Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil
Brasília – A rede de entidades da sociedade civil que manifestou apoio à terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) poderá sofrer fissura se o governo alterar as propostas que defendem descriminalização do aborto no programa.
Ontem (27), em debate no Fórum Social Mundial, o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, admitiu que “a maneira como o aborto está colocada deve ser reformulada”. Vannuchi avaliou que o apoio à descriminalização seria menos polêmico se retirasse o trecho “tendo em vista a autonomia das mulheres para decidir sobre o seu próprio corpo”.
O ministro afirmou que o trecho “corresponde a um ponto de vista que é bandeira do movimento feminista” e admite um “saudável” recuo: “temos humildade para reconhecer erros”. Segundo Vannuchi, “o próprio presidente Lula, não tem essa visão. Se o presidente não tem, isso evidentemente tem que ser mudado”, defendeu.
A socióloga e jornalista Angela Freitas, da Articulação de Mulheres Brasileiras, considerou “muito estranhas” as afirmações do ministro. Em sua opinião “se o governo quer retroceder tem que explicar à sociedade”.
Para a feminista, a “ameaça de retrocesso não é nova”, lembrando da rejeição na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei nº 1135 que retirava o aborto do Código Penal Brasileiro. Segundo Angela Freitas, “não havia naquele momento [2008] ambiente para o debate”; e agora, em ano eleitoral, podem ser restabelecidos “compromissos com o fundamentalismo religioso”.
Para a representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) Kauara Rodrigues, “as pressões conservadoras são oportunistas”. Ela defende a integralidade das propostas incluídas no PNDH 3.
“O recuo é um contrassenso. Essas propostas são resultado de um processo amplo e democrático de consulta e discussão, que não inclui apenas as mulheres.”
A integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Jacqueline Pitanguy, salienta que é preciso verificar como seria a nova redação das propostas sobre o aborto. Ela assinala que o PNDH 3 “é inaugural” ao incluir a descriminalização e que é importante que a temática permaneça, mesmo que haja uma “acomodação da linguagem”.
“O que tem acontecido é um processo de negociação no contexto de pressões. Os direitos humanos se escrevem com a tinta da luta política”, disse Jacqueline.
Em nota publicada este mês de apoio ao PNDH 3, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher manifestou apoio “à justa e corajosa iniciativa de inclusão do tema dos direitos sexuais e reprodutivos no programa explicitado nos seguintes termos: apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”.
Estudo divulgado no ano passado pelo CFEMEA estima que o Brasil registre por ano 250 mil internações de mulheres por complicações decorrentes de abortos ilegais. Segundo a pesquisa, cerca de 1 milhão de abortos são realizados no país anualmente.
Edição: Lílian Beraldo