Daniela Estrada, da IPS
Santiago, 13/4/2010 – “As mulheres ajudam a reduzir a pobreza e melhoram a renda familiar, mas o fazem a um preço muito alto, porque suas jornadas totais de trabalho superam as dos homens em todos os países”, afirmou Sonia Montaño, diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da Cepal.
Montaño adiantou à IPS alguns temas que serão abordados na XI Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, que acontecerá entre os dias 13 e 16 de julho em Brasília.
A precedente reunião intergovernamental convocada pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) foi em Quito, em 2007. A Brasília virão entre 800 e um milhão de mulheres, tanto funcionárias de governos como representantes da sociedade civil, disse a socióloga boliviana.
IPS: Qual o objetivo da conferência?
SONIA MONTAÑO: Revisar os avanços ocorridos na região em matéria de igualdade de gênero. Nesta reunião os governos prestarão contas sobre os compromissos que assumiram, em particular os do Consenso de Quito, o acordo político adotado há quatro anos. Em Brasília não haverá uma avaliação panorâmica da situação da mulher, mas a lente pela qual se olhará será a dos progressos no poder econômico das mulheres.
IPS: O que mostrará a lupa neste caso?
SM: Os governos justamente decidiram por este tema porque a avaliação não é muito positiva. Há outros âmbitos onde há mais progressos, como educação e violência. Nos últimos 15 anos, a tendência geral foi de maior participação das mulheres no mercado de trabalho, um avanço importante. Elas saem para trabalhar por duas razões: por necessidade e porque estudaram. As mulheres têm mais educação do que antes e isso também é positivo.
Os problemas começam quando vemos que em todos os países a participação trabalhista remunerada feminina é menor do que a masculina. Embora haja vários obstáculos, o núcleo do problema é que os países da região ainda não resolveram o problema do cuidado. Isto é, as mulheres de todas as faixas etárias, especialmente as jovens em idade reprodutiva, não conseguiram nem os serviços do Estado nem a participação dos homens, e perderam redes familiares para poder cuidar de crianças, doentes e idosos. As mulheres jovens costumam ter mães que também trabalham, então há um vazio do cuidado.
As relações familiares se fragilizaram, há mais gente idosa e o Estado não faz investimento suficiente em matéria de cuidado. Isto faz com que as mulheres percam mobilidade, que busquem empregos perto de suas casas, mais precários, mais flexíveis, porque as únicas que compatibilizam trabalho e família são elas. A segunda dificuldade tem a ver com o fato de as mulheres ainda privilegiarem uma formação próxima ao que sempre souberam fazer: cuidar. São professoras, enfermeiras, empregadas domésticas. Isto faz com que perpetue a discriminação porque recebem um salário menor. As mulheres ajudam a reduzir a pobreza e melhoram a renda familiar, mas o fazem a um preço muito alto porque sua jornada total, isto é, a paga e a não paga, é maior do que as dos homens em todos os países.
IPS: A Cepal apresentará algum estudo a respeito?
SM: Sim, o estudo que estamos preparando chama-se “Para que Estado, para que igualdade”, e a pergunta é justamente quais as políticas trabalhistas da última década. Mas o que vemos é que na realidade não houve políticas trabalhistas propriamente ditas, mas políticas de investimento. Os Estados, em geral, se dedicaram a atrair investimento estrangeiro, abrindo nichos de trabalho nas indústrias manufatureiras de exportação, como as temporárias no Chile e as maquiadoras na América Central, mas debilitando os direitos dos e das trabalhadoras. Nas maquiadoras, as mulheres trabalham além das oito horas regulamentares, sem contrato, em condições difíceis, sob pressão e, em muitos casos, há uma enorme violação de seus direitos como pessoas, como a proibição de engravidar.
IPS: Em 2010 serão comemorados os 15 anos da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, e os dez anos do estabelecimento dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Como está o cumprimento dos compromissos assumidos pela região nessas duas ocasiões?
SM: O que vimos em março em Nova York, no 54° período de sessões da Comissão Jurídica e Social da Mulher, é que a América Latina, em comparação com outras regiões, está bem. Por vários motivos. Nos últimos sete ou oito anos, houve uma importante redução da pobreza, houve democracia e crescimento econômico. Neste contexto, mais favorável do que nos anos 80 e 90, a região conseguiu cumprir as metas educativas e avançou em participação trabalhista. Mas ficou longe em temas extremamente sérios, como a mortalidade materna que, eu diria, é das feridas que nossa região tem.
Os países que estavam bem antes de Pequim, como Uruguai, Chile e Cuba, continuam bem. Mas os que iam mal, embora tenham melhorado um pouco, continuam tendo taxas de mortalidade materna que não se justificam. Não é possível que, em um mundo onde se pode ir à Lua, alguém morra no parto. Também houve muito progresso nas leis que abordam a violência e no acesso ao crédito, mas não tanto na participação política. A média regional continua sendo de 17% e precisaríamos de mais 50 anos para chegar aos desejados 40%. Neste ritmo não estamos avançando o suficiente. IPS/Envolverde
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Crédito: Daniela Estrada/IPS
Legenda: Sonia Montaño, diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da Cepal.
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