Papa negou-se a expulsar pedófilo

Rodrigo Craveiro – Correio Braziliense

A carta, datada de 6 de novembro de 1985, traz o selo da Sacra Congregatio pro Doctrina Fidei (Congregação para a Doutrina da Fé). Endereçada ao bispo norte-americano John S. Cummins, da Diocese de Oakland (Califórnia), é assinada pelo cardeal Joseph Ratzinger. Seria mais uma mensagem burocrática entre as centenas ou milhares que deixam a Cidade do Vaticano todos os anos rumo ao destino final, não fosse pelo conteúdo comprometedor.

No texto, Ratzinger — então prefeito da Congregação e hoje papa Bento XVI — resistia a afastar o padre Stephen Miller Kiesle das funções do sacerdócio. “Esse tribunal (eclesiático), ainda que considere os argumentos apresentados a favor da remoção de grave importância, não obstante julga necessário considerar o bem da Igreja Universal, junto ao do requerente, e também é incapaz de fazer à luz do prejuízo que a concessão da dispensa pode provocar na comunidade de fiéis”, escreveu Ratzinger.

Stepher Kiesle foi preso e sentenciado três vezes, sempre por molestar sexualmente crianças. A primeira prisão ocorreu em agosto de 1978, sob a acusação de abuso contra dois meninos, lascívia e delinquência. A Justiça condenou-o a três anos de liberdade vigiada. Após o cumprimento da pena, o Vaticano pediu ao bispo Cummins informações sobre o caso. Transferido para a paróquia de Pinole, o religioso voltou a atacar: detido novamente em 2002, ele respondeu a 13 acusações de abuso sexual de menores. Dois anos depois, voltou a ser condenado por violentar uma menina em 1995, em sua casa de veraneio. Foi sentenciado a seis anos de cadeia. Hoje, Kiesle vive em Walnut Creek, onde está registrado como criminoso sexual.

Justiça
O escândalo, mais um entre vários a abalar a Santa Sé, tornou-se público no dia em que a Igreja abordou a pedofilia. “Além da atenção dada às vítimas, é preciso (…) continuar a colaborar com as autoridades civis, competentes no plano judiciário e penal, levando em consideração as especificidades jurídicas e situações nos diferentes países”, declarou Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, à Rádio do Vaticano. Ele revelou que Bento XVI está disposto a se reunir com vítimas de pedófilos.

Em entrevista ao Correio, o vaticanista americano Vincent Lapomarda, professor de Teologia no College of the Holy Cross (em Worcester, Massachusetts), afirmou que Raztinger agia no contexto da prática geral dos bispos, quando eles perceberam a necessidade de uma nova política em relação a padres problemáticos. “Ninguém pode julgá-lo somente de acordo com o contexto e as práticas atuais, mas também em conformidade com o que ocorria na década de 1980”, defendeu. Lapomarda duvida que o caso de Kiesle faça diferença no que ele considera já ser uma catástrofe. “A Igreja enfrentou crises no passado, sobreviveu e continuará sobrevivendo.”

Trechos da carta de Ratzinger

“Esse tribunal (eclesiático), ainda que considere os argumentos apresentados a favor da remoção de grave importância, não obstante julga necessário considerar o bem da Igreja Universal, junto ao do requerente, e também é incapaz de fazer à luz do prejuízo que a concessão da dispensa pode provocar na comunidade de fiéis”

“É necessário que essa Congregação submeta incidentes desse tipo a uma avaliação muito cuidadosa, que demanda um maior período de tempo”

“Enquanto isso, Sua Excelência não deve falhar em fornecer ao requerente (o padre Stephen Kiesle) o mais paternal cuidado possível”

 


Vinde a eles as criancinhas?

Frei Betto *

As sucessivas denúncias de pedofilia e abuso sexual cometidos por sacerdotes e acobertados por bispos e cardeais envergonham a Igreja Católica e abalam a fé de inúmeros fiéis.
No caso da Irlanda, onde mais de 2 mil crianças entregues aos cuidados de internatos religiosos foram vítimas da prática criminosa de assédio sexual, o papa Bento XVI divulgou documento em que pede perdão em nome da Igreja, repudia como abominável o que ocorreu e exige indenização às vítimas.

