Iraquianas têm saudades de Saddam Hussein

Por Abdu Rahman e Dahr Jamail*

Bagdá, 15/3/2010 – No regime de Saddam Hussein (1979-2003), as mulheres do Iraque tinham quase os mesmos direitos que as do Ocidente. Porém, após a ocupação pelos Estados Unidos, em 2003, o Islã se converteu na religião oficial, o que deixou em poder dos clérigos a interpretação de suas liberdades. A lei de Estatuto Pessoal, que entrou em vigor em 14 de julho de 1958, quando os iraquianos derrubaram a monarquia instalada pela Grã-Bretanha, dava às iraquianas a maioria dos direitos que tinham as mulheres ocidentais.

Agora, o artigo 2 da Constituição diz que “o Islã é a religião oficial do Estado e é a fonte básica de sua legislação”. O inciso A afirma que “não serão aprovadas leis que contradigam as normas indiscutíveis do Islã”. Dessa forma, a interpretação dos direitos da mulher fica a cargo dos líderes religiosos, muitos deles sob a influência conservadora do vizinho Irã. Por exemplo, as funcionárias públicas tinham direito a licença maternidade de um ano, agora caiu para seis meses.

A ativista Yanar Mohammad acredita que a Constituição não protege as mulheres nem garante seus direitos básicos. Ela culpa os Estados Unidos por renunciarem à sua responsabilidade de ajudar o desenvolvimento de uma democracia pluralista no Iraque. Os norte-americanos invadiram este país em março de 2003, alegando que o regime de Saddam fabricava armas de destruição em massa, e ainda não retirou completamente suas tropas do território iraquiano.

Sob sua tutela foi instalado um governo provisório, realizadas várias eleições e redigida nova Constituição, que acabou com os princípios laicos do regime anterior. Ao mesmo tempo, o país se viu envolvido em um sangrento conflito que logo derivou em guerras entre facções religiosas e étnicas, e, ultimamente, em uma persistente insegurança. “A ocupação norte-americana entregou os direitos das mulheres”, disse Mohammad.

“Os grupos políticos islâmicos tomaram o sul do Iraque, onde têm pleno poder, e usam o apoio financeiro do Irã para recrutar tropas e aliados. O apoio financeiro e político iraniano é a razão pela qual os iraquianos do sul aceitam (a nova situação), não porque o povo iraquiano deseja a lei islâmica”, assegurou a defensora dos direitos da mulher. A situação das mulheres iraquianas reflete a situação geral, na qual a população inteira sofre com a falta de segurança e infraestrutura. “A situação das mulheres aqui está vinculada à situação geral”, disse à IPS Maha Sabria, professora de Ciência Política na Universidade Al-Nahrain, de Bagdá.

Nora Hamaid, de 30 anos, formada pela Universidade de Bagdá, renunciou à carreira de seus sonhos. “Terminei os estudos antes da chegada dos invasores porque a segurança era boa e podia ir livremente à universidade, disse à IPS. Agora, conta que nem mesmo pode se deslocar com liberdade, e vive preocupada com a segurança de seus filhos. “E me refiro a todos os dias, desde quando vão até voltarem da escola, por medo dos sequestros”, explica. “O sequestro de mulheres não existia antes da ocupação. As mulheres iraquianas perderam o direito de estudar e de ter uma vida livre e normal, enquanto lutam contra a opressão e a privação de todos seus direitos, mais do que antes”, assegurou Sabria.

As mulheres têm uma cota de representação de 25% das cadeiras legislativas, mas Sabria afirma que as legisladoras “apenas defendem seu partido no Parlamento e não os direitos femininos”, disse Sabria. Além disso, “as mulheres carregam um peso duplo após a ocupação porque perdemos muita liberdade”, acrescentou. Com tantos homens detidos, “elas cuidam de toda a família e estão obrigadas a manter os filhos. Ao mesmo tempo, não têm liberdade para se deslocar devido à deterioração da segurança e porque os bandos de delinquentes sequestram mulheres e crianças”, assegurou.

As mulheres também sofrem a pressão de casar cedo e com a esperança de que um marido dê segurança, disse Sabria. “O poder real no Iraque agora é das antigas tradições e leis tribais atrasadas”, acrescentou. “O maior problema é que mais mulheres ignoram seus direitos devido ao atraso e à ignorância que imperam na sociedade atual do Iraque”, prosseguiu. Muitas fugiram do país porque seus maridos foram detidos arbitrariamente pelas forças de ocupação ou de segurança do governo, garantiu Sabria.

Calcula-se que a ocupação forçou o deslocamento de mais de quatro milhões de iraquianos, dos quais 2,8 milhões permanecem no país. A maioria dos que tiveram de se exilar vive como refugiado em países vizinhos, segundo estudo de Elizabeth Ferris, codiretora do Projeto de Deslocamento Interno do Brookings Instution, um centro de pesquisas norte-americano, e da Universidade de Berna. O estudo “Voltando para casa? Perspectivas e obstáculos do retorno em grande escala dos iraquianos”, diz que a maioria das mulheres exiladas teme retornar às suas casas.

Além disso, o informe “Refugiados iraquianos: os direitos das mulheres e a segurança são fundamentais para o retorno”, da organização Refugees International (RI), com sede em Washington, diz que “as mulheres iraquianas resistirão a retornar mesmo quando as condições melhorarem no Iraque, se não forem priorizados seus direitos, sua segurança pessoal e o bem-estar de suas famílias”. O informe da RI inclui mulheres refugiadas internamente na região curda e semiautônoma do norte do Iraque e as refugiadas na Síria. “Nem uma das entrevistadas pela RI mostrou intenção de voltar”, destacou. “Esta barraca de campanha é mais cômoda do que um palácio em Bagdá. Minha família está segura aqui”, disse à RI uma refugiada no norte do Iraque.

A situação continua complicada para as mulheres dentro do país. “Sou funcionária pública, todos os dias vou trabalhar, e o maior obstáculo para mim e todos os iraquianos são as ruas fechadas. A gente se sente sem direitos, sem respeito”, disse à IPS uma mulher de 35 anos que se identificou como Imã. “Até que ponto melhorou minha situação? Agora temos melhores salários, mas como podem as mulheres viverem sem segurança. Como podemos desfrutar de nossos direitos se não há lugares seguros para ir descansar, para lazer e para a vida?”, perguntou. IPS/Envolverde

* Abdu Rahman, correspondente da IPS em Bagdá, trabalha em colaboração com Dahr Jamail, especialista em Iraque nos Estados Unidos que escreve sobre a

região.

(IPS/Envolverde)

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