Por Ann Hellman, da IPS
Cidade do Cabo, 9/3/2010 – Enquanto o Parlamento da África do Sul comemorou antecipadamente o dia Internacional da Mulher, comemorado ontem, as mulheres da empobrecida comunidade de Kewtown, na Cidade do Cabo, temem perder seus lares por causa da Copa do Mundo que será disputada nesse país. A municipalidade notificou que demoliria suas casas para ampliar o espaço do estacionamento do Estádio de Athlone. Outras foram informadas de que deveriam deixar seus apartamentos para que possam ser reformados. Mas os moradores da área temem que suas casas, localizadas em um lugar privilegiado em uma das cidades-sede do Mundial da Fifa, sejam alugadas aos turistas que virão assistir o torneio.
O campeonato de futebol durará um mês, com início no dia 22 de junho. Vários projetos foram pensados para beneficiar as mulheres muito depois do final da competição, disse a ministra do Interior, Nkosazana Dlamini-Zuma, aos membros do Parlamento, aos seus companheiros de gabinete e aos representantes de organizações que participaram da conferência de sexta-feira “Legado para as Mulheres da Copa Mundial de Futebol da Fifa 2010”. Segundo a ministra, “há um projeto para reduzir as emissões de dióxido de carbono. A Fifa convida as pessoas a participarem. As mulheres devem aproveitar a oportunidade. O país gastará muito dinheiro em infraestrutura. Elas devem encontrar uma forma de aumentar sua renda”.
Por sua vez, a vice-ministra de Desenvolvimento Econômico, Gwendoline Mahlangu-Nkabinde, foi muito mais otimista. Prometeu enviar dez empresas do setor de energias renováveis e instituições financeiras de desenvolvimento para que ajudem as mulheres a encontrar trabalho. “As que se interessam pelas energias renováveis, as que querem se capacitar para entrar no setor, devem me procurar”, afirmou. A Fifa, de fato, criou vários “projetos para legar” ao país que, supõe-se, deixarão benefícios econômicos aos sul-africanos.
Os projetos são uma cortina de fumaça para esconder as comunidades pobres que serão deslocadas por causa do Mundial, segundo quatro mulheres de Kewtown, que se sentem abandonadas, enquanto o governo destina grande quantidade de dinheiro para organizar um torneio de alcance mundial. Pamela Beukes, Rachel August, Charlene Paul e Mariam Michaels viveram toda sua vida na abandonada Kewtown, considerada pelo regime do apartheid como área “de cor”. O apartheid foi o regime segregacionista racial que a minoria branca impôs à maioria negra na África do Sul.
Charlene ficará sabendo no dia 12, quando for ao Tribunal de Magistrados da comunidade de Wynberg, sul da Cidade do Cabo, se ela e seus três filhos poderão continuar vivendo no mesmo lugar, disse à IPS. Ela divide uma série de cinco edificações, de um quarto cada, com outros 18 adultos e crianças. A maioria nasceu e se criou em Kewtown. Como a prefeitura nunca forneceu habitação, há muitos anos decidiram ocupá-las após vê-las vazias por muito tempo. “Não vemos necessidade de demolirem esta estrutura quando há falta de moradia”, insistiu Charlene.
Do outro lado do estádio, Mariam Michaels também teme que a Copa a deixe sem teto. Há duas semanas as autoridades municipais pediram que se mudasse porque fariam reformas. Agora vive com suas duas filhas e quatro netos em um contêiner adaptado para a situação. É a primeira vez, em 30 anos, que as autoridades da Cidade do Cabo realizam reformas nos apartamentos municipais que estão perto do estádio. Os trabalhos consistem em pintar as fachadas em ruínas e consertar encanamento e teto.
“Dizem que vão transformar nossos apartamentos. É para o Mundial. Há 27 anos que vivo ali, há cinco minhas janelas estão quebradas e a prefeitura não mostrou nenhum interesse em consertá-las até agora”, disse Mariam à IPS. “Os funcionários nos prometeram que as reformas durarão apenas seis semanas e que depois poderemos voltar. Mas, não sei se isso acontecerá”, acrescentou. Os moradores da área têm receio de não poder voltar para seus apartamentos e que a municipalidade os abandone à própria sorte. Também se preocupam com a segurança.
Rachel August, uma das vizinhas de Mariam, contou à IPS que à noite tem gente que corre entre os contêineres e atira pedra contra o teto de metal. “A prefeitura disse que não seríamos transferidos em razão do mundial, mas não temos garantia. Só nos resta esperar e ver o que acontece. Se me deixarem aqui, vou armar uma grande confusão. Esse apartamento é meu há 35 anos e quero voltar”, acrescentou irritada. A dirigente comunitária Pamela Beukes explicou que as mulheres suspeitam das verdadeiras intenções da municipalidade porque a conselheira Charlotte Tablisher propôs, inicialmente, que os apartamentos fossem alugados aos turistas, mas os fortes protestos a obrigaram a desistir da ideia.
“O que causa dúvidas é que as pessoas podem ficar em seus apartamentos em caso de reformas, mas as autoridades insistiram para sairmos”, disse Beukes. “Como a gente está em contêineres e não em casas, no momento não podemos dizer que a Copa do Mundo nos beneficiou em algo”, acrescentou. A comunidade de Kewton continuará preocupada enquanto durarem as reformas, que terminarão no final deste mês. Se na oportunidade não estiverem de volta em seus apartamentos, pensam em realizar uma manifestação de protesto reclamando seus direitos. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)