Faltou ao pontífice determinar punições da Igreja aos culpados, ainda que tenha consentido em submetê-los às leis civis. O clamor das vítimas e de suas famílias exige que a Santa Sé aja com rigor: suspensão imediata do ministério sacerdotal, afastamento das atividades pastorais e sujeição às leis civis que punem tais práticas hediondas.

A crescente laicização da sociedade europeia reduz drasticamente o número de fiéis católicos e a freqüência à igreja. O catolicismo europeu, atrelado a uma espiritualidade moralista e a uma teologia acadêmica, afastado do mundo dos pobres e imbuído de um saudosismo ultramontano que o faz ignorar o Concilio Vaticano II, perde sempre mais o entusiasmo evangélico e a ousadia profética.

Dominado por movimentos fundamentalistas que cultivam a fé em Jesus, mas não a fé de Jesus, o catolicismo europeu cheira a heresia ao incensar a papolatria e encarar o mundo não mais como vale de lágrimas e sim como refém de um relativismo que corrói as noções de autoridade, pecado e culpa.
Ao olvidar a dimensão social do pecado, como a injustiça, a opressão, o latifúndio improdutivo ou a apologia da desigualdade, o catolicismo liberal centrou sua pregação na obsessão sexual. Como se Deus tivesse incorrido em erro ao tornar a sexualidade prazerosa.

Como o Espírito Santo se vale de vias transversas para renovar a Igreja, tomara que as denúncias de pedofilia eclesiástica sirvam para pôr fim ao celibato obrigatório do clero diocesano, permitir a ordenação sacerdotal de homens e mulheres casados e ultrapassar o princípio doutrinário, ainda vigente, de que, no matrimônio, as relações sexuais são admissíveis apenas quando visam à procriação.

Ora, tivesse Deus de acordo com tal princípio, não teria feito do gênero humano uma exceção na espécie animal e, portanto, destituiria o homem e a mulher da capacidade de amar e expressar o amor por meio de carícias e incutiria neles o cio próprio dos períodos procriatórios dos bichos, o que os faz se acasalar.

Jesus foi celibatário, mas é uma falácia deduzir que pretendeu impor sua opção aos apóstolos. Tanto que, segundo o evangelho de Marcos, curou a sogra de Pedro (1, 29-31). Ora, se tinha sogra, Pedro tinha mulher. E ainda foi escolhido como primeiro cabeça da Igreja.

Os evangelhos citam as mulheres que integravam o grupo de discípulos de Jesus: Suzana, Joana etc. (Lucas 8, 1-3). E deixam claro que a primeira pessoa a anunciar Jesus como Deus entre nós foi uma apóstola, a samaritana (João 4, 39).

Nos seminários e casas de formação do clero e de religiosos é preciso avaliar se o que se pretende é formar padres ou cristãos, uma casta sacerdotal ou evangelizadores, pessoas submissas ao figurino romano ou homens e mulheres dotados de profunda espiritualidade evangélica, afeitos à vida de oração e comprometidos com os direitos dos pobres.

No tempo de Jesus, as crianças eram desprezadas por sua ignorância e repudiadas pelos mestres espirituais. Jesus agiu na contramão dos preceitos vigentes ao permitir que as crianças dele se aproximassem e ao citá-las como exemplo de fidelidade a Deus. Porém, deixou claro que seria preferível amarrar uma pedra no pescoço e se atirar na água do que escandalizar uma delas (Marcos 9, 42).

As sequelas psíquicas e espirituais daqueles que confiaram em sacerdotes tarados são indeléveis e de alto custo no tratamento terapêutico prolongado. As vítimas fazem muito bem ao exigir indenização. Resta à Igreja punir os culpados e cuidar para que tais aberrações não se repitam.

[Autor de Um homem chamado Jesus (Rocco), entre outros livros.
Transcrito do jornal ‘Estado de Minas’ em 08/04/2010].

