Apresentamos aqui um panorama das origens proletárias e revolucionárias do dia de luta das mulheres até os dias de hoje. A história e a luta pela organização das mulheres do mundo inteiro contra a opressão
Causa Operária – www.pco.org.br/conoticias
Neste ano, serão comemorados os 100 anos do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. Cem anos do 8 de março, dia estabelecido pelas militantes revolucionárias, mulheres intelectuais e operárias da II Internacional no Congresso de 1910 para ser um dia de luta e homenagem às mártires da luta pelos direitos das mulheres.
Diante da apropriação dessa data pela burguesia e suas instituições, faz-se necessário lembrar a verdadeira história desse dia de luta, que tem origem nas mobilizações operárias têxteis dos EUA, e no esforço dos socialistas por oferecer à luta das mulheres uma perspectiva política real, levantando suas reivindicações mais sentidas, aliando esta luta à luta pelo poder político.
Reivindicações que permanecem atuais, como atual é a necessidade da organização e luta das mulheres contra a opressão e exploração capitalista, em torno de um programa que de fato contemple sua realidade nos mais diversos e elementares aspectos. Direitos que ainda lhe são negados, como igualdade de salários, direito de aborto, como o direito ao divórcio. A esta desigualdade jurídica e política soma-se a desigualdade econômica, inclusive dentro da própria classe operária que a transforma em um trabalhador duplamente explorado.
As origens do 8 de março
Com a manufatura, e posteriormente com a industrialização, o regime capitalista que ia se consolidando, foi criando formas específicas de inserção das mulheres no mercado de trabalho, depreciando o trabalho tipicamente feminino e ao mesmo tempo alijando as mulheres de determinadas atividades.
O Renascimento reservou à mulher o papel da vida doméstica. Restringindo o acesso delas à educação universitária e as escolas que existiam e enfatizavam o aprendizado das “prendas domésticas”.
A indústria têxtil foi se tornando um pólo de trabalho feminino. Em 1790 a indústria de lã francesa chegou a ter 45,6% de mão-de-obra feminina, sempre desempenhando atividades menos qualificadas e de menor remuneração.
Não é por acaso que o estabelecimento do 8 de março como Dia Internacional da Mulher Trabalhadora esteja ligado às mobilizações e luta das operárias têxteis de Nova Iorque, por mais de um episódio marcante.
O primeiro deles foi em 1857. Data de uma das primeiras greves dessas operárias que permaneceram paradas durante semanas protestando contra os baixos salários e as duras jornadas de trabalho. O movimento foi brutalmente reprimido pela polícia e as operárias perseguidas pelos patrões. Foi a primeira faísca da luta feminina para além da questão do sufrágio. Uma luta mais ampla – resultado da maior inserção e conseqüentemente exploração da mão-de-obra feminina pelo capitalismo – que por causa dos socialistas ganharia proporções de um movimento de massas.
As mobilizações iniciadas em 1907, para comemorar a greve de 1857, darão início à essas grandes mobilizações. Em 1907, se deu a primeira convocação para um 8 de março, ainda sem ser chamado de Dia da Mulher, para lutar contra as longas jornadas, salários baixos e péssimas condições de trabalho. Mais uma vez o movimento é violentamente reprimido.
É quando o Partido Socialista Norte-americano, cria o comitê de mulheres pelo voto, levantando, além das reivindicações econômicas como salários iguais para trabalhos iguais e o fim do trabalho infantil, uma campanha política pelo sufrágio feminino. Então em 1908, novamente no 8 de março, as mulheres vão sair às ruas para comemorar as mobilizações de1857 e de 1907.
É então em 1909, com a ampliação das reivindicações políticas e econômicas, que será realizado o primeiro Dia Nacional das Mulheres nos EUA, “com manifestações em todo o país no último domingo de fevereiro, repetindo estas comemorações todos os anos até 1913, quando os movimentos adquirem o caráter de protesto contra a guerra que já se apresentava como uma terrível ameaça.
“Já em 1910, com o crescimento do movimento de mulheres, Lena Lewis, uma das principais representantes do movimento feminista norte-americano, vai declarar que não era uma época para celebrar nada, mas um dia para antecipar as lutas que viriam quando ‘poderemos eventualmente e para sempre erradicar o último vestígio do egotismo masculino e seu desejo de dominar as mulheres'” (Anaí Caproni, As raízes proletárias e revolucionárias do dia internacional da mulher, em www.pco.org.br).
As grandes mobilizações operárias e de mulheres já mostram seu caráter revolucionário. A contrapartida da burguesia é a repressão.
Outro episódio foi com as operárias têxteis de Nova Iorque que marcaria definitivamente o 8 de março como um dia de luta das mulheres. O incêndio em 1911 de uma fábrica com trabalhadoras em greve – ainda contra a permanência das péssimas condições de trabalho, fruto da falta de legislação que proibisse o trabalho infantil e defendesse o feminino. O resultado foi a morte de mais de 100 operárias, trancadas dentro da fábrica e incendiadas junto com ela. O acontecimento foi denunciado pelos socialistas de todo mundo ganhando grande repercussão, transformando-se num símbolo de luta para as trabalhadoras e as socialistas norte-americanas e sendo por isso muitas vezes confundido com a greve que originou toda essa luta, a do 8 de março de 1857.
Os revolucionários marxistas e as mulheres
Mas foi em 1910, há exatos 100 anos, durante o II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas, realizado Copenhague, na Dinamarca, com a participação de cerca de 100 mulheres representantes de 17 países que se estabeleceu o 8 de março como o Dia Internacional de Luta da mulher. É obra do movimento internacional dos socialistas por iniciativa das militantes revolucionárias da II Internacional, a criação deste dia de homenagem às mártires, e de luta pelo fim de todo tipo de discriminação.
