por Ruth de Aquino | revista ÉPOCA
Ainda precisamos de exposições só de mulheres artistas? No ano de 2010? Precisamos de prêmios apenas para mulheres nas categorias profissionais? Precisamos de um Dia Internacional da Mulher? Aparentemente, o mundo acredita que sim. Mas acho cada vez mais esquisito.
Acho estranho ler que existe um “jeito feminino” de trabalhar, de escrever, de amar ou de governar. Entendo as razões da discriminação positiva, mas sonho com o dia em que os guetos por gênero sumam. Isso não significa que eu deseje que as diferenças entre homens e mulheres desapareçam…
…Nem sequer acredito na não-diversidade, isso me parece mais um tédio que uma utopia. Mas seria mais justo para todos que qualidades ou defeitos não fossem atribuídos a Luluzinhas ou Bolinhas.
Estou em Paris e vi ontem uma imensa exposição no Centro Pompidou – ou o popular Beaubourg – com obras de arte de mulheres. O titulo é elles@centrepompidou. É quase uma retrospectiva da contribuição feminina para a arte no século XX. O museu nacional de arte moderna localizado no bairro do Marais classifica essa exposição de “um manifesto, com abordagem “radical, complexa e interdisciplinar”.
O novo espírito não é feminino nem feminista, dizem os curadores. Os trabalhos de artistas, designers, fotógrafas, arquitetas, cineastas e performers são divididos por temas como “as pioneiras”, “o corpo ativista”, “abstração excêntrica”, “fogo aberto” (free fire), “imaterial”, “palavras” (o discurso conceitual) e “a casa” (aposentos domésticos).
O cartaz amarelo logo na entrada chama atenção de mulheres e homens. Diz a imagem que abre este post:
Mulheres precisam estar nuas para entrar no Met.Museum? Menos de 3% dos artistas são mulheres, mas 83% dos nus são femininos.
O Met é o apelido carinhoso do Metropolitan Museum de Nova York e esse cartaz já tem vários anos, feito pelas Guerrilla Girls. Guerrilheiras, neste caso, é um adjetivo que faz trocadilho com Gorillas (gorilas, como está claro na máscara). Pronuncia-se do mesmo jeito em inglês.
No cartaz, as gorilas guerrilheiras listam “as vantagens de ser uma mulher artista”:
– trabalhar sem a pressão do sucesso
– dividir-se em quatro empregos free-lancer
– saber que sua carreira pode deslanchar depois que você fizer 80 anos
– ter certeza de que, qualquer arte que você faça, será rotulada de feminina
– ter a oportunidade de escolher entre carreira e maternidade
– não ser obrigada a fumar charutos imensos
– ter mais tempo para trabalhar quando seu companheiro a trocar por outra mais jovem
– não passar pelo constrangimento de ser tachada de “gênio”
É uma ironia autodepreciativa, que não me comove nem um pouco. E não faz jus a tantas artistas respeitadas, admiradas por seu trabalho e não por terem nascido mulheres. “Ninguém nasce mulher, mas se transforma em mulher(…) É a civilização como um todo que produz esta criatura, intermediária entre macho e eunuco, descrita como feminina”, escreveu Simone de Beauvoir em 1953.
Socorro. Essa descrição de mulher pode ter sido verdade há meio século. Não mais.
A mostra no Centro Pompidou homenageia artistas excelentes e importantes. Umas abriram caminho, outras se consolidaram como vanguardistas. Temos Louise Bourgeois, Frida Kahlo, Niki de Saint Phalle, Sophie Calle, Joan Mitchell, Rachel Whiteread, Eva Hesse, Barbara Kruger. Esculturas, instalações, vídeos, pinturas. Em muitas obras, estão claros os símbolos ou dilemas da mulher. Em muitas outras, menos militantes, há apenas arte. Vigorosa ou frágil, interessante ou chata, genial ou pretensiosa, atraente ou repulsiva. Depende, sempre, de quem vê. E não importa se o olhar é de homem ou de mulher.
Não sei se você chegou até o fim deste texto – com tanto samba e tanto bloco na rua. Como estou fora de um país que respira, come e dorme carnaval nesta semana, é como se minha voz viesse de um outro planeta, mais intimista e menos engraçado. Aqui faz zero grau.