Isabel Clemente | revita Época
Maternidade na adolescência – qual o problema? A pergunta é titulo (na minha livre tradução) de um livro lançado mês passado na Inglaterra, por especialistas da London School of Economics, um centro de excelência acadêmica reconhecido no mundo todo. Lá no Reino Unido como aqui no Brasil, gravidez precoce é alvo das preocupações das autoridades por motivos óbvios e outros nem tanto. A incidência de gravidez entre adolescentes despreparadas muitas vezes é uma das conseqüências da prostituição infantil, do abuso, do abandono familiar, quando não for motivo de morte provocada por abortos clandestinos. Esse índice no Brasil, felizmente, está em queda. É um dos muitos indicadores sociais ruins do país que cede, ainda que num ritmo aquém do esperado. A Inglaterra é um dos países europeus com o mais alto percentual de gravidez entre adolescentes.
O livro questiona essa tendência das autoridades de tratar a gravidez adolescente pela ótica de um esteriótipo social, como se toda jovem mãe fosse um mal para a sociedade. Essa abordagem me chamou a atenção.
Ao se libertar do preconceito e encarar a gravidez precoce como uma oportunidade para muitas jovens mães, os autores oferecem uma redenção para as famílias que, mesmo sem padecer do abandono do estado, mesmo sem ter suas meninas na topo da pirâmide dos problemas sociais, se vêem frente a frente com este que é, sem dúvida, um dilema.
“Estereótipos que traçam essas jovens mulheres como pobres e ignorantes, imorais, que se aventuraram pelo sexo casual colocando no mundo bebês que não terão condições de cuidar é a base dos pensamentos sobre maternidade e gravidez na adolescência. No entanto, esses estereótipos não se sustentam”, diz a doutora Claire Alexander, uma das autoras do livro. “Maternidade precoce pode não só fazer sentido como ser um incentivo para mães e pais adolescentes se esforçarem a fim de prover uma vida melhor para seus filhos”.
Quem de nós não conhece uma adolescente que engravidou? De cabeça, eu me lembro de três casos bem próximos. Eu não recomendo para ninguém. Não passei pela situação, mas hoje conheço muito bem a rotina de mãe e lembro da minha adolescência como se fosse ontem (nada de sorrisos sarcásticos, por favor). Não é fácil. Mesmo quando estou cansada, impaciente e irritada com minha filha mais velha que chamou de feio o vestido que comprei com tanto carinho, nunca me passou pela cabeça “não ser mãe”. Não fui pega de surpresa pela maternidade. Topei encarar madrugadas insones, choros sem bula, a dor do parto. Abri mão da vida social fora do horário comercial, das viagens a dois para viver intensamente essa delícia da vida em família, cheia de cenas patéticas, engraçadas, desafiadoras e estimulantes. E mais: não estou sozinha nessa. Tenho um companheiro com quem dividir tudo isso e muito mais. Como seria encarar tudo isso se o mais importante para mim fosse desfrutar da vida em grupo, dessa tendência gregária dos adolescentes em busca de paixões e aventuras? Minha resposta? Não sei. Costumo acreditar na máxima dos meus pais: cada coisa no seu tempo.
A realidade das adolescentes inglesas, em contraste com a vida das jovens mães brasileiras, merece várias observações. Mas não vem ao caso. Ao propor que o “problema” seja visto como uma oportunidade, os autores trabalham em profundidade uma teoria das mais válidas em qualquer cultura: é preciso crescer nas adversidades.
O ano era 1990. Éramos todos adolescentes e tínhamos o vestibular pela frente. Alunos de uma escola pública de elite do Rio de Janeiro, poucos entre nós nutria alguma dúvida de que não passaria na peneira da seleção para as melhores universidades. Com espanto, soubemos que uma das melhores alunas estava grávida. Como assim? E agora? Eu não era tão chegada a ponto de acompanhar e compreender todos os desdobramentos do que iria acontecer na vida dela. Ser mãe não era parte dos planos de ninguém, certamente, e a proximidade de uma história que poderia ser nossa também foi motivo de muitas conversas. Passamos todos no vestibular. Fomos visitar a neném. E cada um seguiu seu rumo. Uns vivendo as intensas rodas sociais dos 20 anos. Ela, entre fraldas, mamadas e responsabilidades. Profissional bem-sucedida, inteligente e meiga no falar, Sheila, a ex-adolescente grávida, foi mãe pela segunda vez há um ano. Pedi a ela um depoimento para o blog. Adolescente revoltada? Nada. A mulher forte que conheço até hoje começou a ser forjada ali, no pátio do colégio, com uma enorme barriga concorrendo com as preocupações do vestibular. Eis o que ela tem a dizer para a gente.
“Foi como se o céu caísse sobre a minha cabeça. Eu tinha 19 anos quando a Gabriela nasceu e estava no 3o. ano do segundo grau. O sentimento mais forte era de vergonha, ainda mais porque minha educação foi no estilo religiosa-hipócrita e sexo era tabu lá em casa. Nunca se falava sobre isso. Minha mãe disse certa vez que se eu tivesse qualquer dúvida era só perguntar, mas estava no ar que o assunto era proibitivo.
Quis primeiro mudar de colégio para não ficar envergonhada na frente dos colegas. Cheguei a visitar outras escolas, mas desisti. Nada me parecia tão bom quanto o meu colégio. Eu dormia muito também durante a gravidez. Acho que eu estava com um quadro de depressão, ainda mais porque minha família deliberadamente se afastou de mim.
Mas algo inesperado realmente se passou. Apesar da gravidez ter rompido abruptamente a minha adolescência, eu me sentia muito forte, muito capaz de superar sozinha todas as dificuldades e tinha certeza absoluta que eu daria conta da situação, mesmo sem ajuda da família.
Arrisco dizer que em nenhum outro momento da minha vida me senti tão segura. Triste, envergonhada, rejeitada pela família, culpada por decepcioná-la, mas absolutamente segura da minha capacidade de lidar com a nova situação. Aliás sentia que dali em diante começava a minha vida. Eu imaginava que a gravidez seria um divisor de águas e foi.
Hoje em dia, olhando para trás, penso que a vinda da minha filha foi a coisa mais oportuna que poderia ter me acontecido. Eu tinha tamanha ânsia de ser independente que não podia esperar terminar a faculdade, conhecer alguém, noivar, casar, essas coisas. Eu creio que, inconscientemente, desejei um acontecimento drástico e forte o suficiente para partir da casa dos meus pais. Não perdi um único ano sequer de estudos, corri atrás de emprego com cara e coragem e nenhum currículo. Fiz escolhas pragmáticas para ganhar dinheiro e rapidamente tinha construído meu mundo particular. Criar a minha filha era motivo forte o suficiente para não desistir e ter êxito nos meus projetos. Não recomendo a gravidez precoce a ninguém, mas, se acontecer, deixo meu testemunho de que ela pode ser o maior incentivo que uma jovem pode ter para concretizar as principais realizações da vida adulta, fora da casa dos pais”.