Colômbia: avança a violência contra a mulher

Javier Darío Restrepo, da IPS

Bogotá, 22/12/2009 – Não parecia ter relação a notícia sobre violações de homens, supostamente utilizadas pela guerrilha colombiana como forma humilhante de castigo, com outra informação sobre uma recompensa de US$ 200 mil oferecida pelas autoridades policiais a quem revelar o paradeiro de um ex-comandante da policia. Esse homem é acusado de matar sua mulher. Para identificá-la, os investigadores precisaram juntar as partes do rosto, destruído com 58 cortes de bisturi, em um trabalho de 10 dias.

Enquanto o abuso sexual contra os homens é visto como um fato estranho, os abusos e a violência contra a mulher aparecem como fatos criminosos, mas comuns, que fazem parte da vida em sociedade. Assim pareceu há três anos o assassinato de 18 mulheres nos bairros populares da cidade de Medellín, e continua havendo vítimas da guerrilha, dos grupos paramilitares, dos narcotraficantes ou da criminalidade comum, o mesmo que os casos de violência familiar contra a mulher. A Colômbia vive um conflito armado entre guerrilhas esquerdistas que pegaram em armas em 1964 e forças estatais e grupos paramilitares de extrema direita.

O assassinato de mulheres, ou feminicídio, neologismo recente criado entre grupos que se dedicam a investigar esse fenômeno, ocorre na América Latina, com especial intensidade no México, onde as autoridades registraram 1.114 assassinatos de mulheres e meninas entre 2006 e 2008. Em 2000, a República Dominicana registrou 96 e, em 2006 chegou a 182 vítimas. A Guatemala apareceu nos boletins oficiais com 687 mulheres assassinadas no ano passado; em El Salvador foram 413 esse ano entre janeiro e setembro. Mas, mais grave do que nestes países é o caso colombiano.

Dados das organizações não-governamentais Casa da Mulher, Mulheres que Criam, Rota Pacífica e Vamos Mulher, em 2003 os assassinatos de mulheres chegaram a 1.799, em 2004 foram 1.378, em 2005 atingiram 1.424, em 2006 1.223 e em 2007 1.207. a pesquisadora Elizabeth Castillo estudou esses assassinatos e violência contra a mulher em cinco cidades colombianas e pôde medir a magnitude do problema que é, antes de tudo, cultural. Seu estudo “Feminicídio na Colômbia. Estudo de caso em cinco cidades do país”, foi publicado em 2008.

As situações de violência generalizada contra as mulheres têm a ver com o sentido de apropriação de seus companheiros, revelado na regulação de seu corpo e nas restrições que sofre, afirma. Assim disseram porta-vozes de organizações de mulheres ao jornal El Espectador: existe uma ligação “entre esses homicídios e homens que acreditam que por sua condição têm domínio sobre as mulheres”. É percepção foi ampliada com veemência pela defensora dos direitos humanos das mulheres, Diana Gutiérrez, ao se referir ao assassinato de 18 mulheres em Medellín.

Esses crimes “têm em comum, na mente dos assassinos, que as mulheres são objetos, prescindíveis, que podem ser maltratadas, jogadas fora, violadas. Todos concordam com sua crueldade’, disse. A pesquisadora de Castillo acrescenta, como fato revelador deste determinante influxo cultural, o silêncio com que as vitimas costumam encobrir os violentos. Estima-se que as denúncias conhecidas representam menos de 30% dos casos reais de violência. Uma das entrevistadas por Castillo admite: “sempre que dizia que iria denunciar ele me dizia as mesmas palavras: se você abrir a boca eu te mato”.

Outra entrevistada, ao contar sua visita ao médico após ter sido ferida repetidas vezes com um punhal nas costas, disse: “Fui ao médico, mas não disse que foi ele, não sei, havia algo que me impedia de contar”. É uma violência, conclui a autora, “que continua sendo vista como natural, como se estivesse formada por fatos isolados; deixa-se de ver o fio condutor que os liga”. Parte desse fio é a ideia de que a mulher seduz e arrasta o homem ao mal, de modo que a vitima aparece como culpada.

Em janeiro, a imprensa nacional publicou a notícia da absolvição de um homem que abusara sexualmente de sua neta de 9 anos. O tribunal levou em conta que, um ano antes, a menina tinha sido violentada pelo tio. Esta circunstancia permitiu aos juizes concluir que a iniciação precoce da menina a convertia em “uma mulher do mundo com capacidade de perverter adultos e por isso carente da tutela de sua dignidade sexual”.

É a mesma atitude mental que os investigadores veem na imprensa que, ao registra os atos de violência dão a entender, segundo os códigos culturais, que a mulher cria a ocasião. Diante do cadáver de uma moça de 20 anos, o repórter de um vespertino da cidade de Cali viu “o corpaço que seguramente pareceu atraente para os que a violaram e assassinaram”. Outro repórter, em Bogotá, teve reação semelhante diante de outra mulher assassinada: “deu o papayazo (motivo) para que fizessem tudo com ela”. A conclusão da pesquisa se impõe: “o informe destes assassinatos requer uma linguagem clara e sem estereótipos ou preconceitos que reforcem a presunção de que a violência é aceitável em certas circunstancias”.

Para especialistas reunidos em um congresso convocado nos dias 23 e 24 de novembro por um movimento ecumênico, “a violência contra as mulheres é estrutural e obedece alguns padrões de gênero e a uma sociedade androcêntrica e machista que impulsiona e valida a apropriação e a coisificação do corpo das mulheres e que justifica o controle de suas vidas”. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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