* Escritor e assessor de movimentos sociais

artigo publicado em ADITAL – http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=46808

PESADELOS DA IGREJA Pedofilia, demofobia e fotofobia

No domingo (28/3), o “Segundo Caderno” de O Globo trouxe uma seção de heresias hilariantes. Ou seriam apostasias cômicas? A ver. Na contracapa do caderno, sob o título de “Entrando pelo Vaticano”, na seção de humor assinada pelo fictício “Agamenon Mendes Pedreira”, lá estavam, enfileiradas, piadas impiedosas contra as autoridades eclesiásticas. Ao menos a meu juízo, eram engraçadas.

Também a meu juízo, eram de gosto um tanto duvidoso. De qualquer maneira, não interessa, aqui, saber se elas são ou não são de mau gosto – o que é impossível definir, uma vez que se trata de uma questão, como já se disse, de gosto. Também não interessa a discussão sobre a “qualidade” dessa escola de humorismo. Não importa saber se a sátira, nesse caso, “funciona” ou não funciona. Comigo funcionou. Mas terá funcionado igualmente para todos? Será que o leitor médio do jornal gargalhou ou ficou chocado, tomado por alguma faísca de ira santa? Será difícil saber.

O que interessa, e só por isso toco no assunto, é registrar que uma barreira histórica desmoronou. Há poucos anos, seria impensável que um grande diário publicasse enxovalhos tão corrosivos contra bispos, cardeais e o próprio papa. O jornal pensaria duas, três, oitenta vezes – e depois teria medo de ofender seu leitorado. Teria medo de perdê-lo. Agora, esse medo já não se coloca – e é aí que a barreira caiu.

O noticiário vasto e demolidor sobre crimes sexuais cometidos por sacerdotes – e também sobre as tentativas de abafar esses abusos – já cuidou de nocautear o leitorado mais apegado às tradições católicas e, por isso mesmo, já tratou de legitimar o humorismo. As batinas agora se prestam à galhofa das publicações do mainstream. Já estão bastante indignados com os fatos, os leitores não vão perder tempo com os piadistas. Sabem bem que a falta de respeito não foi inventada pelos humoristas, mas começou pela conduta dos próprios religiosos, tanto os que abusaram de crianças como os que os acobertaram.

No meio disso, a coluna do popular Agamenon serve de sinal dos tempos. Cito um trecho:

“Consternado diante de tantos escândalos sexuais, o Papa Bento XVI centímetros foi até a sacada do Vaticano e perguntou à multidão de fiéis na Praça São Pedro: `Tem culpa, eu?´. Vários sacristãos se ofereceram em sacrifício. Enciumados, os padres brasileiros não quiseram ficar atrás (mas depois trocaram). O Bispo de Arapiroca, quer dizer, Arapiraca, colocou na Internet um vídeo onde faz sexo com menores.”

É mole?

É tudo campanha da imprensa?

Comecei este artigo dizendo que a seção de O Globo trazia heresias hilariantes – ou mesmo apostasias cômicas. Não creio que tenha sido uma qualificação bem posta. Somente a Santa Sé pode definir o que é uma conduta herética, e, como bem sabe o leitor, eu não a represento. Quanto ao que é cômico ou hilário, isso depende. Não da Santa Sé. Isso depende mais de você do que de mim. Assim, não tento mais qualificar nada disso. Apenas sei que, há bem pouco tempo, essas palavras passariam por heréticas, isso passariam. Seus autores teriam que ajoelhar no milho. Suas posses seriam confiscadas. Confessariam pactos com o demônio na roda da tortura. Hoje, entretanto, a santidade dos que representam Deus na Terra está em xeque. E o pessoal morre de rir. Sinal dos tempos, sem dúvida.

Não nos ocupemos então de analisar o pesadelo do Vaticano. Não especulemos se toda a sua imensa fortuna irá se desfazer em indenizações a dezenas de milhares de seres humanos seviciados em sacristias ou casas paroquiais. A revista Veja desta semana (nº 2158, de 31/3/2010) conta que, só nos Estados Unidos, a igreja católica desembolsou mais de 2,5 bilhões de dólares em indenizações e custas processuais. Deixemos isso para lá. Ocupemo-nos um pouco mais do humor que agora fervilha nos jornais.

