Haiti: Mulheres sofrem o dobro

Por Marguerite A. Suozzi, da IPS

Nova York, 9/2/2010 – Deve-se prestar mais atenção às necessidades das mulheres, meninas e adolescentes no Haiti, afirmam ativistas, para que possam desempenhar um papel efetivo na reconstrução desse país devastado pelo terremoto em meados de janeiro. “É uma dessas situações para a qual nunca ninguém está preparado”, disse por telefone à IPS, Ninaj Raul, diretora da Mulheres Haitianas para Refugiados Haitianos (HWHR), organização com sede no distrito novaiorquino do Brooklyn.



Ninaj está na cidade haitiana de Léogâne, a cerca de 17 quilômetros de Porto Príncipe, dando assistência médica e alimentar às vitimas do terremoto, tentando chegar às pessoas que não são atendidas pelas organizações maiores. “Neste momento, estou em um orfanato totalmente destruído, “disse à IPS. “Tenho nos braços uma menina que teve as duas pernas amputadas. São pessoas como ela que nos dão forças”, acrescentou.

Ninaj trabalha com ativistas do Movimento de Mulheres Dominico-Haitianas e do Movimento Sociocultural para os Trabalhadores Haitianos. As três organizações dão assistência a acampamentos e orfanatos nas cidades de Léogâne, Jacmel, Petit Goave, Grand Goave e no subúrbio de Martissant, na capital. É prioritário vacinar as mulheres contra doenças infecciosas e alimentá-las, bem como suas famílias. Trabalhadoras da HWHR viajaram dos Estados Unidos com excesso de bagagem porque encheram as malas com remédios e barras nutricionais, disse à IPS.

Além de cobrir as necessidades mais urgentes, as organizações se dedicam a ajudar as mulheres a conseguirem uma autossuficiência no longo prazo. “Em Léogâne havia um grupo de mulheres que sabia fabricar tijolos”, disse à IPS Miriam Neptune, cineasta e voluntária da HWHR. “Elas disseram que, se já estamos em situação difícil aqui, e é onde vivemos agora, talvez haja alguma forma de encontrar apoio para começar a fabricar tijolos em conjunto”, afirmou.

É sabido que nas crises humanitárias as mulheres ficam mais vulneráveis à violência de gênero e a outros tipos de abusos, por falta de segurança e porque a infraestrutura deixa de funcionar. Em um vídeo feito por Neptune, Ninaj descreve um incidente em um acampamento de Martissant, onde uma mulher foi agredida e violentada. “A segurança é insuficiente, especialmente para as mulheres, que são realmente vulneráveis”, insistiu. “O aumento da violência contra as mulheres costuma ser uma das conseqüências mais devastadoras da crise, sejam causadas por desastres naturais ou por guerras”, disse à IPS a médica Henia Dakkak, assessora da Unidade de Resposta Humanitária do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

“Quando uma grande quantidade de pessoas é deslocada, acabam separadas de suas famílias e comunidades, a sociedade civil virtualmente não existe. A polícia, a justiça, a saúde, a educação e os serviços sociais ficam gravemente debilitados, a tensão e a pobreza são altas, e as mulheres e meninas são especialmente vulneráveis a abusos e exploração”, explicou. “No Haiti, onde as mulheres e meninas já sofriam altos graus de violência, esse é um assunto que gera muita preocupação e que o UNFPA e outras agências tratam de atender”, disse Dakkak.

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) instalou 16 postos de distribuição de alimentos em Porto Príncipe. Além disso, criou alguns lugares exclusivos para mulheres, a fim de evitar que sejam violentadas nos locais que são mistos e impedir que os homens, mais fortes, disputem com elas o lugar na frente da fila para receber a comida. As emergências em matéria de saúde também se agravam em tempos de crise pela falta de insumos e atenção médica.

O UNFPA se preocupa em particular com as grávidas, disse Dakkak. Como medida de precaução, a agência distribui no Haiti milhares de estojos de socorro médico, para as que não podem chegar até um centro médico quanto entram em trabalho de parto. “Estima-se em 63 mil o número de grávidas nas regiões afetadas e sete mil delas com data provável para dar à luz em março”, afirmou Dakkak.

Especialistas do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw), das Nações Unidas, reconheceram esta semana que devem ser atendidas as necessidades das mulheres após a crise humanitária no Haiti, para garantir sua participação ativa e efetiva na reconstrução do país.

“Há uma grande necessidade de contar com a força e a resiliência das mulheres nos casos de emergência, mas elas não podem cumprir seu papel se suas necessidades básicas não são atendidas e se os políticos as ignoram”, disse Naéla Mohamed Gabr, diretora do Cedaw e especialista em direitos femininos. “As necessidades e capacidades das mulheres devem ser consideradas em todos os setores e grupos de resposta de emergência, porque seu papel na recuperação é importante a fim de conseguir sua efetiva implementação e sua sustentabilidade no longo prazo”, ressaltou.

fotne: IPS/Envolverde
 

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