Mulher morre sem assistência em posto de saúde de Fortaleza

NATHÁLIA LOBO E LINA MOSCOSO – Diário do Nordeste

Indignação e desespero: uma verdadeira multidão de usuários cobra da coordenadora do posto de saúde

A aposentada Rita Lopes Feitosa, de 67 anos, morreu, ontem pela manhã, dentro do Centro de Saúde da Família Vicentina Campos, no Parque Dois Irmãos. Ela havia chegado cedo ao local para vacinar a filha contra o vírus H1N1, mas, por volta das 7h30, passou mal e caiu do banco de onde estava sentada.

Naquele momento, o posto de saúde estava superlotado e não havia médico no local. Apenas duas auxiliares de enfermagem e um vigia estavam na unidade. Segundo a enfermeira Socorro Veras, as auxiliares de enfermagem prestaram o primeiro atendimento à aposentada. “Elas foram orientadas por um médico, por telefone, sobre que tipo de primeiros socorros deveriam prestar àquela paciente”.

Revolta

Mesmo assim, Rita faleceu e foi colocada dentro de uma sala, ao lado da unidade de vacinação. Lá, o corpo permaneceu durante várias horas, cercado por familiares. Do lado de fora, a revolta dos usuários do posto de saúde era cada vez maior. A doméstica Roselena Oliveira de Sousa, que frequenta o local há pelo menos dez anos, reclamou muito do atendimento.

“É péssimo, os funcionários nos recebem mal e são ignorantes com a população. Minha filha está com uma ferida no útero e há dias pego sol e chuva desde a madrugada para tentar pegar uma senha. Infelizmente, não tenho opção. Aqui é o local mais próximo de casa e não temos condição de ir para outro lugar mais distante”, lamentou a empregada doméstica.

Ana Raquel Valente Alves, que aguardava atendimento, também criticou. “Este posto recebe gente do Parque Dois Irmãos, do Itaperi, da Rosalina e de outros bairros da Capital. Todo dia está lotado. Precisamos de mais atenção aqui”.

O atendimento na unidade é ruim, segundo os pacientes, que relataram também casos de maus-tratos. Eles reclamaram igualmente da superlotação diária. São apenas 20 senhas para cerca de 300 pessoas que procuram atendimento diariamente.

De acordo com os pacientes, os funcionários costumam chegar tarde para atender à população. “Os agentes de saúde chegam 9h30, a coordenadora do posto, só às 10 horas. Fica difícil até ter a quem reclamar”, denunciou Roselena.

“As responsáveis pelo posto só vêm trabalhar no dia e na hora que querem. Taí, essa senhora morreu, e até agora não chegou ninguém. Cadê a coordenadora para tomar uma providencia?”, questionou a dona-de-casa Rosa Oliveira.

Maria Neuda de Lima também não deixou por menos. “Está com uns cinco ou seis meses que minha filha está numa fila de espera. Estou aqui desde as 7 horas, e ninguém diz o que eu devo fazer, só ´espere e espere´. A gente, por acaso, vai viver o resto da vida esperando”?

Insegurança

A direção do posto alegou que o atendimento só começa uma hora mais tarde por causa da falta de segurança vivida na área. Em razão dos constantes assaltos e do sequestro que aconteceu dentro no posto, a coordenação pediu apoio à Guarda Municipal. Além disso, entrou em acordo com a Secretaria Executiva Regional (SER) VI para que os profissionais de saúde só começassem a trabalhar às 8h, no mesmo horário do guarda que trabalha no posto.

A coordenadora do posto, Creuza Abreu, afirmou que os funcionários – inclusive os quatro médicos daquele posto – costumam iniciar o expediente às 7h30, mas admitiu que não havia médico no local para prestar socorro à aposentada.

Policiais também estiveram no posto de saúde. “Vamos aguardar o resultado do exame cadavérico para saber realmente o que provocou a morte da aposentada. O caso será investigado”, disse o inspetor da Polícia Civil, Valdenir de Sousa.

CRÍTICA

Roselena Oliveira de Sousa
Empregada doméstica
“O atendimento aqui é péssimo. Os funcionários nos recebem mal e são muito ignorantes”

AVALIAÇÃO
Comissões criticam gestão pública e falta de recursos

Para o presidente da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social da Câmara Municipal de Fortaleza, o vereador Machadinho Neto (DEM), a saúde pública em Fortaleza vai mal. “O problema não está nos postos, mas na administração pública”, disse ele. O vereador afirmou que é necessária uma revisão das ações na área pela gestão municipal. “Inclusive, vamos criar uma Comissão Parlamentar de Saúde para fiscalizar, avaliar e controlar a atuação do Município”.

Segundo Machadinho Neto, a falta de assistência básica leva à ausência de atendimentos secundário e terciário. “Cerca de 85% dos pacientes não seriam transferidos se a atenção básica funcionasse”, ressaltou. Para ele, essas transferências acabam superlotando os hospitais com casos que não deveriam ser atendidos nessas unidades.

O vereador avaliou que o Governo Federal tem investido menos do que deveria na saúde pública. “Vamos gastar menos dinheiro com o SUS (Sistema Único de Saúde) em 2010 do que gastamos em 2009”. Machadinho Neto disse acreditar que é preciso uma reforma na saúde para que o investimento saia da colaboração entre municípios, estados e a União. “Os municípios têm a gestão plena da saúde, mas não o dinheiro”.

Conforme o presidente da Comissão de Seguridade Social e Saúde da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Antônio Granja, a saúde pública carece de muito mais atenção e investimentos. “Falta atenção no atendimento primário, o que acaba refletindo nas estruturas secundária e terciária. A rigor, temos boas unidades hospitalares em Fortaleza, mas elas são obrigadas a prestar atendimento a casos fora do perfil delas”.

O deputado acredita que o Município de Fortaleza não possa ser culpado, nesse caso, pela condição precária da atenção primária porque dispõe de poucos recursos. Antônio Granja sugere que haja uma maior pressão da bancada federal do Ceará na Câmara a fim de enviar mais recursos para serem investidos em saúde pública aqui.

ATENDIMENTO
Para Cremec, médicos não podem ser julgados

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec) não foi informado do fato. Porém, o vice-presidente do Cremec, Lúcio Flávio Gonzaga, acredita que como se trata de um posto de saúde, cuja especialidade é a atenção primária, não havia como realizar um atendimento de emergência.

“A senhora que morreu poderia ter passado mal em qualquer outro lugar, na rua, em sua própria casa e, nessas condições, assim com aconteceu na unidade de saúde, o atendimento de emergência demoraria de qualquer jeito. Ela teria de ser levada para um hospital.

Segundo ele, procedimento correto era a transferência da paciente para um hospital de emergência. Além disso, de acordo

com o vice-presidente do Cremec, os médicos não estavam dentro do expediente de trabalho, que só começava às 8 horas. “Eles não podem ser culpados pela falta de atendimento”, colocou o vice-presidente.

Lúcio Flávio Gonzaga disse que o procedimento previsto pelo Conselho Regional de Medicina, caso tenha havido omissão de socorro por um médico, é abrir sindicância para apurar os fatos, ouvir as partes envolvidas e tomar as providências cabíveis. No entanto, qualquer tipo de medida só será tomada quando o órgão for comunicado.

 

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