O humor – na TV, na internet, nos meios impressos – é um termômetro bastante confiável das inclinações do público. Se bem observado, se bem lido, equivale a uma boa pesquisa de opinião. Ninguém caçoa tão desbragadamente de figuras sacrossantas ou impolutas. Caçoa-se a boca pequena, é verdade, mas não assim, aos quatro ventos, a todos os sinos. Os jornais mais tradicionais muito menos caçoam, exatamente porque se arriscariam a perder a platéia. Mas hoje qualquer um faz piada do papa, sem pedir licença para bispo algum. É assim que o crescimento das piadas sobre o Vaticano aponta uma tendência. Uma tendência inequívoca: a igreja e o papa enfrentam uma onda de desmoralização.

Eis então que, como sempre acontece nesse tipo de desgaste a céu aberto, surgem as tentativas de pôr a culpa de tudo na imprensa. A reação é tímida, não é raivosa, mas ela tenta insistir na velha tecla: é tudo uma campanha da “mídia”. O curioso, agora, é que mesmo os prelados que acusam a imprensa de campanha anticatólica reconhecem que a crise de fato é tenebrosa, que um pedaço do inferno aparece nesse dilúvio de fogo e metal pesado que desaba na Praça São Pedro.

Há poucos dias, o portal G1 publicou uma nota da France Presse:

“Os bispos da França expressaram nesta sexta-feira (26) vergonha e pesar ante os atos abomináveis de pedofilia dentro da Igreja Católica, em carta dirigida ao Papa Bento XVI, ao término de sua assembleia geral realizada em Lourdes (sudoeste).

“`Todos sentimos vergonha e pesar ante os atos abomináveis cometidos por alguns padres e religiosos´, afirmam os bispos franceses, que, na mesma carta, defenderam o papa contra os ataques que sofreu neste caso.

“`Constatamos também que estes fatos inadmissíveis são utilizados em uma campanha para atacar o senhor e sua missão à serviço da Igreja.´”

Campanha? Parece que, desta vez, a alegação não colou.

Ouço agora,
enquanto escrevo, no Jornal da Band (terça à noite, 30/3), que a Alemanha inaugurou uma espécie de “disque pedofilia” para recolher denúncias dos fiéis. Se é só uma campanha, para que abrir linhas telefônicas para os prejudicados reclamarem?

Pecadores que têm medo do povo

Usei os termos demofobia e fotofobia no título deste artigo, mas já estou arrependido. Penitencio-me. Este texto já está comprido demais e agora terei de alongá-lo ainda um tanto só para explicar o que é que eu quis dizer com o tal do título.

Por demofobia eu pretendia designar, menos que o medo de multidões, o medo dos olhos do povo. Por isso escrevi também fotofobia. Medo da luz. Medo da luz que esclareça o povo. Medo da luz nas câmaras do clero. Assim, quando batuquei aquele título ali em cima eu tinha na cabeça essa idéia, a de que a pedofilia é amparada e abrigada pelo medo que seus praticantes sentem do povo. Mais que medo, eles concentram uma força que repele o povo, que o rebaixa, que não vê na consciência dos cidadãos reunidos em público uma instância capaz de julgar. Sim, eles têm medo da luz. O trâmite ultra-secreto dos julgamentos internos que a igreja promove não nos deixa, a nós do povo, uma única pista, nenhuma informação sobre crimes praticados contra muitos de nós. A gente não sabe quase nada. E, do pouco que sabemos, quanto mais não há?

Quem tem medo dos olhos do povo também tem medo da imprensa. E diz que a imprensa apenas vocaliza campanhas sórdidas. Francamente, sou obrigado a admitir, está para surgir uma instituição mais permeada de pecados do que a própria imprensa. Ela peca por despreparo, muitas vezes. Peca por histeria programada também. Ela persegue inocentes e faz a apologia dos linchamentos morais. Atropela, desrespeita, avilta, insulta. Mas, em meio a tanta escuridão, em meio a tanta violência contra gente pequenina, desprotegida, frágil, ela, a imprensa, com sua voz estridente e por vezes tresloucada, é uma lamparina a nos guiar pelos porões. Que não seja para nos apresentá-los em detalhes, mas pelo menos para nos mostrar a rota de fuga.

