FRANCESCO SCAVOLINI
Faz-se necessária uma séria e urgente reflexão por parte da comunidade católica no Brasil, antes que seja tarde demais
ENQUANTO o governo presidido pelo católico Lula, com o recente decreto sobre direitos humanos, quer implementar, com outras aberrações, a descriminalização do aborto, isto é, do homicídio, a cúpula da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em sua declaração sobre o referido decreto, recorre a malsucedidos exercícios de malabarismo verbal para não condená-lo abertamente.
No trecho em que tratam especificamente do conteúdo do decreto do governo, os bispos afirmam: Nele há elementos de consenso que podem e devem ser implementados imediatamente. Entretanto, ele contém elementos de dissenso que requerem tempo para o exercício do diálogo, sem o qual não se construirá a sonhada democracia participativa, onde os direitos sejam respeitados, e os deveres, observados.
Em bom português, isso significa a absolvição pela cúpula da CNBB para Lula e qualquer outro político católico que aprove o aborto, uma vez que tais políticos tenham respeitado as regras dos trâmites democráticos. E mais: significa a proibição da objeção de consciência para os profissionais da saúde que porventura não queiram executar um aborto democraticamente aprovado pelo Parlamento.
Com relação a isso, é bom lembrar que foi um Parlamento regularmente eleito que consentiu a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha. E foi o mesmo Parlamento alemão que, com a delegação de plenos poderes a Hitler, abriu-lhe a estrada para a política de invasão da Europa, a organização dos campos de concentração e a execução da chamada solução final da questão hebraica, isto é, a eliminação de milhões de judeus.
Infelizmente não é a primeira vez que a atual cúpula da CNBB erra sobre a gravíssima questão do aborto. Eis o mais recente exemplo: quem acessar os arquivos da CNBB, no link Notas e declarações, vai encontrar tomadas de posição bastante claras e explicativas, até nos mínimos detalhes, sobre vários acontecimentos de 2009.
Porém, quem quisesse entender a razão da Declaração sobre o direito à objeção de consciência, datada de 24/9/09 e assinada pela cúpula da CNBB, não conseguiria, pois essa declaração, afirmando somente princípios éticos gerais, sem referência a nenhum fato historicamente determinado, é atemporal e poderia ter sido escrita 50 anos atrás, como também poderia ser escrita daqui a cem anos. Curioso, não é?
A explicação a respeito da referida declaração de 24/9 veio em 18/10/09 por meio de uma nota assinada não pela cúpula da CNBB, mas pelos bispos do Estado de São Paulo.
Nesse oportuno e corajoso documento -escrito especificamente para repudiar a punição infligida unanimemente pelo Diretório Nacional do PT, em 17/9/09, a dois deputados petistas por lutarem contra o aborto-, os bispos paulistas falam sobre objeção de consciência, mas o fazem criticando de forma contundente o partido do presidente Lula: O proceder do PT (…) demonstra intolerância e desrespeito à liberdade de consciência garantida pela Constituição Federal, provocando um retrocesso na construção do Estado democrático, além de violar o direito fundamental à vida, desde a concepção, (…) contrariando frontalmente a mensagem central do Evangelho.
Assim, os bispos de São Paulo expuseram claramente o que a cúpula da CNBB omitiu em sua surpreendente declaração do último 24/9. Diante de tudo isso, faz-se necessária uma séria e urgente reflexão por parte da comunidade católica no Brasil, antes que seja tarde demais. Os projetos que tentam destruir os valores fundamentais da sociedade civil estão prestes a ser votados pelo Congresso: aborto, divórcio imediato, casamento homossexual.
Por isso, além de reafirmar as posições da igreja sobre os fundamentais valores éticos e morais, é preciso lembrar aos políticos católicos que não podem impunemente votar a favor de leis que violem os direitos da pessoa humana e da família.
Paradoxalmente, é necessário que a igreja brasileira aprenda com o PT: logicamente, não para punir quem luta a favor da vida, mas para punir os católicos que desrespeitam os valores sagrados da vida e da família.
E que ninguém falsamente invoque o direito à liberdade de expressão, pois, se tudo for considerado lícito e moral conforme a opinião individual de cada um e não forem reconhecidos e compartilhados na sociedade fundamentais valores éticos, que sejam defendidos também pelo Estado (até com a aplicação de sanções penais, como no caso do homicídio), tudo seria justificável, até, como recentemente aconteceu na Holanda, a existência legal do absurdo e insano partido dos pedófilos.
FRANCESCO SCAVOLINI, 54, doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino (Itália) é especialista em direito canônico.
fonte: Folha de S.Paulo, 29/1/2010
extraído do portal da Comissão de Cidadania e Reprodução