Eneida Vinhaes Bello Dultra
Independente das notícias sobre a greve das tecelãs em 1857 em Nova York ou mesmo das costureiras em 1911 na mesma cidade ou ainda da greve das mulheres na Rússia de 1917, o fato é que no Século XX as Conferências Internacionais e as Nações Unidas passaram a reconhecer um dia simbólico da luta pela igualdade entre mulheres e homens. E este é o dia 8 de março, com a bandeira roxa ou lilás.
Aproveitando a data os movimentos feministas e as organizações de mulheres ganham destaque nas pautas mais emblemáticas da existência da desigualdade em razão do sexo. Nesse caminho, estão as discussões em torno das discussões de gênero. Ou seja, quais as construções sócio-culturais que a humanidade construiu ao longo de sua História e que passaram a distinguir papéis de homens e mulheres? E, na dinâmica inacabável da vida social, cada vez mais exposta na contemporaneidade, quais dúvidas e novos papéis vão sendo atribuídos às pessoas em razão do sexo?
As reflexões despertadas em torno do 8 de março apontam para uma séria constatação na vida das mulheres do Século XXI: amarras de discriminação, subjugação e condições desiguais nas esferas públicas e privadas ainda são presentes.
Quem dera os avanços conquistados pelas mulheres no decorrer das décadas, marcadamente a partir dos anos 60, pudessem ser suficientes para apaziguar a discriminação de gênero. Já dispomos de mecanismos cada vez mais fortes e resistentes em relação às violações flagrantes e escancaradas. Ainda morrem muitas mulheres vítimas da violência doméstica, ainda somam (ou somos? Acho mais intimista o somos) maioria nas estatísticas da desempregabilidade ou da informalidade no mundo do trabalho. Mas é da forma sorrateira que a desigualdade se mostra mais maldosa.
Mesmo quando as mulheres e as meninas são maioria incontestável nos índices de violência sexual, de assédio, do tráfico de pessoas, nos postos de trabalho em piores condições, que tenham menores salários mesmo para trabalho de igual valor, os discursos são levados para a desconsideração da questão de gênero nesses casos. Discursos são construídos nas bases de uma suposta igualdade real entre mulheres e homens e tentam minimizar esses indicadores.
É sorrateira e perversa, sim, a desconsideração de que pesam sobre as mulheres maiores dificuldades de acessar uma sobrevivência digna, livre de violência e do assédio, em condições de acesso a direitos e ao respeito social nas mesmas exigências que são atribuídas aos homens. Também se desconsidera a dominação racista que nega direitos à população negra, gerando ainda mais desigualdade no cotidiano das mulheres negras. Essas são sempre as últimas na fila da cidadania.
Para as trabalhadoras, nunca é suficiente relembrar como a trajetória profissional é ainda complexa. Onerada pelos afazeres domésticos, cuidados com filhos, idosos e doentes da família, as mulheres são sobrecarregadas em jornadas múltiplas. Mesmo as que possuem melhor qualificação técnica ainda são alvo das desconfianças sobre a capacidade de lidar com pressão, liderança, situações inesperadas ou qualquer circunstância de trabalho difíceis.
Por outro lado, às que esbarram nos limites da pobreza, resta se submeterem a condições mais precárias de trabalho, invariavelmente fragilizadas na sua integridade física e moral. Por vezes também são invisibilizadas pelas estruturas do Estado – como é o caso das rurais e das donas-de-casa que não têm o valor de seu trabalho reconhecido – ou então desmerecidas em razão do próprio trabalho essencial que desempenham – como é o caso das trabalhadoras domésticas que não dispõem de iguais direitos que as demais, representando mais de 90% da categoria (estimada em quase 8 milhões de pessoas), sendo mais de 70% negras/pardas e apenas 27% formalizadas.
Observando a agenda do 8 de março de 2010 apresentada pelas centrais sindicais são identificados pontos idênticos a anos anteriores. Isso não desanima a mobilização. Ao contrário, a motivação decorre mesmo da indignação dos efeitos tão sutis que se alcança ano a ano. É preciso a compreensão de que o processo de reflexão cidadã e de mudança social ocorre muito mais lentamente do que o desejado. Avanços e resistência aos riscos de retrocesso são permanentes na vida das mulheres.
A luta se compõe de novas concepções das esferas públicas, para afirmação de que não há avanço democrático com discriminação de gênero e raça; ao mesmo tempo em que se lida com a reafirmação de direitos no mundo privado, livrando-se de um modelo de dominação patriarcal e, no mundo do trabalho a busca por igualdade de acesso e condições de permanência, com respeito e reconhecimento da múltipla jornada.
Desse modo, sobre questões trabalhistas, a pauta (de quem? Das centrais? Posso sugerir mais coisas?) desse ano se compõe de:
– defesa da igualdade de remuneração – apresentando mecanismos de gerenciamento e monitoramento nos processos seletivos e de progressão interna, inclusive com criação de instâncias (grupo de trabalho ou outra forma) que realizem o planejamento e o acompanhamento progressivo;
– efetividade do direito a creche – essa previsão no texto da Constituição Federal desde 1988 e ainda com insignificante aplicabilidade. Estima-se que apenas 15% da demanda esteja atendida. Trata-se de construção, estruturação e qualificação de pessoas, num conceito integrado de educação e desenvolvimento social. Não se reivindica depósito de crianças!;
– aparato legislativo – a ratificação da Convenção 156 da OIT, que dispõe sobre igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres trabalhadores com encargos de família; aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 30/2007) sobe ampliação da licença maternidade; PEC para equiparação de direitos para as trabalhadoras domésticas/do trabalho doméstico.
– reconhecimento pelo estado do trabalho informal realizado, em sua maioria, pelas mulheres e população negra, com medidas inclusivas no sistema previde
nciário (pensei em algo que fale do FIPPS, nossas demandas)
Algumas bandeiras para melhores condições de trabalho e proteção social, na visão de que o desenvolvimento econômico ocorre se conjugado com desenvolvimento social do país, também são destacadas pelas trabalhadoras nesse período de eventos sobre o 8 de março, vele citar: a defesa comum sobre a redução de jornada de trabalho sem redução de salário, a luta pela erradicação do trabalho escravo e infantil, a manutenção de uma Previdência Social universal na medida das necessidades sociais, entre outras.
Tratamentos diferenciados se justificam em razão das distintas condições existentes na vida das pessoas, por imposições históricas, econômicas, culturais e, em alguns casos, por características individuais (a exemplo das pessoas com deficiência). Quando a igualdade de direitos e de acesso a políticas públicas for universalizada, de fato, poderemos lidar com as diferenças saudáveis na convivência humana, que são e devem ser asseguradas pelas opções autônomas das pessoas e grupos, em razão de suas identidades. O que compõe o mágico colorido da humanidade é a diferença entre as pessoas. O que não se tolera é quando a diferença no tratamento dos indivíduos ocorre por discriminação, pelo sexo, etnia, origem ou posição social.
Sabendo que a organização da sociedade nem sempre foi assim como vivemos agora e não terá que ser sempre como está, sigamos! Com respeito à diferença e pelo fim da discriminação.
Eneida Vinhaes Bello Dultra é assessora técnica da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, mestranda em Direito na UnB e colaboradora do CFEMEA
fonte: Cfemea – cfemea.org.br