A proposta foi feita por Clara Zetkin, responsável pela organização do trabalho de mulheres da social-democracia alemã e editora do jornal de mulheres do partido, Igualdade. Ela defendia ser “necessário estabelecer um dia como referência mundial de luta para as mulheres na medida em que, tanto na Europa como nos EUA os partidos socialistas já vinham realizando manifestações com este caráter, reunindo milhares de mulheres para lutar por reivindicações fundamentais como a redução da jornada, o voto feminino etc.” (idem).
Na ocasião foi estabelecida uma plataforma de luta para as manifestações do Dia Internacional da Mulher. Foi aprovada a luta pelo direito de voto feminino, o sufrágio universal e o seguro-maternidade para todas as mulheres casadas com filhos, apesar de haver a defesa de que o benefício fosse concedido independentemente do estado civil da mãe, proposta defendida pelos russos representados pela revolucionária russa, futura dirigente bolchevique Alexandra Kollontai.
A partir de 1911, as manifestações do Dia Internacional da Mulher se confirmam como mobilizações de massas, se estabelecendo definitivamente no dia 8 de março com a vitória da Revolução na Russa. Sendo inclusive a própria revolução fruto das mobilizações das mulheres.visto que o estopim para a revolução foi o protesto das mulheres, chamado pelas socialistas russas, diante das filas de racionamento de pão provocadas pela miséria vinda com a I Guerra Mundial.
A vitória da Revolução de 1917 não foi apenas a consolidação definitiva do caráter revolucionário que pode tomar a luta das mulheres como foi a demonstração plena da possibilidade de realizar mudanças fundamentais na situação da mulher. Conquistas com o direito ao aborto, ao divórcio, a abertura de creches
e lavanderias públicas, total igualdade jurídica entre os homens e mulheres, com os direitos políticos integrais, o incentivo a sua elevação cultural, a proibição da discriminação sexual entre outras. Conquistas até hoje negadas para mulheres de muitos países.
O 8 de março é portanto mais uma conquista do grande movimento operário, socialista, internacional que o capitalismo, a burguesia e suas instituições procuram ocultar para impor sobre o caráter revolucionário desse dia de luta a ideologia da democracia burguesa, como algo concedido às mulheres.
O 8 de março hoje
Neste centenário do Dia Internacional da Mulher deve ficar claro para todas as mulheres, para todos os setores que se reivindicam democráticos ou socialistas que nada se pode esperar do capitalismo como regime “democrático” e quase nada se tem a comemorar, apesar da propagandeada “emancipação da mulher”.
Como já disse o companheiro Rui Costa Pimenta em artigo publicado nesse jornal, “Os países ricos e desenvolvidos, porém, nada mais têm a oferecer às mulheres, e homens, do mundo do que aparência, palavras e uma decoração ideologicamente cor-de-rosa sobre o cativeiro e o sofrimento de ainda mais de metade de humanidade. A transformação do dia oito de março em dia oficial da mulher pelo imperialismo mundial e a sua comemoração é uma demonstração disso. No extremo, estão as flores e o sentimentalismo sobre a ‘importância’, a ‘força’ e a grandeza da mulher”.
A cada dia as estatísticas confirmam que prevalece, ainda hoje, boa parte da realidade que motivou a greve das operárias novaiorquinas em 1857, que marca a origem desse dia de luta.
Ainda hoje, passados 153 anos, as mulheres continuam recebendo menos que os homens. Realidade que se torna ainda mais cruel para as mulheres negras, que vítimas de dupla discriminação chegam a receber 172% menos que um homem branco.
Apesar de serem metade da População Economicamente Ativa no País, às mulheres ainda estão reservados os piores empregos, em situação precária ou informal. De acordo com estudo divulgado este mês pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 70% das mulheres negras que exercem algum tipo de trabalho, remunerado ou não, estão inseridas no grupo do chamado emprego precário.
Enquanto isso, as principais atividades econômicas são predominantemente masculinas. As atividades com predominância feminina são a Administração Pública, 62,7% (considerando que aqui estão incluídas tarefas tradicionalmente femininas, como escolas e cuidados com a saúde – não a medicina, mas a enfermagem- etc.) e os Serviços Domésticos, 94,7%. Menores salários, piores trabalhos. Essa é a realidade das mulheres, especialmente das mulheres negras no País.
O desemprego também é maior entre as mulheres. E com a crise, as mulheres foram as primeiras a serem demitidas elevando a participação das mulheres nas estatísticas de desemprego para mais da metade do total de desocupados do país.
Além de tudo isso, as mulheres ainda sofrem com a falta de direitos democráticos elementares. A negação e o ataque dos setores conservadores ao direito de aborto, que nos últimos anos vem se transformando numa verdadeira caça às bruxas é um exemplo disso. Aqui vale ressaltar o papel da frente popular e da chamada “esquerda” nacional.
O governo Lula não conseguiu avançar nenhum passo, ao contrário, possibilitou ataques (a todos os setores oprimidos) sem precedentes. O que ficou claro recentemente ao retirar do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) a defesa da legalização do aborto como direito de decidir das mulheres, diante da primeira manifestação da direita da Igreja Católica.
Os elevados índices de morte materna, entre outros motivos como os ataques e a privatização do sistema de saúde, também são resultado da ilegalidade do aborto.
Sem contar todas as restrições à sua participação política, desenvolvimento cultura, intelectual etc.
Por tudo isso, como também já foi apresentado pelo companheiro Rui Costa Pimenta, “O oito de março foi originalmente, e somente pode continuar sendo para poder ser alguma coisa, o dia internacional de luta das operárias contra a opressão da mulher e do capitalismo”.