Bia Barbosa – Carta Maior
Números mostram que as mulheres perderam mais postos de trabalho, num mercado que já era extremamente desigual. Muitas tornaram-se inativas, voltando pra casa. Em atividade no Fórum Social Mundial Temático da Bahia, movimento feminista criticou o apoio de recursos públicos dado a setores da economia onde a maioria dos trabalhadores é de homens, e defendeu mecanismos de proteção ao trabalho das mulheres.
2010 será um ano de luta para as mulheres brasileiras. Assim sempre foi, mas os desafios colocados para os próximos meses para o movimento feminista não são poucos. Dentro de um mês, as celebrações do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, completam 100 anos de história. Para o processo eleitoral, no segundo semestre, a principal tarefa das mulheres é eleger mais mulheres – os espaços de poder ocupados por elas são tão poucos no Brasil que estamos em 162º lugar no ranking das Nações Unidas. Em meio a tudo isso, um desafio ainda mais complexo: combater a já tendente feminização da pobreza num período de crise-econômica. Para discutir este tema, centenas de mulheres se reuniram nesta sexta (29), num dos primeiros debates do Fórum Social Mundial Temático da Bahia, que acontece até o próximo domingo em Salvador.
“Falou-se muito pouco do impacto da crise sobre as mulheres. A questão foi tratada de forma homogênea, como se esta fosse a característica da massa de trabalhadores. Mas sabemos que os vínculos das mulheres são mais frágeis, que elas são inseridas de forma mais precária no mercado de trabalho, e por isso sofrem mais com a crise”, afirma Luana Pinheiro, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República.
Os números confirmam a desigualdade. Um estudo da SPM, realizado em parceria com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho), no âmbito do Observatório do Brasil de Igualdade de Gênero, mostrou que enquanto os homens perderam 1,7% das ocupações, as mulheres perderam 3%. Na indústria, a queda de postos ocupados pelas mulheres foi de 8,38%. Os números do desemprego masculino são maiores, mas em função de outro fenômeno provocado pela crise: as mulheres se retiraram do mercado de trabalho e voltaram para casa – passando a inativas, não figurando mais nas estatísticas daqueles que buscam emprego.
“Já no mercado formal, os homens perderam 580 mil postos e as mulheres, 5 mil. Mas por trás disso está a substituição de um trabalho mais caro por um mais barato. No período da crise, os salários de admissão das mulheres foram sempre menores do que os dos homens. Ou seja, houve um movimento de precarização também”, explica Luana.
Quando olha-se para o recorte racial, o impacto da crise das mulheres negras foi ainda maior. Tudo isso num mercado de trabalho historicamente desigual. Mesmo tendo em média 9,2 anos de escolarização – enquanto os homens têm 8,2 anos –, as mulheres recebem em média 71% do salário masculino. Desde 1998, tem crescido a presença feminina no mercado, mas nos setores mais precarizados, onde o rendimento é menor, e informais. A maior categoria do país, por exemplo, é a das trabalhadoras domésticas – mais de 8 milhões de profissionais, das quais 97% negras –, sendo que apenas 20% têm emprego formal. Segundo pesquisa do IBGE de 2003, as negras e pardas recebiam salários 51% menores do que o rendimento médio das mulheres brancas. Ou seja, há uma dimensão racial em jogo que também aprofunda a desigualdade no mercado de trabalho.
“E, no contexto da crise, os setores que mais receberam incentivos para superá-la foram aqueles onde a presença masculina é mais forte, como o industrial. Mesmo nestes, as mulheres foram as primeiras a serem colocadas pra fora do mercado formal”, aponta Rosane Silva, Secretária Nacional de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Ou seja, nosso trabalho ainda é visto como algo auxiliar, complementar, mesmo que mais de 30% das famílias sejam chefiadas por mulheres”, critica.
Em defesa do emprego das mulheres
Por isso, no bojo da superação da crise, outra luta coloca-se para as feministas, também para este ano de 2010: garantir a ratificação pelo Brasil da Convenção 156 da OIT, que garante a igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores dos dois sexos, incluindo as responsabilidades familiares. Segundo pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgada em março de 2009, a taxa de desemprego das mulheres que não possuem filhos é de 13,1%, menos do que as que possuem – 15,6%. O Brasil é o único país do Conesul que ainda não ratificou a convenção, que tramita neste momento no Congresso Nacional. “Precisamos tomar medidas expressivas para proteger o trabalho da mulher. E isso é algo que precisa ser gritado nas ruas e legislado no Congresso Nacional”, defende a deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA).
“Esta injusta divisão sexual do trabalho é um dos principais pilares que sustenta o patriarcado. Em média, a mulher trabalha 16 horas por dia. A maior parte é não remunerada, a outra, sub-remunerada. A expressão da dupla jornada de trabalho, já banalizada, não leva a nada. Enquanto o patriarcado existir, seguiremos costurando e remendando as conseqüências desse regime, que perdura, se adéqua e persiste, submetendo as mulheres ao domínio masculino”, acrescenta Terezinha Gonçalves, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulheres, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O fim do patriarcado é a luta histórica das feministas. Uma luta para que o lugar da mulher na história do desenvolvimento do país seja reconhecido, como cobrou Deise Benedito, da Fala Preta! “Sabemos o espaço que não nos foi reservado no desenvolvimento do Brasil. E é preciso afirmar que as africanas contribuíram sim para o crescimento deste país, como escravas, reprodutoras, empregadas, costureiras, passadeira, vendedoras de acarajé, que com trabalhado conseguiram o direito de sobreviverem com dignidade”, conta.
Uma luta para que o lugar da mulher no futuro do desenvolvimento do país seja valorizado, como cobrou Luizlinda Valois, a primeira juíza negra do Brasil, 7ª do estado da Bahia, e que não consegue acender à desembargadora, vítima do preconceito de gênero e de raça. E uma luta que seguirá sendo travada neste ano que se inicia, e em muitos próximos.
Fotos: Eduardo Seidl