarifários e a exclusão daqueles que não têm meios de arcar com novos pedágios. Vimos os agricultores presos aos donos de sementes e as grandes empresas prontas a patentear tudo o que é vivo. Um exemplo dentre vários outros: os preços praticados sobre os medicamentos pelos trustes farmacêuticos envergonham o direito à saúde e condenam os doentes de Aids nos países do Sul; essa foi a razão da quebra de braço homérica que opôs o Brasil aos grandes laboratórios, e de seu engajamento na fabricação de genéricos que de fato, hoje, com o reforço de audaciosas políticas de prevenção, é um país exemplar em matéria de luta contra essa pandemia.
O Fórum social debateu abundantemente o acesso a esses bens comuns que alguns poderiam transformar em objeto de financiamento oriundos de uma tributação mundial [Taxa Tobin], ainda balbuciante, que deve ser imaginada e criada. Como os altermundistas dizem há muito tempo, “nossas vidas valem mais que o lucro”, o que, para mim, não significa que todo lucro seja ilegítimo, mas que não deve ser em função da rentabilidade mercantil que se deve apreciar os direitos fundamentais a serem garantidos.
Em 2010, do norte ao sul, a idéia de bens comuns da humanidade, objeto de uma responsabilidade coletiva (no sentido original de “solidariedade”…), tem o vento em popa, e isso é uma boa nova para o mundo.
Quinta Proposição: “A democracia participativa como condição da eficiência política”
Eu sou partidária de uma proposição feita no Forum Social: a possibilidade, para os clientes como para os assalariados dos estabelecimentos bancários, de exercerem eles também um direito de controle sobre o modo como os bancos assumem sua função de intermediação. Isso teria como resultado uma dinamização considerável do crédito às pequenas e médias empresas e uma moralização saudável da tarifação bancária! De uma maneira geral, os erros que estão na origem da crise reforçam a exigência de uma associação mais direta dos cidadãos às decisões e ao controle de seus investimentos. Essa é a condição de uma liderança legítima e de uma ação pública eficiente.
Nós estamos numa encruzilhada de caminhos, eu dizia no início a vocês, juventude deste país, e de todos os países. Nós temos as chaves, temos a capacidade de fazer operar uma verdadeira metamorfose, como diz Edgar Morin, se avançarmos com coragem, se nós, incansavelmente, derrubarmos a barreira das idéias estabelecidas, coisa bem mais difícil de derrubar do que as barreiras de pedras.
Por isso, nós nos apoiamos sobre a mais bela das forças: a força cidadã, que emerge em toda parte do planeta. Que interpela, questiona, reivindica, propõe. E à qual, aqui no Brasil, vocês ofereceram uma democracia participativa autêntica, que eu instaurei igualmente na minha Região, em cada escalão de decisão política; quer se trate do orçamento participativo, das conferências cidadãs [jurys citoyens], dos fóruns. Eu também fiz do mesmo modo toda minha campanha presidencial e regional na base dessa democracia participativa. Esse modelo que o Brasil ofereceu ao mundo, porque acreditamos na política. Porque acreditamos no poder da política, porque fazemos política. Porque estamos engajados nas associações, nos sindicatos, nos partidos, nos círculos de reflexões, porque criamos os valores da liberdade, da igualdade, da fraternidade, lá onde estamos.
Eis a realidade, escondida sob essas imagens que às vezes nos desencorajam. A realidade é que o Século XXI é o século dos cidadãos, da palavra cidadã, da força cidadã. Eu acredito na escuta dos cidadãos, na inteligência dos cidadãos, na lucidez e no desejo de amanhã dos cidadãos. Acredito nessa força propulsora, que perturba os governos e impõe o valor humano no coração de todas as decisões a serem tomadas.
É claro que tateamos, buscamos, na confusão da época; mas eu acredito na metamorfose, na mutação positiva. Se formos cada vez mais numerosos para agir. O acesso ao bem estar, aos direitos humanos fundamentais de se alimentar, de se vestir, educar, educar as crianças, supõem a segurança doméstica e internacional. O Brasil, que inscreveu na sua constituição o interdito de utilizar a energia nuclear para fins militares é exemplar.
Eu me inscrevo totalmente nesse movimento da desnuclearização do planeta, ao qual o Presidente Barack Obama deu um elã suplementar, quando de seu discurso em Praga, há um ano, em abril de 2009, falando por um mundo sem armas nucleares.
Essa é uma declaração maior, que já ecoa no mundo e nos convida a repensar o papel de cada Estado na sua diplomacia, para passar do século das destruições e dos piores horrores, coisa que o século XX, que ceifou a vida de aproximadamente 100 milhões de seres human
os, no século da vida, cujo amanhã queremos promover. Nada é mais precioso que a paz civil, a paz econômica e a paz social. E, como se sabe, não há paz sem justiça. Eis a utopia realizável a que a esquerda deve nos conduzir, mundo afora.
Tradução: Katarina Peixoto
(Envolverde/Carta Maior )