Todos nós, pecadores miseráveis, que já abaixamos a cabeça e dissemos “amém” às pregações de um homem de batina, todos nós temos o direito de saber. Bendita seja a imprensa. Mesmo quando caçoa.

Por Eugênio Bucci

1/4/2010 no Observatório da Imprensa

 

fonte: http://www.catolicasonline.org.br/ExibicaoNoticia.aspx?cod=826

 

Maceió:  Padre alemão é denunciado por pedofilia

 

11h – 9 de abril de 2010

A mais nova denúncia contra membros da Igreja Católica ocorreu em Craíbas, localizada a 150 km de Maceió. De acordo com as investigações, o padre alemão Benedikt Lennartz teria em sua casa mais de 1,3 mil fotos com cenas de sexo explícito ou pornografia infantil com meninos.

O caso vem sendo investigado desde 2009 e até o momento nenhuma medida foi tomada contra o acusado, que inclusive permanece nas suas funções, o que mostra a total conivência da Igreja com os casos de abuso sexual envolvendo os padres.

Os escândalos de abusos sexuais envolvendo padres estão aumentando cada vez mais. No mundo inteiro padres estão sendo denunciados por pedofilia, mais uma demonstração do caráter direitista da Igreja

fonte: www.pco.org.br

 


O Vaticano continua o mesmo
09/04/2010 14:01:50

 

Mino Carta

Philip pullman, escritor inglês dos bons, escreveu um livro intitulado The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ, O Bom Jesus e o Pilantra Cristo. Há quem diga que se trata de obra blasfema. Em compensação a crítica Charlotte Higgins do The Guardian define o livro como “fascinante, de prosa próxima daquela dos irmãos Grimm”, enquanto o arcebispo da Canterbury, Rowan Williams, primaz anglicano, afirma: “Texto emocionante, marcado por uma genuína espiritualidade”.

O título expõe o propósito: diferenciar Jesus, “verdadeiro revolucionário”, do Cristo de quem a Igreja se apossou, depois de Paulo de Tarso ter inventado um salvador filho de Deus. Paulo, militar como Ignacio de Loyola, general do exército da Contrarreforma. Clara está a revolução de Jesus, pregador da igualdade em um mundo profundamente desigual. Os outros dois eram talhados para a guerra.

Neste momento, atingida pelas consequências do escândalo dos padres pedófilos, a Igreja Romana, por meio de purpurados porta-vozes, declara-se alvo de uma campanha política, ousada a ponto de pretender desestabilizá-la. Se as críticas têm conteúdo político, nada mais justo. Pois a Igreja é, no mínimo desde o momento em que se tornou a religião oficial do Império Romano no começo do IV século depois de Cristo, um poder eminentemente político, e temporal desde o VIII século, quando começou a se expandir territorialmente.

Poder totalitário, feroz na perseguição de ideias discordantes, na condenação da “heresia”, na estratégia do genocídio, original igual ao pecado, com os autos de fé na Espanha e em Portugal, e amiúde devasso em turvos momentos de libertinagem desbragada. E sempre tragicamente anacrônico, como se seus dogmas, aceitáveis somente à luz da fé, representassem a realidade conquistada, com muito risco e dor, pela razão.

As mudanças atuais em relação ao obscurantismo de séculos atrás são sobretudo formais. A irredutível oposição eclesiástica ao progresso científico, a intransigência quanto a comportamentos de vida civilizada e democrática ganharam feições novas só na aparência. Escreve Timothy Shriver, católico praticante e editorialista do Washington Post: “Se esta Igreja, com sua atual hierarquia, com seu papa e seus bispos, não saberá confessar a Verdade; se continuará a esconder suas culpas como Nixon no escândalo Watergate; se provar ser mais devotada ao poder do que a Deus, então nós, católicos, teremos de procurar alhures um guia espiritual”.

Shriver é filho de Eunice Kennedy, irmã de John e fundadora do Special Olimpics, a paraolimpíada da qual hoje ele é presidente. E escreve: “Nós temos fé em Deus, e não em uma hierarquia que perdeu a credibilidade e parece mais interessada em conservar o poder do que viver conforme o espírito dos Evangelhos”. Do lado oposto manifesta-se, entre outros, o cardeal Angelo Sodano, 83 anos, que até 2006 foi secretário de Estado do Vaticano. Segundo Sodano, os atuais “ataques” a Bento XVI recordam aqueles desferidos contra Pio XII, que silenciou diante do shoah e que Ratzinger proclamou “venerável”, a caminho da santidade, no ano passado. Ou contra Paulo VI, que na encíclica Humane Vitae excomungou a camisinha.

Observe-se que os papas nem sempre entendem-se entre si. Papa João XXIII, de saudosa memória, via em padre Pio de Pietralcina um impostor. João Paulo II fez dele um santo. Quanto a Pio XII, considerava o nazismo um baluarte contra o comunismo. Política? Política. A ex-presidente das comunidades judias da Itália, Tullia Zevi, do alto dos seus 91 anos, pondera, com a devida ironia: “Enfim, quem decide quem é santo?”

“Por que o papa – pergunta Zevi – não cuida de perceber que o celibato é contra a natureza?” Mas é do conhecimento até do mundo mi

neral que o celibato correspondeu a uma injunção econômica: a ideia da família implica graus de independência, financeira inclusive, inaceitáveis para os donos do poder eclesiástico, que querem todas as rédeas em suas mãos.

De todo modo, o escândalo da pedofilia, antigo e deliberadamente ignorado, é brasa debaixo das cinzas a faiscar até menos do que tantos outros. Por exemplo, as ligações do banco vaticano com o crime organizado, a envolver lavagem de dinheiro e até assassínios. Ou as insuportáveis interferências na vida política de vários países, a começar por Itália e Espanha, onde o Estado se diz laico, mas os governos sofrem as pressões de batina e frequentemente se ajoelham, obedientes e compungidos.

 


Fora de controle

Folha Universal

Denúncias de abusos sexuais cometidos por padres não param de crescer no Brasil e no mundo

Nas últimas semanas o mundo tem sido atingido por uma série de denúncias de pedofilia envolvendo padres ou ajudantes da Igreja Católica. 

Um dos países que mais contabilizou vítimas foi a Irlanda, onde o governo fala em 300 casos oficiais, mas organizações independentes estimam que o número chegue aos milhares. 

Por toda a Europa, representantes de diversos países anunciaram que investigarão as denúncias, que não param de pipocar. 

A atual onda de revelações é a pior desde os casos dos Estados Unidos, que vieram à tona no começo desse século. 

Desta vez, no entanto, o escândalo chega perto do Papa Bento XVI, que teria ajudado a encobrir denúncias (veja mais na página 24). 

No último dia 4, o “Domingo espetacular”, da “Rede Record”, mostrou casos em quatro cidades brasileiras. 

Em Arapiraca (AL), o monsenhor Luis Marques Barbosa, de 82 anos, foi gravado mantendo relações sexuais com um ex-coroinha de 18 anos. 

Os abusos teriam começado quando ele tinha 12. 

Na cidade de Marliuz (PR), a família de um garoto de 16 anos e portador de deficiência mental afirma ter sido humilhada por um bispo católico depois de denunciar abusos do padre Raimundo dos Reis. 

“Ele disse que nós estávamos mentindo e que nossa família ia pagar”, disse o pai, que não quis ter a identidade revelada. 

Em Franca (SP), cinco meninos com idades entre 13 e 16 anos afirmam que foram abusados pelo padre José Afonso Dé, de 74 anos. 

Em Rio Claro (SP), o diretor de uma escola católica particular, padre Hélio de Oliveira, foi condenado a 16 anos de prisão em 2004 por abusar de pelo menos três crianças com idades entre 8 e 10 anos.

 

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